Primeiro vem a oscilação, depois a luz se apaga completamente. Se passam cinco minutos, tempo que serve para confirmar que a luz acabou mesmo, não é só um problema passageiro. Ligamos a lanterna do celular e passamos a procurar pelas velas da casa. Elas estão em um vaso de flor no armário da lavanderia. São três no total, já entrando na metade de suas vidas, fruto da utilização em outros apagões registrados nos cinco anos em que moramos nessa casa.
O fósforo está perto da churrasqueira. Uma vela é colocada sobre o balcão da cozinha. Outra iria para cima da mesa, mas penso um pouco e pego uma tampa de um tupperware, para que a cera da vela não derreta sobre a mesa e provoque qualquer estrago. A terceira vela é colocada em uma tampa de garrafa de suco de laranja recém finalizada e o seu lugar naturalmente seria sobre o armário da sala, proporcionando plena iluminação nos dois cantos do cômodo. Mas, logo percebo que o lugar é facilmente alcançável pelo meu filho. Há uma grande probabilidade que ele fique fascinado por esse objeto novo e completamente estranho ao seu cotidiano e ele pode acabar se queimando. Ou então, derrubando a vela sobre os objetos do armário e provocar um incêndio.
Pausa para uma percepção. Essa é a primeira vez que meu filho, em seus quase 20 meses de vida, enfrenta um apagão um pouco mais severo. A preocupação é com o calor que beira quase 30 graus às 11 da noite e como enfrentar uma noite de sono nessa situação. Mas toda a cena me lembra de como a vida é mais fácil hoje em dia em relação às questões elétricas.
Até os meus 10 anos de idade a luz acabava com uma frequência constante, chegava a ser de uma vez por dia. Era normal fazer a tarefa da escola sob a luz das velas, mas o que eu mais me lembro é do ritual da falta de luz, ritual que dificilmente meu filho irá vivenciar.
Vejo as nossas três míseras velas, escondidas em algum canto esquecido da casa. Penso que muitas casas talvez não tenham velas. Mas, quando eu era pequeno elas tinham um lugar de destaque e de fácil acesso dentro da casa. Ficavam sobre a geladeira, ou em uma caixa no armário da cozinha que todos sabiam onde ficavam. Existiam suportes de vela, para que elas não derretessem sobre os móveis da casa e provocassem danos irreversíveis. Velas eram itens que invariavelmente iam parar na lista de compras da casa, junto com os palitos de fósforo.
Quando a luz acabava sempre era preciso saber da dimensão do incidente. Olhando para o céu era possível ter uma ideia do perímetro do apagão. Dava para ver que a rua do lado ainda tinha luz, acabou só na nossa. Que pelo jeito havia luz na avenida. Quando a falta de luz durava mais do que 15 minutos, era hora de ligar para a Cemat. Muitas vezes eles nem atendiam, sinal de que a linha devia estar congestionada e, por sequência lógica, sinal de que o problema devia afetar vários bairros da cidade. A atendente informava que o problema já havia sido notificado, ou que ninguém o havia relatado. Por vezes dava um panorama geral da situação.
Nunca dava para ter certeza se o tamanho do problema teria alguma relação com o tempo para sua solução. Um problema apenas na sua rua poderia demorar a ser atendido, já que não afetava tantas pessoas. Mas um problema geral também poderia demorar a ser resolvido devido à complexidade do caso.
Penso que meu filho talvez olhe para a caixa de velas como uma caixa de relíquias que é resgatada apenas em situações excepcionais. Que é provável que ele nunca precise ligar para a Cemat, ou sua concessionária controladora. Ou que quando acabava a luz eventualmente o telefone tocava na sua casa com uma ligação de um parente ou amigo perguntando se todos estavam juntos no mesmo barco apagado.
Ou ainda, nonsense do nonsense para a nova geração: quando a falta de luz se mostrava extremamente persistente, coisa de mais de três, quatro horas, era normal que o morador entrasse em seu carro e dirigisse pela cidade, muito provavelmente com os filhos dentro do automóvel. Talvez fosse uma vontade só de distrair as crianças e o próprio tédio diante da situação. Mas o passeio servia para verificar in loco (como gostam os políticos) os locais sem energia, se revoltar a ver que havia luz na Avenida e na cidade toda e apenas o seu bairro havia sido excluído da civilização, ou então que as trevas estavam presentes até a ponte, ou ainda que a cidade inteira estava mergulhada no breu.
Mas, o passeio tinha um destino final: a sede da Cemat na esquina das ruas Campo Grande e Barão de Melgaço. Sim, isso acontecia raramente, lembro de ter acompanhado meu pai lá duas, no máximo três vezes. Um monte de pessoas se amontoavam em frente da loja, esperando alguma resposta, o cenário era confuso, típica cena de pessoas procurando um serviço público que não oferece respostas.
Quando muito, se obtinha alguma resposta de que se estava trabalhando para solucionar o problema e todos voltavam para casa com as novidades, até que uma hora a luz voltava. E eventualmente apagava de novo e ficava em um vai-vem aparentemente interminável, danificando eletrodomésticos até que a normalidade fosse finalmente reestabelecida.
Cenas de 20, 25 anos atrás, mas que parecem de outra vida.
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