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Mostrando postagens de 2020

A solidão do Seu Raimundo

Raimundo, Cabeleireiro Unissex. A fachada já desbotada não chama muito a atenção em meio ao comércio movimentado da Avenida das Palmeiras. O nome Raimundo em letras vermelhas as outras informações contrastadas em preto e branco, a foto de um rosto feminino e um masculino com cabelos curtos, ela com uma discreta franja, ele com um vistoso topete. Paredes azuis com rodapé preto e um cartaz anunciando a contratação de profissionais. Imagens de priscas eras do Google Maps, no entanto, mostram que o salão do seu Raimundo é um dos mais tradicionais estabelecimentos da região. O primeiro registro da Avenida, datado de 2011 mostra o local com paredes verdes descascadas anunciando escovas progressiva, marroquina, definitiva e mexas. Cortes Masculino e Feminino. Relaxamento, chapinha, reflexo, hidratação e pintura. O prédio é cercado por casas residenciais, o asfalto da rua está em péssimas condições e o comércio ainda é rarefeito. Mesmo alguns dos locais mais bem estabelecidos não existiam. Hav

Cheio de orgulho

 A vida não tem sido fácil para os são-paulinos nesta década. O último título brasileiro foi conquistado em 2008 e depois disso veio apenas uma conquista de Copa Sul-Americana em uma conturbada final contra o Tigres, na qual o segundo tempo nem foi jogado. Poucos foram os momentos de felicidade para um torcedor do São Paulo nestes anos. Houve uma empolgação com o surgimento de jovens talentos, como Lucas Moura, David Neres, Luiz Araújo e Antony, mas, tão logo eles vieram foram embora. Houve alguns momentos de empolgação passageira, como o segundo semestre de 2012 - ah, aquela vitória contra a Universidad do Chile, ou aquela vitória contra o Cruzeiro em 2014, um breve júbilo com Osório e Rogério Ceni, algumas vitórias sofridas com Bauza e Aguirre, a ilusão de 2018, mas tudo isso foi tão rápido e logo foi brecado por alguma humilhação acintosa. Goleadas contra Palmeiras e Corinthians, eliminação pro Bragantino, Penapolense e Mirassol, eliminação em todo e qualquer mata-mata disputado. A

Lembranças da vida sem luz

Primeiro vem a oscilação, depois a luz se apaga completamente. Se passam cinco minutos, tempo que serve para confirmar que a luz acabou mesmo, não é só um problema passageiro. Ligamos a lanterna do celular e passamos a procurar pelas velas da casa. Elas estão em um vaso de flor no armário da lavanderia. São três no total, já entrando na metade de suas vidas, fruto da utilização em outros apagões registrados nos cinco anos em que moramos nessa casa. O fósforo está perto da churrasqueira. Uma vela é colocada sobre o balcão da cozinha. Outra iria para cima da mesa, mas penso um pouco e pego uma tampa de um tupperware, para que a cera da vela não derreta sobre a mesa e provoque qualquer estrago. A terceira vela é colocada em uma tampa de garrafa de suco de laranja recém finalizada e o seu lugar naturalmente seria sobre o armário da sala, proporcionando plena iluminação nos dois cantos do cômodo. Mas, logo percebo que o lugar é facilmente alcançável pelo meu filho. Há uma grande probabilida

Fumaça

 Alguns dias são ruins, os outros são horríveis. Vou com meu filho até a calçada, no nosso processo diário para dormir. A fumaça arde os olhos. Um vento fresco sopra e o que podia ser um alívio para o calor só piora as coisas. Os jornais anunciaram a previsão da chegada de um novo ciclone bomba, que iria derrubar a temperatura no sul e no sudeste. Para Mato Grosso a queda seria de meros 2 graus, mas o vento vindo da região sul seria suficiente para empurrar ainda mais a fumaça do Pantanal em chamas.  O dia seguinte amanhece e mal dá para ver o fim da rua. Estamos todos envoltos nessa fumaça da morte, na fumaça resultante da queima de animais e floresta. Uma necrofumaça. Todo ano é bem ruim, mas esse é horrível. Difícil dizer que não é o pior de todos os tempos. As redes sociais compartilham fotos de onças acuadas, com olhares tristes e perdidos, cansadas, sem entender o que está acontecendo, fugindo da morte inevitável e invisível. Onças são animais majestosos e imponentes, estrelas de

Desgosto gratuito

É provável que se demore um tempo para começar a gostar de alguém. Você pode até simpatizar pela pessoa, ter uma boa impressão de uma primeira conversa, admirar alguns aspectos de sua personalidade, mas gostar, gostar mesmo é outra história. Vão se alguns meses, talvez anos, uma vida inteira para se estabelecer uma relação que permita dizer que você gosta de uma pessoa. (E aqui não falo de gostar no sentido de querer se casar ou ter relações sexuais com outro indivíduo). O ódio, por outro lado, é gratuito e instantâneo. Você pode simplesmente bater o olho em uma pessoa e não ir com a cara dela, ser místico e dizer que a energia não bateu, ou que o anjo não bateu, ou que alguma coisa abstrata não bateu. Geralmente o desgosto é recíproco e, se parar para pensar, poucas coisas podem ser mais bonitas do que isso: duas pessoas que se odeiam sem nenhum motivo claro e aparente, sem levar nenhum dinheiro por isso, sem nenhuma razão e tampouco alguma consequência. Ninguém vai se matar, brigar n

O quão triste estaremos quando tudo isso terminar

O ser humano é um otimista nato. Mesmo quem acha que tudo vai dar errado, no fundo, vê isso como uma estratégia para tudo dar certo. Quando a pandemia de coronavírus se fixou no território nacional e todos estávamos impactados com as imagens italianas de hospitais lotados e caminhões carregando corpos, fizemos conjecturas sobre como seria o mundo quando tudo isso acabasse. Estávamos também impressionados com as cenas de solidariedade, com as músicas nas janelas, e, tomados pela humanidade que ainda habita em nós, fantasiamos um novo mundo mais coletivo, onde cada momento fosse mais aproveitado e cada ser vivo fosse mais respeitado. Esse pensamento positivo já é passado. A cada dia fica mais claro que a situação não vai melhorar. A pandemia foi tomada pelo debate político e, como qualquer drama da nossa sociedade, foi possuída pela banalidade. As mortes não impactam mais e viraram uma fria estatística cotidiana. Especialistas tentam explicar com novos termos como estamos perdidos, mas p

Hanta

Sempre que Luiz Eloy Pereira vinha para Cuiabá, trazia consigo uma frente fria. No começo parecia apenas uma coincidência, mas, após uma série de visitas todo mundo chegou a conclusão que sua presença sempre agradável ajudava a amenizar o calor da cidade. Essa é provavelmente a primeira lembrança que eu tenho dele. Devia ter uns 8 anos de idade quando ele aparecia aqui para fazer cursos sobre algum vírus novo. Logo, já estávamos passando férias na casa que ele tinha em Iguape. Era fim de tarde, quando ele voltou de algum lugar com a informação de que naquele dia a maré estava baixa, portanto dava para fazer uma parte do trajeto de volta pela beira da praia. E lá fomos nós, três carros andando na areia dura que até pouco tempo estava embaixo d'água. Que praia era essa deserta na qual se podia andar tanto tempo na praia. Iguape, Ilha Comprida, Cananeia. Era janeiro de 1996. O dia terminava sempre em algum restaurante desses de cidade de praia, comendo manjubas fritas e com ele contan

Sugestão de jogos

Pensei em uma lista de jogos de Copa do Mundo que o SporTV poderia reprisar por esses dias e cheguei a 30. Dá um mês de preenchimento da grade do canal. Só jogos de 1970 pra cá, quando há imagens disponíveis. Alemanha 3x2 Inglaterra 1970 Revanche da final de 1966, foi uma espécie de aquecimento para o jogo do século. Os ingleses abriram 2x0, mas os alemães reagiram nos 25 minutos finais em grande atuação de Beckenbauer e Overath. O gol da vitória só veio na prorrogação e rendeu críticas ao goleiro Bonetti, que substituiu o mito Gordon Banks, fora do jogo por comer pimenta mexicana demais. Alemanha 3x4 Itália 1970 Há uma placa no estádio Azteca informando que este foi o maior jogo do século XX. Bem, a verdade é que boa parte do jogo foi disputada entre momentos de chateação e por pouco, bem pouco, o que não ficou para a história foi uma vitória italiana por 1x0, gol marcado logo no início por Boninsegna. Mas, o gol de empate de Schnellinger aos 47 do segundo tempo abriu as portas da emo

Sugestões de reprises de corridas para o SporTV

O SporTV precisa deixar qualquer cerimônia de lado e passar a resgatar corridas do passado sem nenhuma necessidade de introdução ou encaixe no formato do programa Túnel do Tempo. O Esporte não vai voltar massivamente tão cedo e ninguém aguenta mais as reprises preparadas para temporadas anteriores do programa, exibidas originalmente durante o fim de ano. Pensei em algumas corridas que poderiam ser retransmitidas pelo canal. Grande Prêmio da Alemanha de 1986 Dobradinha brasileira com vitória de Piquet e Senna na segunda colocação. As grande retas cortadas por chicanes de baixas velocidade consumiram o combustível dos líderes. A McLaren partia para uma dobradinha com Keke Rosberg e Alain Prost, mas primeiro o francês e depois o finlandês precisaram economizar combustível e tiraram o pé. Não adiantou, eles não completaram a prova. Piquet assumiu a liderança faltando seis voltas e Senna, que a duas do fim estava em quarto, cruzou em segundo balançando o carro para encontrar combustív

Documento

Sempre fui uma pessoa melancólica, mas acho que nunca me senti como agora, como se estivesse assistindo ao crepúsculo da civilização. Como se estivéssemos em 1987 e Michael Stipe não parasse de cantar “It's the end of the world as we know it”. Mas eu não me sinto bem. Lembro que quando eu tinha oito anos todo dia o Jornal trazia uma notícia sobre o Ébola, essa doença que até hoje é sinônimo de morte, essa febre misteriosa que sangrava até a morte os seus infectados. O filme epidemia com Dustin Hoffman e cenas de pessoas suando sangue em filas de conveniências não parava na prateleira da videolocadora. Mas o Ébola é tão mortal que nunca se espalhou para fora da África. Depois vieram a Gripe Suína, Gripe Aviária, Influenza, H1N1, Sars, Mers, Antrax, mas tudo sempre ficou meio restrito, pareceu mais uma paranoia que sumiu do noticiário da mesma maneira como surgiu. *** Tão inesquecível quanto o 11 de setembro foi o 12 de setembro. O Dia Seguinte. O dia em que só se falava dos

TBT de Carnaval

Sei que chegamos um pouco depois do almoço e logo estávamos almoçando em um restaurante mais ou menos natural do plano piloto. Fomos para Brasília para o aniversário de uma amiga e como era Carnaval, resolveram que devíamos ir em um bloco. Estava desconfiado, porque o carnaval sempre me pareceu uma coisa muito opressora, que não se adequava muito ao meu perfil. Quando fui ver já estavam todos se arrumando e passando glitter na cara. Fui apresentado a Skol Beats, que eu nem sabia o que era. O gosto era realmente diferente, aquilo não se parecia nem um pouco com cerveja, mas deixava bêbado bem rápido e só depois eu fui descobrir que o teor alcoólico daquilo era o dobro de uma cerveja comum. Então estávamos todos sendo deixados pelos seus respectivos motoristas de Uber em algum lugar amplo de Brasília, onde um trio elétrico tocava músicas engraçadas, de tão saudosistas. Cada Skol Beats ingerida como se fosse uma cerveja normal aumentava minha embriaguez. Alguém foi ao banheiro e se pe

Terry Jones

Caio em um vídeo de Michael Palin falando sobre Terry Jones, fundador do Monty Python e que morreu na última semana. Dentro da dinâmica estabelecida no grupo de humor, formado por seis integrantes, Jones e Palin formavam uma dupla criativa, enquanto Graham Chapman e John Cleese formavam outra. (Eric Idle e Terry Gillian precisavam se virar por conta própria). Palin lembra que conheceu Jones em 1962, quando os dois entraram na Universidade de Oxford. Viraram amigos e trabalharam juntos por anos. Palin lembra que eles trabalharam muito, com a pressão de ter um programa semanal na BBC, faz os elogios ao seu amigo, uma pessoa muito franca, mas que sempre ajudava muito. Lembrou que, mesmo em seus projetos solos pós-Python, Jones sempre esteve presente, dando palpites. Lá pelas tantas, após uma série de elogios, Palin é perguntado sobre o que ele sentirá mais falta em Jones. Ao invés de citar um desses valores genéricos, Michael Palin é sincero: de saírem juntos para beber, dos jantares,

Top 8 - Corridas sem chuva nos anos 2010

Assim que década acaba - ou não - dezenas de listas surgem por aí. Uma das que mais me chamou a atenção é a lista de melhores corridas de Fórmula 1 dos últimos 10 anos. Nessa lista há uma grande predominância de corridas na chuva e parece que o automobilismo só pode ser divertido quando há chuva. Sete das dez provas escolhidas no site oficial da categoria ocorreram com pista molhada. De fato, para que uma corrida entre para a eternidade, é preciso que uma as circunstâncias criem uma série de dificuldades que permitam que os pilotos exibam seu talento. A chuva é a maneira mais fácil de embaralhar as cartas, mas, separei uma lista - em ordem cronológica - de oito corridas que foram capazes de prender o espectador em frente da TV. (Outro problema das corridas de Fórmula 1 é que as memórias recentes tendem a se sobrepor as passadas. Por isso o GP do Brasil de 2019 entra a frente do de 2012 - provavelmente a melhor corrida da década - assim como a Alemanha em 2018) Itália 2010 Contex