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A Cuiabá dos Outros

Diriam os psicólogos que existem quatro eus. Com uma cidade não é diferente. Existe a cidade que nós conhecemos e vivemos e existe a cidade que os outros enxergam. A partir do momento em que a Mangueira desfilou na Sapucaí, Cuiabá passou a ser a Cuiabá deles, a Cuiabá que a Mangueira enxerga. Uma Cuiabá de jacarés, florestas, eldorados e cajus.

Uma Cuiabá que há 150 anos espera a chegada de um trem. Que trem é esse? Seria o VLT? Não sei. Para quem mora aqui não faz sentido, mas para os outros não há problema. Eles podem imaginar Cuiabá como uma cidade em que o povo olhar perdidamente para o horizonte esperando um trem que jamais irá chegar. Não há problema em mostrar alas com vitórias régias ou noivas cadáveres. Pouco importa se quem mora em Cuiabá não entendeu nada daquilo. Os outros provavelmente não se importam.

Pouco importa o que é verdade, o que é exagero, o que é parece invenção. Importante é a imagem. E a imagem de Cuiabá é de um destino insólito, excêntrico apenas isso. As pessoas não conhecem a cidade como ela é, apenas imaginam o que ela possa ser. A cidade dos jacarés, florestas, eldorados e cajus.

Me lembro de um desfile, alguns anos atrás, em que uma escola falou sobre o Pantanal, patrocinado pelo governo do Mato Grosso do Sul. O carnavalesco da Escola, Salgueiro se não me engano, disse em tom impressionado que ele constatou que o Pantanal era formado 80% de água e por isso resolveu colocar muita água em seu desfile.

Penso nos tantas carnavais já feitos sobre o Pará, homenageado ano sim, ano não pelas mais diversas escolas. O Pará do Sírio de Nazaré, da Fafá de Belém, do Boi Caprichoso, do Boi Garantido, Calypso e seres exóticos amazônicos. Penso se o povo do Pará se sente feliz com essa imagem, se eles também não questionam a imagem que é vendida.

(Prova disso é que a Mangueira ganhou o Estandarte de Ouro, como Melhor Escola. Prova de que os outros pouco se importam se os cuiabanos estranham o fato de serem informados que esperam por um trem há 150 anos).

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