Pular para o conteúdo principal

O segundo adeus de Schumacher

O dia 10 de setembro de 2006 foi um dia diferente para a Fórmula 1, o dia em que Michael Schumacher conquistou sua 90ª vitória na categoria. Uma vitória que, somada ao abandono do líder do mundial, Fernando Alonso, colocou o alemão definitivamente de volta à briga pelo título mundial em um campeonato que parecia perdido após o começo arrasador de Alonso. Começo que parecia mostrar que Schumacher deveria se aposentar, pois não seria páreo para a nova geração.

Aposentadoria, aquele era o assunto daquele dia 10 de setembro. Ao longo dos últimos meses e daquela semana, esse era o assunto que dominava a categoria. Será que Michael Schumacher, recordista em vitórias, poles, melhores voltas, pontos, pódiuns e tudo o que se possa pensar, iria se aposentar? Sua reação no campeonato de 2006 mostrava que ele ainda era competitivo.

O clima era diferente. A vitória, na casa dos torcedores da Ferrari parecia ser a deixa final. Naquele dia, a Rede Globo quebrou seu esquema de transmissão para mostrar a entrevista coletiva dos vencedores. Schumacher fez um discurso emocionado sobre a vitória e então veio o momento esperado. O mundo sentiu que seria ali, Galvão Bueno falou para os telespectadores se prepararem, mas não precisaria. Schumacher anunciou sua aposentadoria.

Sua aposentadoria criou um sentimento de divisão entre os torcedores. Se por um lado, seria fácil amá-lo por todos os recordes, seria igualmente fácil odiá-lo por seus recordes e por seu domínio absoluto na categoria durante quase uma década. Adversários frágeis? Jogo sujo do alemão? Boas perguntas. O fato é que Schumacher foi tão melhor que seus adversários, que praticamente correu em uma categoria separada. Em seus melhores anos e com a ajuda de um carro espetacular (1995, 2001, 2002, 2004) a briga ficava restrita para o segundo lugar.

O anúncio de que as próximas três corridas seriam as últimas de sua carreira criaram o sentimento ambíguo. Por um lado, era ótimo torcer contra ele, dava um certo remorso de torcer por um triste fim de um gênio. O preço de se aposentar no auge. Se estivesse em baixa, Schumacher causaria apenas compaixão. Mas ele ainda estava competindo, ninguém poderia ter piedade dele. E não houve.

Na corrida seguinte, na China, Schumacher venceria e assumiria a ponta do campeonato. Caminhava para outra vitória no Japão, quando poderia até ser campeão, mas o seu motor não teve piedade dele e estourou a 17 voltas do fim. Talvez tenha sido o momento mais ambíguo da história da competição. Era ótimo ver que Schumacher não seria campeão de novo e que outros adversários poderiam lhe derrotar. Mas era péssimo ver isso com um motor estourado. Era péssimo ver seu esforço em busca do título, seu primeiro título partindo de uma situação adversa no campeonato. Na última corrida do campeonato, Schumacher sofreu com problemas no carro, fez incontáveis ultrapassagens, mas chegou em quarto. Precisaria vencer e torcer para Alonso não pontuar. O título não veio, mas foi uma aposentadoria absolutamente digna.

Três anos depois veio a notícia da volta de Schumacher, com um contrato de três anos assinados com a Mercedes. Schumacher voltou e foi um piloto comum. Não passou vergonha, mas raramente brilhou, foi um como tantos outros.

E hoje, no dia 4 de outubro, Schumacher anuncia sua segunda aposentadoria. Ou não. Porque ninguém se aposenta duas vezes. A volta do alemão anulou sua primeira despedida (um até breve? Como gostam os clichês). Em 2006, a aposentadoria de Schumacher era a notícia do ano no esporte mundial e sua saída deixava uma lacuna no esporte, ele se aposentava no auge. Em 2012, sua aposentadoria é um rodapé de página e sua pausa não faz diferença para ninguém. Porque é impossível se emocionar duas vezes com a mesma notícia.

Minha relação com Schumacher foi de amor e ódio. No começo, ele me parecia absolutamente genial e torci por ele em seus primeiros títulos, contra a Williams. Torci para ele no mundial de 1997, mas sua tentativa de jogar Villeneuve para fora da pista fez com que ele caísse no meu conceito. Torci contra ele em todos os campeonatos seguintes. Em vão, é claro. No seu retorno, cheguei a torcer por um bom desempenho seu, talvez comovido em ver um multi campeão brigando no meio de um monte de pilotos comuns. Não deixou de ser interessante.

Comentários

Postagens mais visitadas

Desgosto gratuito

É provável que se demore um tempo para começar a gostar de alguém. Você pode até simpatizar pela pessoa, ter uma boa impressão de uma primeira conversa, admirar alguns aspectos de sua personalidade, mas gostar, gostar mesmo é outra história. Vão se alguns meses, talvez anos, uma vida inteira para se estabelecer uma relação que permita dizer que você gosta de uma pessoa. (E aqui não falo de gostar no sentido de querer se casar ou ter relações sexuais com outro indivíduo). O ódio, por outro lado, é gratuito e instantâneo. Você pode simplesmente bater o olho em uma pessoa e não ir com a cara dela, ser místico e dizer que a energia não bateu, ou que o anjo não bateu, ou que alguma coisa abstrata não bateu. Geralmente o desgosto é recíproco e, se parar para pensar, poucas coisas podem ser mais bonitas do que isso: duas pessoas que se odeiam sem nenhum motivo claro e aparente, sem levar nenhum dinheiro por isso, sem nenhuma razão e tampouco alguma consequência. Ninguém vai se matar, brigar n...

Os 27 singles do Oasis: do pior até o melhor

Oasis é uma banda que sempre foi conhecida por lançar grandes b-sides, escondendo músicas que muitas vezes eram melhores do que outras que entraram nos discos. Tanto que uma coletânea deles, The Masterplan, é quase unanimemente considerada o 3º melhor disco deles. Faço aqui então um ranking dos 27 singles lançados pelo Oasis, desde o pior até o melhor. Uma avaliação estritamente pessoal, mas com alguns pequenos critérios: 1) São contados apenas o lançamentos britânicos, então Don't Go Away - lançado apenas no Japão, e os singles australianos não estão na lista. As músicas levadas em consideração são justamente as que estão nos lançamentos do Reino Unido. 2) Tanto a A-Side, quanto as b-sides tem o mesmo peso. Então, uma grande faixa de trabalho acompanhada por músicas irrelevantes pode aparecer atrás de um single mediano, mas com lados B muitos bons. 3) Versões demo lançadas em edições especiais, principalmente a partir de 2002, não entram em contra. A versão White Label de Columbia...

Tentando entender

Talvez a esquerda tenha que entender que o mundo mudou. A lógica da luta coletiva por melhorias, na qual os partidos de esquerda brasileiros se fundaram na reabertura democrática, não existe mais. Não há mais sindicatos fortes lutando por melhorias coletivas nas condições de trabalho. Greves são vistas como transtornos. E a sociedade, enfim, é muito mais individual. É uma característica forte dos jovens. Jovens que não fazem sexo e preferem o prazer solitário, para não ter indisposição com a vontade dos outros. Porque seria diferente na política? O mundo pautado na comunicação virtual é um mundo de experiências individuais compartilhadas, de pessoas que querem resolver seus problemas. É a lógica por trás do empreendedorismo precário, desde quem tem um pequeno comércio em um bairro periférico, passando por quem vende comida na rua, ou por quem trabalha para um aplicativo. Não são pessoas que necessariamente querem tomar uma decisão coletiva, mas que precisam que seus problemas individua...