Pular para o conteúdo principal

Os barcos e as palavras

E de repente lá estavam aquelas duas mulheres, remando em um barco, fugindo do quadro. Estavam lá mudando a minha experiência com museus.

Nunca fui exatamente um fã de museus. Por mais que minha experiência com grandes museus esteja resumida ao Museu Imperial de Petrópolis. Talvez por isso, porque nunca fui exatamente um fã, um apreciador em observar mobílias antigas, por mais histórias que elas carreguem. Confesso também, que nunca me senti tentado a ver a Mona Lisa de perto.

Museus também me trazem memórias modorrentas de viagens em família. De quando se para naquela cidade minúscula, na qual não se sabe o que fazer, até que se descobre que lá há um museu. Chega-se ao local para observar uma pequena coleção de roupas velhas e papéis que não dizem nada.

Minha experiência com museus mudou para melhor quando conheci o Museu da Língua Portuguesa, em 2008. Uma ideia fascinante, um museu de palavras, elas, tão difíceis de explicar, que falamos sem conhecer sua origem, tão íntimas e tão desconhecidas.

Logo na entrada havia uma exposição temporária sobre Clarice Lispector. As paredes recheadas de suas frases. Lógico, não foram escritas na parede por ela, mas eram como se fossem. Ali, suas citações tinham um poder enorme. Suas frases valiam a visita, valiam a sua vida. Era como se você tivesse vivido toda a sua vida para estar ali naquele momento, sendo magnetizado pelas palavras. O acervo do museu também era ótimo, mas o choque inicial daquela exposição era fascinante.

Decorei o nome de alguns livros de Clarice, os campeões em citações e acabei comprando o mais barato, porque afinal, não queria me arriscar tanto assim. Comprei Água Viva, que só consegui ler na segunda tentativa, uns três anos depois. A leitura foi tão monótona, que me convenci que Lispector funcionava melhor em frases, do que em livros. Acho que muitas pessoas também tem essa impressão, pelo o que vejo no Facebook. Aliás, sobre montagens toscas, as frases de Clarice parecem filosofia de bar, não tem o mesmo poder que elas tinham ali naquelas paredes.

E então estavam aquelas duas mulheres sobre o marco. Em minha primeira visita ao MASP. Já havia visto uma exposição chata sobre gravuras alemãs, outra sobre arte sacra. Emburrando ainda mais minha experiência com museus. Até que lá estavam as duas mulheres.


Claro que já havia visto belas pinturas de Renoir, Van Gogh e Manet. Mas estar diante de "A Canoa Sobre o Epte" de Claude Monet foi uma experiência transcendental. Não sei se a obra de 1890 é famosa, se está entre seus principais trabalhos (nunca havia a visto, procurei seu nome depois), mas ali, diante dos meus olhos era a coisa mais sensacional do mundo.

A vontade era de ficar parado admirando a marca dos pinceis, os detalhes esfumaçados, essas cores que só parecem existir ali, no quadro. Tudo enquanto as duas mulheres remavam, tentando fugir do enquadramento, eternizadas.

Comentários

Postagens mais visitadas

Desgosto gratuito

É provável que se demore um tempo para começar a gostar de alguém. Você pode até simpatizar pela pessoa, ter uma boa impressão de uma primeira conversa, admirar alguns aspectos de sua personalidade, mas gostar, gostar mesmo é outra história. Vão se alguns meses, talvez anos, uma vida inteira para se estabelecer uma relação que permita dizer que você gosta de uma pessoa. (E aqui não falo de gostar no sentido de querer se casar ou ter relações sexuais com outro indivíduo). O ódio, por outro lado, é gratuito e instantâneo. Você pode simplesmente bater o olho em uma pessoa e não ir com a cara dela, ser místico e dizer que a energia não bateu, ou que o anjo não bateu, ou que alguma coisa abstrata não bateu. Geralmente o desgosto é recíproco e, se parar para pensar, poucas coisas podem ser mais bonitas do que isso: duas pessoas que se odeiam sem nenhum motivo claro e aparente, sem levar nenhum dinheiro por isso, sem nenhuma razão e tampouco alguma consequência. Ninguém vai se matar, brigar n...

Os 27 singles do Oasis: do pior até o melhor

Oasis é uma banda que sempre foi conhecida por lançar grandes b-sides, escondendo músicas que muitas vezes eram melhores do que outras que entraram nos discos. Tanto que uma coletânea deles, The Masterplan, é quase unanimemente considerada o 3º melhor disco deles. Faço aqui então um ranking dos 27 singles lançados pelo Oasis, desde o pior até o melhor. Uma avaliação estritamente pessoal, mas com alguns pequenos critérios: 1) São contados apenas o lançamentos britânicos, então Don't Go Away - lançado apenas no Japão, e os singles australianos não estão na lista. As músicas levadas em consideração são justamente as que estão nos lançamentos do Reino Unido. 2) Tanto a A-Side, quanto as b-sides tem o mesmo peso. Então, uma grande faixa de trabalho acompanhada por músicas irrelevantes pode aparecer atrás de um single mediano, mas com lados B muitos bons. 3) Versões demo lançadas em edições especiais, principalmente a partir de 2002, não entram em contra. A versão White Label de Columbia...

Tentando entender

Talvez a esquerda tenha que entender que o mundo mudou. A lógica da luta coletiva por melhorias, na qual os partidos de esquerda brasileiros se fundaram na reabertura democrática, não existe mais. Não há mais sindicatos fortes lutando por melhorias coletivas nas condições de trabalho. Greves são vistas como transtornos. E a sociedade, enfim, é muito mais individual. É uma característica forte dos jovens. Jovens que não fazem sexo e preferem o prazer solitário, para não ter indisposição com a vontade dos outros. Porque seria diferente na política? O mundo pautado na comunicação virtual é um mundo de experiências individuais compartilhadas, de pessoas que querem resolver seus problemas. É a lógica por trás do empreendedorismo precário, desde quem tem um pequeno comércio em um bairro periférico, passando por quem vende comida na rua, ou por quem trabalha para um aplicativo. Não são pessoas que necessariamente querem tomar uma decisão coletiva, mas que precisam que seus problemas individua...