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Memória da Copa: O último ato de Xavi e Iniesta


Quando o juiz apitou o final daquela partida entre Espanha e Holanda, com o tragicômico placar de 1x5, todos se apressaram para sepultar a seleção espanhola. Enterro que se confirmou em parte nos jogos seguintes, quando La Roja foi eliminada na primeira fase.

A Seleção Espanhola tem uma incrível antipatia em solo brasileiro. Suas vitórias sempre são menosprezadas e creditadas a fraqueza alheia. Seu estilo vencedor de toques intermináveis virou símbolo de chacota e futebol chato.

Não tenho como me aprofundar nas razões dessa antipatia, mas penso que a Espanha é tão odiada por aqui porque eles foram um pouco do que gostaríamos de ser. Uma seleção que não tinha camisa e que ganhou tudo o que queria e, não venham me dizer que a Copa das Confederações tem alguma importância. Uma seleção que venceu impondo seu estilo de jogo e contribuiu para colocar a posse de bola no centro das discussões futebolísticas. Mas, a Espanha não era apenas posse de bola. Era marcação, ocupação de espaços, pressão na saída de bola, um jogo minimalista em busca do erro do adversário. Um jogo que talvez não foi mais espetacular pela falta de um grande definidor de jogadas.

Porque o coração desse time não estava na definição. Estava lá atrás, no começo das jogadas. Estava em Xavi. Estava em Iniesta.

Pense nas grandes duplas que o futebol mundial já teve. Talvez nenhuma se equipare a Xavi e Iniesta. Os dois foram parceiros de meio de campo e ganharam tudo o que disputaram. Pense em jogadores que ganharam pelos seus clubes os títulos nacionais, continentais e mundiais. Campeões continentais e mundiais pela sua seleção. Que viveram juntos o grande momento da história do seu clube e da sua seleção. Temos grandes duplas sem tantos títulos, separados na seleção ou no clube. Ou que ganharam os títulos, mas não eram uma dupla.

Xavi e Iniesta se completavam. Xavi era mais cerebral, dono do trabalho de formiguinha, buscando e levando a bola em busca de espaços, orientando os companheiros e armando as jogadas. Iniesta é mais habilidoso, a bola gruda em seus pés e tem uma visão de jogo sem igual. Suas tabelas, os passes trocados rapidamente no meio estarão na memória de quem gosta de futebol.

A derrota para a Holanda foi o último jogo de Xavi pela seleção espanhola e é provável que ele também saía do Barcelona. Sem ele, os times sofrerão com um vácuo no meio de campo. Terão que ir em busca de um novo estilo de jogo, sem o mentor intelectual do toque de bola. Sobrará um ainda genial Iniesta, mas sobrecarregado e sem a característica de formiguinha. Talvez a Espanha nunca mais ganhe um título, afinal, quando é que eles conseguirão reunir um Xavi e um Iniesta novamente?

Assim sendo, quando o juiz apitou o final do jogo com aquele placar pornográfico, uma era terminou sim. Mais do que isso, pela última vez nós vimos Xavi e Iniesta juntos. Cada um deu pelo menos um passe espetacular, mas a derrota foi vergonhosa. Um triste fim para uma dupla que quem gosta de futebol jamais vai esquecer.

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