Todos os especialistas são unânimes em afirmar que é preciso criar uma rotina de sono para a criança. Rotinas em geral. Dormir é, especialmente, uma coisa que a criança não consegue fazer sozinha, ela precisa ser ensinada a dormir. Desta forma, estabelecer uma rotina é a melhor maneira de acostumar os pequenos seres ao novo mundo.
Esta é mais uma, entre tantas coisas ditas sobre crianças, que parecem obviedades simples de serem colocadas em prática. No mundo teórico parece ser extremamente fácil conversar e acordar isso com a criança, mas no mundo real não é simples convencer que uma eufórica brincadeira tem hora para terminar.
De fato, dormir parece uma enorme perda de tempo aos olhos de uma criança. O mundo é tão novo e tão cheio de coisas prontas para serem exploradas que, deitar em uma cama e fechar os olhos por dez horas seguidas só pode ser uma pegadinha que os adultos estabelecem para podar a diversão.
Em suma, o ritual de sono é algo que acaba sendo muito poderoso para os próprios adultos que acabam desmaiados ainda na metade da rotina estabelecida, nunca conseguindo chegar nem na parte da casa de madeira dos três porquinhos.
Determinada época chegamos a uma conclusão em nossa casa. A criança iria jantar, depois tomar banho, brincar um pouco, parar para uma atividade mais reflexiva (ou simplesmente sem pular), daríamos boa noite para a mãe, apagaríamos as luzes da casa iríamos para a calçada, onde poderíamos observar por um minuto ou dois que já era de noite, que todos estavam dormindo e que agora era a nossa hora. Ele precisava entender que o mundo inteiro dormia.
(Depois iríamos ao quarto dele, onde o sono nos abraçaria facilmente. Já antecipo que isso nunca aconteceu).
Pois bem, neste minuto da calçada, enquanto ele durou, percebemos que o mundo inteiro dormia, exceção feita aos gatos. Enquanto dormimos, gatos passeiam por aí formando gangues para pular em telhados alheios, bater em outros gatos e eventualmente praticar pequenos atos de extorsão.
Um gato em especial era a encarnação do mal. Seu estilo lembrava um siamês selecionado pelas ruas. Tinha o rosto bem escuro e nunca fugia de seres humanos, nem sequer desviava do caminho. Tinha testículos enormes, realmente avantajados para um gato. Andava lentamente e atacava qualquer gato que passasse pelo seu caminho. Um macho-alfa, provavelmente.
Pois bem, em uma dessas noites na calçada, talvez a última, este gato passou. Começou a miar para outro felino na casa em frente a nossa. Eles trocaram miados e eu disse para meu filho "olha os gatinhos". Ele riu com a inocência das crianças de dois anos. Dois segundos depois o já citado gato alfa partiu para cima do outro gato e eles começaram uma briga feroz, barulhenta e rápida que terminou com gatos pulando de todos os cantos possíveis e fazendo barulho e correndo.
Meu filho chorou inconsolável, diante de seu primeiro contato com um documentário do Animal Planet. Voltamos para o seu quarto e esperamos um bom tempo até o sono chegar.
E foi assim que abandonamos qualquer tentativa de rotina e adotamos a estratégia do salve-se quem puder, muito popular no mundo inteiro.
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