Pular para o conteúdo principal

Walters

The Village Green Preservation society é o melhor disco dos Kinks, um dos melhores dos anos 60 e da história da música. Um disco nostálgico e bucólico, cheio de lembranças de infância e melodias sensacionais.

Estava saindo de casa hoje e escutando no MP6 a faixa Do You Remember Walter?, faixa número 2 desse disco. Trata-se de uma lembrança de Ray Davies, do seu grande amigo de infância Walter. Eles jogavam críquete debaixo da chuva, fumavam cigarros escondidos atrás do portão. Eles diziam que lutariam para serem livres, juntariam seu dinheiro para comprar um barco e navegar pelos mares. Mas não era para ser. Onde estaria Walter? Walter agora é apenas o eco de um mundo que Ray costumava a conhecer. Walter não deve nem se lembrar do nome do amigo e agora deve estar gordo e casado, e sempre vai para a cama por volta das oito e meia. As lembranças dos velhos tempos chateariam Walter.

Me pergunto, quantos Walters não tivemos em nossas vidas? Aqueles amigos de infância que desapareceram no mundo.

Meu vizinho, com quem ia jogar videogame todos os fins de semana, mas que não vejo a três meses. Vinícius, amigo do Jardim de Infância, morava em uma casa na frente da minha. Acho que o vi um dia na faculdade, cursando Engenharia Elétrica, acho. Mas não perguntaria seu nome. Não teria coragem e não teria assunto para falar por mais de 30 segundos.

Aquilo que unia os nossos mundos, já não nos interessam mais. Nosso interesse comum já não faz mais parte de nossas vidas, de tal forma que já não fazemos mais parte de nossas vidas.

Eriélton, amigo meu da segunda série. Fomos separados de turma na terceira série e ele pediu para mudar de sala, para que estudássemos juntos. No começo da quarta série ele mudou de cidade. Lembro-me do dia em que brincamos pela última vez, ele entrou na Kombi com um logo da Seara que sempre o buscava, foi embora e eu nunca mais o vi. Lembro que fiquei triste.

Às vezes essas amizades mudavam de um ano para o outro. Seu bom amigo da quarta série havia se transformado num babaca, no ano seguinte. Ele simplesmente gostava de outras coisas, coisas chatas, não havia o que ser dito. Não sei como seria encontrar o Eriélton no tempo de hoje. Ele poderia ter virado um cara que usa abada e tira fotos sem camisa no Orkut.

A internet, de certa forma, ajuda a manter as pessoas mais próximas hoje. O contato que ainda tenho com o pessoal do segundo grau, a um clique do mouse. Ou até mesmo da faculdade. Imagino o tempo do meu pai, que há mais de 20 anos não fala com um dos seus companheiros de república. Viu seu melhor amigo da época umas duas vezes.

A vida por vezes é cruel, nesse aspecto. Vamos vivendo nossas vidas de maneira que tantos bons amigos ficam para trás, e surgem outros, que também ficam para trás, perdidos na memória ou em uma fotografia de baixa resolução. Acabam virando Walters.

Comentários

Postagens mais visitadas

Desgosto gratuito

É provável que se demore um tempo para começar a gostar de alguém. Você pode até simpatizar pela pessoa, ter uma boa impressão de uma primeira conversa, admirar alguns aspectos de sua personalidade, mas gostar, gostar mesmo é outra história. Vão se alguns meses, talvez anos, uma vida inteira para se estabelecer uma relação que permita dizer que você gosta de uma pessoa. (E aqui não falo de gostar no sentido de querer se casar ou ter relações sexuais com outro indivíduo). O ódio, por outro lado, é gratuito e instantâneo. Você pode simplesmente bater o olho em uma pessoa e não ir com a cara dela, ser místico e dizer que a energia não bateu, ou que o anjo não bateu, ou que alguma coisa abstrata não bateu. Geralmente o desgosto é recíproco e, se parar para pensar, poucas coisas podem ser mais bonitas do que isso: duas pessoas que se odeiam sem nenhum motivo claro e aparente, sem levar nenhum dinheiro por isso, sem nenhuma razão e tampouco alguma consequência. Ninguém vai se matar, brigar n...

Os 27 singles do Oasis: do pior até o melhor

Oasis é uma banda que sempre foi conhecida por lançar grandes b-sides, escondendo músicas que muitas vezes eram melhores do que outras que entraram nos discos. Tanto que uma coletânea deles, The Masterplan, é quase unanimemente considerada o 3º melhor disco deles. Faço aqui então um ranking dos 27 singles lançados pelo Oasis, desde o pior até o melhor. Uma avaliação estritamente pessoal, mas com alguns pequenos critérios: 1) São contados apenas o lançamentos britânicos, então Don't Go Away - lançado apenas no Japão, e os singles australianos não estão na lista. As músicas levadas em consideração são justamente as que estão nos lançamentos do Reino Unido. 2) Tanto a A-Side, quanto as b-sides tem o mesmo peso. Então, uma grande faixa de trabalho acompanhada por músicas irrelevantes pode aparecer atrás de um single mediano, mas com lados B muitos bons. 3) Versões demo lançadas em edições especiais, principalmente a partir de 2002, não entram em contra. A versão White Label de Columbia...

Tentando entender

Talvez a esquerda tenha que entender que o mundo mudou. A lógica da luta coletiva por melhorias, na qual os partidos de esquerda brasileiros se fundaram na reabertura democrática, não existe mais. Não há mais sindicatos fortes lutando por melhorias coletivas nas condições de trabalho. Greves são vistas como transtornos. E a sociedade, enfim, é muito mais individual. É uma característica forte dos jovens. Jovens que não fazem sexo e preferem o prazer solitário, para não ter indisposição com a vontade dos outros. Porque seria diferente na política? O mundo pautado na comunicação virtual é um mundo de experiências individuais compartilhadas, de pessoas que querem resolver seus problemas. É a lógica por trás do empreendedorismo precário, desde quem tem um pequeno comércio em um bairro periférico, passando por quem vende comida na rua, ou por quem trabalha para um aplicativo. Não são pessoas que necessariamente querem tomar uma decisão coletiva, mas que precisam que seus problemas individua...