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Religiosidade

Estava na quarta-série quando a professora de Ensino Religioso fez uma pergunta simples: qual é a religião de vocês. Católicos levantaram o braço, depois os evangélicos. Uma menina que não levantou o braço disse que era espírita. E eu, que não tinha levantado o braço disse que não tinha religião. A resposta provocou espanto. Como assim, alguém não tinha religião?

Como toda criança eu fui criado acreditando na presença de Deus, o papai do céu, alguém a quem nós poderíamos recorrer quando precisássemos. Entrei em um colégio de padres, onde nos ensinaram a rezar e logo começamos a ter as aulas de Ensino Religioso.

Foi então que meus amigos começaram a fazer a catequeae. Parecia ser um processo natural da vida, do tipo "nascemos, crescemos, fazemos catequeae, crescemos mais um pouco...". Fui perguntar a minha mãe e ela me explicou os processos religiosos. E foi ai que soube que eu não havia sido batizado. Meus pais acharam que caberia a mim, decidir sobre a minha religião e decidir se queria ser batizado ou não.

Só sei que a catequese me parecia algo chato e eu não me importei com isso. Foi aí que veio a pergunta da quarta-série e depois disso resolvi responder que era católico no quando desses questionamentos. Era mais fácil do que ver as caras de espanto. Segui então nessa minha condição de "católico". Rezava, pedia a Deus para que meu time ganhasse os jogos de futebol. Às vezes prometia rezar todos os dias para conseguir uma boa nota.

Logo percebi que Deus não teria como ajudar todas as crianças a verem seus times vencer e que minha prova de matemática não poderia ser tão importante. Resolvi que não mais iria pedir tal ajuda depois que o São Paulo perdeu a Copa do Brasil em 2000 com um gol no último minuto.

Também em 2000 começou a chamada segunda Intifada. Eu escutei Imagine de John Lennon prestando atenção na letra pela primeira vez e estudava história na Idade Média. Isso me fez chegar a minha primeira conclusão religiosa. Eu não gostava de religiões. Achava legítima a existência de algum deus, mas não gostava da Religião. Foram tantas guerras, tanto sangue derramado tanta intolerância - e até hoje há a intolerância - porque duas pessoas, dois povos teriam visões divergentes sobre o que no fundo é a mesma coisa. Assumi de vez que eu não tinha religião. Sim, eu acreditava em Deus, mas não era batizado. Nem catequizado ou crismado e era feliz com isso.

Com o tempo tudo foi perdendo importância. Parei de rezar, porque percebia que as pessoas rezavam o que estava decorado e para mim isso não fazia o menor sentido. Certo que a repetição coletiva de um texto faz parte dos "ecos da Comunidade Imaginada". Eu simplesmente não fazia parte desta comunidade.

Funcionava mais ou menos assim: para mim, se deus existisse ou não, não importava. Isso não iria mudar minha vida e havia mais com que se importar.

Foi até o momento em que eu me decidi como ateu. Por achar que essa insignificância em minha vida significava que eu não acreditava. Mas de fato, nunca me foi natural dizer que eu era ateu. E quando alguém fazia alguma brincadeira dizendo que eu era ateu, ainda me parecia um choque.

Acho que porque isso não é uma coisa definida em minha vida. Às vezes tendo a acreditar que deus talvez possa existir. Não um deus piedoso e controlador do universo, mas alguma força sobrenatural que atue esporadicamente. Mas penso racionalmente que não. Digamos que eu não era um ateu convicto. Foi então que um dia percebi que na verdade eu era um agnóstico. Simplesmente eu não achava que a questão da existência ou não de Deus será um dia resolvida. E mais ainda, um Agnóstico Ateísta Apático - para quem essa questão não interessa nem um pouco, mas não tem conhecimento da existência. Devo pensar nisso uma vez por ano (no caso, nesses dias).

Se Deus existir, para mim tanto faz. Minha vida segue com os valores que acredito e que independem da religião. Todo dia morrem pessoas - que acreditam ou desacreditam em Deus - as vezes mortas por pessoas - que acreditam ou desacreditam em Deus. Católicos, Evangélicos, Ateus, Islâmicos ou Budistas cometem crimes e outros salvam vidas. Não acredito que religiões tornem pessoas melhores e não suporto manifestações religiosas fora do lugar onde devem ser praticadas. Jogadores com mensagens religiosas, islâmicos que comemoram gols rezando para Meca, Pastores gritando em praça pública ou mesmo outdoors ateus. Não gosto de quem tenta convencer outra pessoa que sua visão religiosa está equivocada.

Acho que cada um tem o direito de ter a sua religião e pratica-la dentro do limite de sua privacidade e até onde não atrapalhe ninguém. E de fato só um dia se terá a resposta desse enigma. Ou não.

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