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Fragmentos do Talese

... Qualquer que fosse o assunto, os noticiários da televisão se esforçavam por ser sucintos, visualmente fortes e impregnados de tudo o que pudesse induzir as pessoas a permanecer sintonizadas; e as próprias pessoas que eram notícia (aquelas que eram focalizadas pelas câmeras) muitas vezes atuavam para essas câmeras, procurando conciliar a necessidade que estas têm da expressão visual e vitalidade com sua própria necessidade de serem vistas e ouvidas na televisão e assim divulgar aos quatros ventos sua mensagem para as massas. Não é que a televisão deturpasse as notícias; os que eram notícia é que se deturpavam a si mesmos para a televisão.

(...)

Eu tinha sido formado dentro dos princípios do jornalismo impresso, e quando os repórteres da televisão começaram a entrar em campo, durante meus primeiros anos no Times, foram escarnecidos por meus colegas mais velhos como uma raça de bastardos que envergonhavam a profissão. Dizia-se que tinham uma visão superficial, com muita aparência e nenhuma substância, e que, a não ser no caso de algumas notáveis exceções, como Walter Cronkite (que tinha trabalhado como correspondente estrangeiro, durante a Segunda Guerra Mundial, para a United Press), os âncoras e pauteiros da televisão não tinham formação e experiência para avaliar com propriedade e comunicar de forma compreensível, confiável e equilibrada os acontecimentos importantes do dia. As figuras de destaque no jornalismo americano, quando cheguei ao Times, eram homens que personificavam, como césares, o poder da palavra impressa. Nesse grupo de pessoas estava o venerando colunista Walter Lippman, que não era do Times, e James Reston, meu colega mais velho no Times, chefe da sucursal do jornal em Washington e seu principal editorialista (e um homem tão famoso que uma vez foi tema da matéria de capa da revista Time). Além disso, havia na equipe da New Yorker pelo menos meia dúzia de escritores de não ficção que eu admirava e cujos artigos recortava e arquivava como exemplos de um jornalismo relevante, tanto do ponto de vista literário quanto histórico.

Um dos artigos que guardei foi a reimpressão de uma matéria que tinha ocupado todo o espaço editorial da edição de 31 de agosto de 1946 da New Yorker. Era um artigo de John Hersey, intitulado "Hiroshima", que descrevia a devastação causada pela primeira bomba atômica do ponto de vista de seis pessoas que tinham sobrevivido à explosão, no ano anterior. Hersey fez centenas de entrevistas no Japão, com esses sobreviventes e com outras pessoas, e produziu uma obra de arte que para mim recriava o horror daquele momento (8h15 da manhã de 6 de agosto de 1945) em termos humanos tão magnetizantes e transcendentes que iam além do que eu poderia imaginar ao ver os filmes da nuvem tóxica elevando-se como um cogumelo no horizonte.

A edição da New Yorker com o artigo de Hersey esgotou-se poucas horas depois de chegar às bancas, e durante quatro noites seguidas a American Broadcasting Company cancelou sua programação radiofônica para que "Hiroshima" fosse lido para seus milhões de ouvintes. Pensei muitas vezes naquela matéria e em seu efeito sobre o público pré-televisivo enquanto trabalhava em Selma, e me perguntei quais exemplos de grandes reportagens contemporâneas em jornais e revistas estariam sendo atualmente arquivadas por jovens estudantes de não ficção nesta era do vídeo, em que os jornalistas de televisão comunicam em close-up ao telespectador, em sua casa, a sensação de estar no centro nevrálgico da história. Não que eu estivesse prevendo a obsolescência da mídia impressa por causa das câmeras portáteis e das iniciativas mais competitivas dos jornalistas da televisão, e eu certamente não poderia conceber o dia em que meu próprio jornal já não fosse o "registro em papel" dos Estados Unidos. Além disso, eu acreditava e continuo acreditando que aquilo que os editores to Times a cada dia viam como adequado para ser impresso seria o principal guia diário para os editores para os editores das redes de comunicações. Mas, ao mesmo tempo, o público estava agora recebendo a maior parte das notícias impactantes pela televisão, e esse sedutor meio visual estava em alguma medida intensificando, alterando ou descrevendo reflexamente a realidade, ao oferecer comprovações visuais de sua existência, e estava exercendo sobre o público um impacto mais imediato e profundo do que o jornalismo impresso que eu estava praticando em Selma.

Depois de transmitir minha história, desci ao bar do hotel para reencontrar McNamara e um correspondente da Newsweek chamado William J. Cook, além dos membros da equipe televisava da NBC, estes tomados de euforia e satisfação.

"Que coisa fantástica a gente conseguiu hoje, heim", dizia um deles, depois que alguém de Nova York lhe disse que os filmes sobre a pancadaria na rodovia estavam arrepiantes e seriam exibidos no horário nobre. Quando vi os filmes na televisão, à noite e de novo na manhã seguinte, tive uma maior percepção visual da ferocidade dos agentes da lei e da derrota das vítimas do que ao presenciar as cenas pessoalmente na rodovia. Ainda assim, fiquei surpreso com a rapidez com que esses filmes fizeram com que Selma fosse apontada e condenada pelo país inteiro devido às atrocidades de sua força policial. A brutalidade policial, afinal de contas, podia ser encontrada praticamente em qualquer parte. Vivi o suficiente para ver, um dia, policiais de Nova York levarem um suspeito negro a um distrito para interrogá-lo e o sodomizarem com um cabo de vassoura. Mas Selma, na primavera de 1965, era demonizada como nenhum outro lugar nos Estados Unidos, porque os mais abomináveis momentos de seus agentes da lei tinham sido expostos em rede nacional. O presidente Lyndon Johnson chamou ainda mais a atenção sobre Selma em 15 de março, ao instar o Congresso a aprovar uma nova lei de direito ao voto.

(...)

"Às vezes a história e o destino se encontram numa mesma hora e num mesmo lugar para marcar um momento decisivo na busca incessante da liberdade pelo homem", disse o presidente Johnson ao Congresso.

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