E lá estava. Vários livros do colégio que seriam doados, meio tardiamente eu sei. De dentro da caixa, resolvi recuperar algumas coisas. Resolvi poupar meus cadernos. Não quero que tudo o que eu escrevi seja jogado fora. Não quero que ninguém vasculhe o que lá foi escrito. Resolvi salvar também um livro de filosofia - descrevia as correntes filosóficas de maneira simples, isso às vezes pode ser importante. Também uma gramática, mesmo que a ortografia tenha mudado. Uma prova de história que estava perdido ali. Apenas porque eu havia tirado uma nota boa e a professora Vera - gostava dela - escreveu um "Parabéns. Você tem futuro!". Me senti emocionadamente nostálgico com essa nota. Bom saber que a professora Vera confiava em mim.
E principalmente, salvei uma pérola da sexta série "Caderno de Poesia". Já deve ter acontecido com tudo mundo. A professora de português simplesmente resolvia mandar os alunos escrever poesias. Quatro versos sobre fadas. Quatro estrofes sobre o Calor. Um soneto sobre a amizade. Ali, em 50 minutos, todos sentados escrevendo poesias. Imagino Drummond, Quintana, Vinícius de Moraes lado-a-lado em uma sala de aula pensando "uma poesia sobre uma palavra que comece com P".
Claro, não saía nada que prestasse. Eram aquelas poesias de criança, sem nenhuma profundidade, com rimas forçadas - afinal, aprendíamos que poesia tinha rima. Sem rima, era apenas poema.
O resultado, claro, é catastrófico. Claro que os temas não ajudavam. "São João", "Terror", "Papelão" (escreve aí. Você tem 50 minutos para escrever quatro versos rimados sobre papelão). Todos decorados com gravuras. Sim, artistas completos, que escreviam e ilustravam.
Publico aqui, então, meus três versos sobre "Abençoada Chuva" (o trabalho menos lastimável).
Mas a essa altura, eu já havia composto minha obra prima. Ou como diria Bob Dylan "when I paint my masterpiece".
Foi na oitava série e o professor, novamente, com essa idéia de produzir poesia em série na sala de aula. Cinquenta minutos para escrever algo, tema livre, mínimo de seis versos. Era a época em que o legal era não ter sentimentos - logo poesia seria coisa de viado. Sem paciência escrevi os versos seguintes, que nunca me esquecerei.
Entreguei ao professor, meio envergonhado, com a certeza de que havia escrito a coisa mais idiota que alguém poderia escrever. Recebi de volta, tempo depois com um OK e me esqueci.
Mas, eis que um tempo depois, recebo a edição do jornal intermitente do colégio e na seção de Poesia, está o meu poema exposto. Sim, lá estava. Sob o título "passado" (não havia nomeado) e minha assinatura - Guilherme Blatt, 8ªM.
Achei que era uma loucura, como alguém haveria de ter gostado daquela idiotice? Publicado no meio de tantos poemas bobinhas, escritos em ordem indireta para ajudar a rimar com os verbos.
Depois pensei. Meu poema era uma pedra cinza no meio de tanta coisa infantil. As pessoas devem ter percebido uma certa amargura, uma resignação com a vida. Esta coisa óbvia dos anos passando, com a única certeza - a certeza da morte. Eu era praticamente um Drummond, um Álvares de Azevedo naquele contexto. Um balde de gelo naquele vulcão de rimas terminadas em ar.
Imagem que foi desconstruída rapidamente, porque no mesmo jornal saiu uma declaração minha, ao lado de minha foto, declarando toda o meu amor e admiração pelo Globo Repórter - coisa que eu jamais fiz.
E hoje sou 9 anos mais velho.
E principalmente, salvei uma pérola da sexta série "Caderno de Poesia". Já deve ter acontecido com tudo mundo. A professora de português simplesmente resolvia mandar os alunos escrever poesias. Quatro versos sobre fadas. Quatro estrofes sobre o Calor. Um soneto sobre a amizade. Ali, em 50 minutos, todos sentados escrevendo poesias. Imagino Drummond, Quintana, Vinícius de Moraes lado-a-lado em uma sala de aula pensando "uma poesia sobre uma palavra que comece com P".
Claro, não saía nada que prestasse. Eram aquelas poesias de criança, sem nenhuma profundidade, com rimas forçadas - afinal, aprendíamos que poesia tinha rima. Sem rima, era apenas poema.
O resultado, claro, é catastrófico. Claro que os temas não ajudavam. "São João", "Terror", "Papelão" (escreve aí. Você tem 50 minutos para escrever quatro versos rimados sobre papelão). Todos decorados com gravuras. Sim, artistas completos, que escreviam e ilustravam.
Publico aqui, então, meus três versos sobre "Abençoada Chuva" (o trabalho menos lastimável).
Enfim choveuApenas no primeiro ano, o professor de literatura deu uma definição mais sensata sobre o que era poema e o que era poesia. Nada de rimas. Todas as palavras formam um poema, a poesia está nos olhos de quem lê.
Molhou a plantação
Depois que o gado morreu
Acabou a chateação
Nos (sic) não agüentávamos a fumaça
Rezávamos para chover
Como toda tristeza passa
O céu voltamos a ver
Por mim chovia todo dia
Para acabar a tristeza
Para voltar a alegria
Para realçar a beleza
Mas a essa altura, eu já havia composto minha obra prima. Ou como diria Bob Dylan "when I paint my masterpiece".
Foi na oitava série e o professor, novamente, com essa idéia de produzir poesia em série na sala de aula. Cinquenta minutos para escrever algo, tema livre, mínimo de seis versos. Era a época em que o legal era não ter sentimentos - logo poesia seria coisa de viado. Sem paciência escrevi os versos seguintes, que nunca me esquecerei.
Há quinze anos atrás, eu não havia nascido
Há dez anos, era dez anos mais novo
Há cinco anos atrás, tinha cinco anos a menos que hoje
E hoje sou cinco anos mais velho em relação a cinco anos passados
E daqui a dez anos serei dez anos mais velho
E daqui a cem anos, provavelmente terei morrido.
Entreguei ao professor, meio envergonhado, com a certeza de que havia escrito a coisa mais idiota que alguém poderia escrever. Recebi de volta, tempo depois com um OK e me esqueci.
Mas, eis que um tempo depois, recebo a edição do jornal intermitente do colégio e na seção de Poesia, está o meu poema exposto. Sim, lá estava. Sob o título "passado" (não havia nomeado) e minha assinatura - Guilherme Blatt, 8ªM.
Achei que era uma loucura, como alguém haveria de ter gostado daquela idiotice? Publicado no meio de tantos poemas bobinhas, escritos em ordem indireta para ajudar a rimar com os verbos.
Depois pensei. Meu poema era uma pedra cinza no meio de tanta coisa infantil. As pessoas devem ter percebido uma certa amargura, uma resignação com a vida. Esta coisa óbvia dos anos passando, com a única certeza - a certeza da morte. Eu era praticamente um Drummond, um Álvares de Azevedo naquele contexto. Um balde de gelo naquele vulcão de rimas terminadas em ar.
Imagem que foi desconstruída rapidamente, porque no mesmo jornal saiu uma declaração minha, ao lado de minha foto, declarando toda o meu amor e admiração pelo Globo Repórter - coisa que eu jamais fiz.
E hoje sou 9 anos mais velho.
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