A Copa de 1994 é a primeira da qual eu tenho algumas lembranças. Os jogos do Brasil, o gol do Branco, a seleção da Romênia, um Bulgária e México que assisti na casa da minha avó. Lembro também que nessa Copa tive o meu primeiro álbum de figurinhas e que nunca vinha uma única figurinha da Grécia.
Entre os 528 jogadores que participaram daquela Copa estava o goleiro colombiano Faryd Mondragón.
Mondragón era um discreto reserva daquele time, tinha 23 anos e provavelmente ninguém deve ter notado sua presença no time que decepcionou e foi eliminado da Copa ainda na primeira fase. Mondragón teve uma participação notável na Copa de 1998, quando ele era titular do gol colombiano e teve duas atuações espetaculares contra Romênia e Inglaterra. Seu time perdeu os dois jogos, mas o goleiro foi o responsável pelos placares apertados. Além disso, Mondragón tinha um nome sonoro, marcante.
Quando um jogador, principalmente de time pequeno, se destaca em uma Copa do mundo, o fã de futebol acaba estabelecendo uma relação especial com ele. Sempre se sente feliz ao assistir um jogo e ser surpreendido com a presença dele. Olha só, ele está aqui.
Essa sensação se repetiu inúmeras vezes com Mondragón. Caramba, ele ainda joga, está nesse time da Alemanha. Olha só, o Mondragón disputando a Libertadores. Nossa! Ele foi convocado para a Copa do Mundo. Confere na internet a idade dele.
Fui algumas vezes ao antigo estádio do Verdão no final dos anos 90. O calendário brasileiro era uma loucura naquela época, existiam alguns torneios absolutamente caça-níqueis, realizados entre os estaduais e o brasileirão, ou ainda no começo da temporada. Vez por outra esse torneio chegava em Cuiabá.
Em um desses jogos, me lembro de conversar com meu pai e perguntar se um dia haveria uma nova Copa do Mundo no Brasil novamente. Meu pai disse que com certeza sim. Sonhei com um jogo sendo realizado ali no Verdão e aquilo me pareceu perfeitamente possível. Com 10 anos, nenhuma cidade é maior do que a cidade em que você vive.
O tempo passou, o Brasil foi escolhido como sede da Copa do Mundo, Cuiabá se candidatou a receber os jogos e aquilo parecia uma loucura. Muitas cidades estariam na frente daqui. Mas as articulações políticas confirmaram que aqui seria uma sede.
Foram anos de disputas e problemas, incertezas e erros. Anos em que a FIFA e os responsáveis criam tantos problemas que esquecemos que a Copa do Mundo não é um torneio de turismo, de negócios ou viadutos. É um torneio de Futebol e, como tudo no futebol, um torneio de seres humanos.
Cuiabá viveu dias extremamente loucos pela Copa do Mundo. Uma invasão de turistas, de cores e sotaques com a qual não estamos acostumados. Não recebemos nenhuma grande seleção do futebol mundial, mas pudemos ver a bela seleção do Chile e o momento em que seus torcedores cantaram em uníssono que a tumba seria dos livres ou um asilo contra a opressão. Lindo.
Cuiabá viveu um momento histórico no dia 24 de Junho. O dia em que eu me encontrei com a Copa do Mundo. O dia em que Faryd Mondragón se encontrou com a história.
A convocação do goleiro já era suficientemente histórica. Nenhum jogador tão velho havia sido convocado para o torneio. Mais do que isso, ele foi o primeiro a ser convocado para duas copas em um espaço de 20 anos. Mas, dificilmente entraria em campo. Era reserva de Ospina e a Colômbia tinha um grupo equilibrado para tentar avançar as oitavas de final.
Só que a história foi boa com Mondragón e a seleção colombiana venceu seus dois primeiros jogos no torneio pela primeira vez. Garantiu a classificação antecipada e todos abriram os olhos para a possibilidade de Mondragón entrar para a história.
A Arena Pantanal foi tomada pelos colombianos. Que vibraram com o pênalti convertido por Cuadrado, se preocuparam com o empate de Okazaki, viram James Rodríguez entrar no intervalo e mudar o jogo, dando dois passes para Jackson Martínez. Viram James fazer um golaço - e eu direi para os meus filhos e netos que estava no estádio no dia em que James entortou um japonês e tocou com categoria encobrindo o goleiro japonês e que virei para trás para parabenizar um colombiano pelo feito.
Mas, àquela altura a história do jogo era outra. José Pékerman havia feito duas substituições no intervalo, o placar estava apertado e parecia que não seria o dia de Mondragón. Mas quando o placar estava 3x1 e o relógio apontava 30 e poucos minutos, Mondragón começou a se aquecer. Pékerman teve a sensibilidade de deixar que a história acontecesse.
E um pouco antes dos 40 minutos a placa se levantou. O camisa 22 entrou em campo. O estádio inteiro se levantou para aplaudir. O titular Ospina reverenciou Mondragón e minha vontade era de gritar para o mundo, caso alguém não percebesse o que estava acontecendo. Aos 43 anos e 3 dias, Faryd Mondragón se tornava o homem mais velho a jogar uma Copa do Mundo. Em Cuiabá e diante dos meus olhos.
O jogo poderia ter terminado ali, mas Mondragón ainda precisou fazer uma grande defesa e outra boa intervenção, mostrando que estava ali por merecimento e não por uma simples homenagem. James ainda marcou seu golaço e o jogo terminou com um tiro de meta cobrado pelo personagem da partida.
Que dia, esse 24 de junho de 2014. A tarde de Mondragón. A minha tarde na Copa. Um dia para a história.
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