Pular para o conteúdo principal

Jogos perdidos

Existem os grandes jogos de futebol que você viu, e também os que você não viu. Os jogos inesquecíveis, que você queria ter visto, mas que alguma coisa impediu.

Meu pai fala de Brasil X Inglaterra na copa de 70. Um dos maiores jogos da história. Foi num dia 7 de junho, o dia em que Arizinho morreu. No caso, um primo do meu pai, dois anos mais velho, que morreu em um acidente de carro. Perdeu o controle e bateu em uma mangueira, a barra de direção entrou no seu peito. A notícia veio no meio do jogo, que acabou para a família naquele dia.

Eu vi todos os jogos da copa de 98, pelo menos um pedaço. Fosse Chile x Áustria, que começava quando ainda estava em aula. Em 2002 eu perdi vários jogos. O sono foi mais forte em África do Sul x Eslovênia e (infelizmente) Suécia x Senegal. Para outros jogos eu acordei em cima da hora. Acompanhei só o fim do sofrimento francês e argentino. E em alguns jogos, eu estava na aula. Argentina x Inglaterra foi acompanhada por um emocionante bolão, atualizado por cada um que pedia para sair e ir beber água. Deve ter visto só uns 20 dos 64 jogos inteiros.

E entre os jogos perdidos, um foi mais marcante.

Coréia do Sul x Itália era o jogo mais interessante das oitavas. Os surpreendentes coreanos que fizeram uma grande primeira fase, e os tradicionais italianos que se classificaram no sufoco. Torcia pela Coréia, dona da casa, porque sempre acho o futebol da Itália chato.

Mas, eu tinha provas no dia. Prova de Português, Literatura e Redação. Assim que terminasse as duas provas, podia ir embora. A prova começou as 7h e o jogo as 7h30. Fui fazendo as provas. Terminei uma e vi no relógio que o primeiro tempo já era. Fiz a prova de redação correndo, entreguei percebendo que o jogo já havia acabado há alguns minutos.

Tinha que ir embora, e do colégio até a minha casa era 1,5km. A essa altura, se o jogo ainda estivesse acontecendo, estaria no fim do primeiro tempo da prorrogação, começo do segundo.

Saí do colégio e entrei na longa rua de terra que levava até a avenida principal do bairro. Ao fundo as mangueiras. Era um dia nublado. A rua tem 300 metros e os primeiros são completamente inabitados.

Quando estava no fim dessa rua, passei pela primeira casa, ou, um conjunto de sobrados germinados. Escutei então uma televisão ligada. Escutei Cléber Machado narrando o jogo. Não havia dúvida, o jogo estava na prorrogação. Os pensamentos então começaram a vir, como o jogo estava empatado? Jogo duro. Me motivei a ir mais rápido, para chegar logo em casa, nem que fosse para os pênaltis.

Na rua principal do bairro, várias casas. Em algumas a TV ligada me mantinha informado. Acompanhei o jogo pelas casas, pelas luzes ligadas nas salas. Estava chegando na esquina da minha casa. Havia acabado de entrar na minha rua quando escuto pela esquina "Goooooooooooooool!". Era o grito de um morador. Parei e ele prosseguiu "vão embora pra casa italiano filhas da puta!". Pensei "não é possível, a Itália perdeu!". Corri até chegar em casa, abri e portão e fui direto para o meu quarto. Liguei a TV e vi os italianos desolados sem acreditar na derrota. Os coreanos comemorando sem acreditar na vitória. A TV repetiu o gol de Ahn Jung-Hwan, de cabeça, tirando de Buffon. O gol de ouro que classificou a Coréia para as quartas-de-final.

Só depois que eu vi os lances. Vi o gol oportunista de Vieri. A falha de Panucci para o empate de Seol no finzinho do jogo. A expulsão exagerada de Totti, as entradas violentas dos coreanos e o impedimento absurdamente mal marcado no que seria o gol da vitória italiana.

Depois a Coréia ganhou da Espanha em um jogo de arbitragem ainda mais polêmica e terminou a copa em quarto lugar.

E eu nunca mais acompanhei nenhum jogo assim. E também fiquei de recuperação de Redação, pela prova corrida.

Comentários

Eu me lembro de uma final do São Paulo pela Libertadores, nós estávamos viajando, o meu irmão ia ouvindo pelo walkieman e dizendo pra gente a quantas andava, o jogo foi pros pênaltis e o sinal do rádio começou a pifar, nós paramos no acostamento até o final, rsrsrsrs

Beijão!!!

Postagens mais visitadas

Oasis e a Cápsula do Tempo

Não dá para entender o Oasis pensando apenas na relevância das suas músicas, nos discos vendidos, nos ingressos esgotados ou nas incontáveis exibições do videoclipe de Wonderwall na MTV. Além das influências musicais, das acusações de plágio e das brigas públicas, o Oasis faz parte de um fenômeno cultural (um pouco datado, claro), mas é uma banda que captou o espírito de uma época e transformou isso em arte, promovendo uma rara identificação com seus fãs. Os anos 1990 foram marcados por problemas econômicos no mundo inteiro. Uma juventude já desiludida não via muitas perspectivas de vida. A Guerra Fria havia acabado, uma nova revolução tecnológica começava, o Reino Unido vivia uma crise pós governo Thatcher e nesse cenário surge um grupo cantando letras incrivelmente ousadas para meros desconhecidos.  Definitely Maybe, primeiro disco do grupo, fala sobre curtir a vida de maneira meio sem propósito e sem juízo. A diversão que só vem com cigarros e álcool, o sentimento supersônico de...

Oasis de 1 a 7

Quando surgiu em 1994, o Oasis rapidamente se transformou em um fenômeno midiático. Tanto por suas canções radiofônicas, quanto pela personalidade dos irmãos Gallagher. Eles estiveram na linha frente do Britpop, movimento que redefiniu o orgulho britânico. As letras arrogantes, o espírito descolado, tudo contribuiu para o sucesso. A discografia da banda, no entanto, não chega a ser homogênea e passa a ser analisada logo abaixo, aproveitando o retorno do grupo aos palcos brasileiros após 16 anos.  Definitely Maybe (1994) O primeiro disco do Oasis foi durante muito tempo o álbum de estreia mais vendido da história do Reino Unido. Foi precedido por três singles, sendo que dois deles são clássicos absolutos - Supersonic e Live Forever . O vocalista Liam Gallagher cantava em algum lugar entre John Lennon e Ian Brown, enquanto o som da banda bebia de quase tudo o que o Reino Unido havia produzido nos 30 anos anteriores (Beatles, T. Rex, Sex Pistols, Smiths, Stone Roses). O disco começa c...

Somos todos Leicester

O que era inacreditável, o que parecia impossível agora é verdade. O Leicester é o campeão inglês da temporada 2015-16. Incrível que o título tenha vindo de maneira até confortável, com duas rodadas de antecedência. Incrível que mesmo com a folga na tabela e a liderança estável nas últimas rodadas, era impossível acreditar que o título realmente viria. Parecia que a qualquer momento os Foxes poderiam desabar. O que mais falar sobre esse time? Formado por uma série de refugos, jovens que jamais explodiram, uma ou outra promessa. Filho de goleiro, zagueiro jamaicano e zagueiro alemão grosso, atacante japonês, atacante que até outro dia jogava no futebol amador. Não há nada parecido com o que Leicester fez nesse ano na história do futebol. Talvez na história do esporte. O título do Leicester é uma das maiores façanhas da história da humanidade. Não há o que falar, o que teorizar. Só resta olhar esse momento histórico e aceitar que às vezes o impossível acontece. Que realmente nada é i...