Ou, quando a Fórmula 1 chegou a sua última corrida com pelo menos três pilotos disputando o título.
Alguém fez o levantamento esses dias: em 75 temporadas de Fórmula 1, apenas 30 vezes o título foi decidido na última corrida, ou em 40% da vezes. O que mostra que títulos decididos no fim não são assim tão comuns. Mas, em algumas dessas 30 vezes fomos premiados com uma disputa aberta entre três pilotos. Vamos lembrar essas ocasiões.
EUA 1959 Brabham x Moss x Brooks
Após a vitória de Stirling Moss na penúltima corrida do ano, em Monza, o campeonato chegava para sua decisão com o seguinte cenário:
1) Jack Brabham (Cooper-Climax) 31 pontos
2) Stirling Moss (Cooper-Climax) 25,5 pontos
3) Tony Brooks (Ferrari) 23 pontos.
Naquele campeonato de 9 corridas, apenas os 5 melhores resultados contavam, ou seja, havia 4 descartes. Brabham e Moss já tinham cinco pontuações, o que significa que o australiano precisava marcar pelo menos 6 pontos para melhorar sua situação, enquanto que Moss iria descartar 1 ponto, caso chegasse entre os cinco primeiros.
Para Moss ser campão ele precisava vencer e torcer para que Brabham não fosse o segundo com a melhor volta. Já Brooks precisava vencer e marcar a melhor volta e torcer para Brabham não ser segundo colocado.
Os treinos classificatórios viram Stirling Moss marcar a pole position em Sebring, com três segundos (!) de vantagem para Brabham, enquanto Tony Brooks partia da quarta colocação. Na largada Brooks caiu para 15º, o que restringia a disputa entre o australiano e o britânico quatro vezes vice-campeão. Porém, a caixa de câmbio de Moss quebrou logo na quinta volta, abrindo caminho para o primeiro título do Black Jack.
Brabham liderou quase todas as voltas, mas na última delas, se viu sem gasolina a menos de 500 metros da linha de chegada. Ele então desceu do carro e começou a empurrar o veículo chegando em quarto, atrás de Bruce McLaren, Maurice Trintignant e Tony Brooks. O ato heroico marcou seu primeiro título, mas a verdade é que os três pontos conquistados por ele foram descartados e não fizeram a diferença. No fim, Brooks acabou como vice-campeão.
México 1964 Hill x Surtees x Clark
1) Graham Hill (BRM) 39 pontos
2) John Surtees (Ferrari) 34 pontos
3) Jim Clark (Lotus-Climax) 30 pontos
Para aquele campeonato, os seis melhores resultados eram contados e os quatro piores descartados. Clark e Surtees não teriam que descartar nada, enquanto Graham Hill já havia descartado dois pontos e, caso pontuasse na última corrida, descartaria mais três.
Para ser campeão, Graham Hill precisava que Surtees não vencesse - ou de um terceiro lugar, caso Surtees fosse segundo.
Surtees precisava vencer, ou ser segundo com Hill chegando abaixo de terceiro.
Clark, que dominou o início do campeonato mas vinha de quatro abandonos consecutivos, precisava vencer, torcer para Hill ser no máximo quarto e que Surtees fosse no máximo terceiro.
O escocês fez a pole, enquanto Surtees largou na quarta colocação e Graham Hill foi o sexto. Clark se manteve na liderança, enquanto Graham Hill caiu para 10º e Surtees para 13º. A sorte parecia sorrir para o piloto da Lotus, mas Hill foi se recuperando e chegou no terceiro lugar - suficiente para ele - na 12º volta.
Hill, no entanto, foi atingido por Lorenzo Bandini na metade da corrida e se viu fora da disputa. Com Clark em primeiro e Surtees em quarto, parecia que o escocês conquistaria o bicampeonato. Mas, na penúltima das 63 voltas, o seu motor Climax teve um vazamento de óleo, que o fez abandonar (e chegar em quinto, por já ter completado a volta). Desta forma, o título voltava a ser de Graham Hill, o novo bicampeão.
Porém, na última curva Lorenzo Bandini abriu para seu companheiro Surtees, garantindo que ele conquistasse seu único título na Fórmula 1. Bandini, o bom companheiro. (Ah, e Dan Gurney venceu a corrida)
México 1968 Hill x Stewart x Hulme
Sem chances de descartes serem aplicados, o campeonato chegava no autódromo da Cidade do México com o seguinte cenário:
1) Graham Hill (Lotus) 39 pontos
1) Graham Hill (Lotus) 39 pontos
2) Jackie Stewart (Matra) 36 pontos
3) Denny Hulme (McLaren) 33 pontos
Os cálculos podem parecer mais simples, mas eram muitos cenários.
Hulme precisava, basicamente, vencer e torcer para Stewart ser terceiro e Hill quinto.
Stewart poderia ser campeão vencendo, chegando em segundo com Hill em quinto, ou até mesmo em terceiro, com Hill sem pontuar e Hulme não vencendo.
Para Graham Hill, valia qualquer outro cenário.
Jo Siffert fez a pole, enquanto Graham Hill largava em terceiro, Hulme em quarto e Stewart em sétimo. Cenário bom para o pai do Damon. Hulme abandonou logo no começo com problemas na suspensão, deixando a disputa entre os dois britânicos.
Graham Hill assumiu a ponta na largada e Stewart já era o segundo na segunda volta. O escocês chegou a assumir a liderança por três voltas - o que lhe dava o título, mas Hill voltou a liderar na volta 9. A disputa seguiu até a volta 50 (de 65) quando o motor da Matra falhou, garantindo o bicampeonato para Sr. Hill.
EUA 1974 Fittipaldi x Regazzoni x Scheckter
Após um campeonato muito disputado, Clay Regazzoni e Emerson Fittipaldi chegaram empatados a última corrida. Um pouco atrás, Jody Scheckter ainda tinha chances.
1) Emerson Fittipaldi (McLaren) 52 pontos
2) Clay Regazzoni (Ferrari) 52 pontos
3) Jody Scheckter (Tyrrell) 45 pontos
Clay Regazzoni precisava chegar na frente de Emerson (de preferência com um quarto lugar para livrar qualquer ameaça de Scheckter) - e vice-versa.. Scheckter precisava vencer e que Emerson e Clay ficassem no máximo em quinto. Fittipaldi tinha vantagem em caso de empate com Regazzoni.
Nos treinos, Carlos Reutemann fez a pole. Sheckter alinhou na sexta posição, Emerson em oitavo e Regazzoni em nono. O suíço teve problemas logo no começo, se afastando da briga. Com Scheckter sem evoluir além do quarto lugar, Emerson permaneceu boa parte da corrida logo atrás dele, jogando com o regulamento. O sul-africano abandonou a 15 voltas do fim, com vazamento de óleo e Emerson seguiu firme para conquistar o bicampeonato, cruzando em quarto lugar.
Vitória de Reutemann, com José Carlos Pace em segundo. Festa sul-americana.
Las Vegas 1981 Reutemann x Piquet x Laffite
Os pilotos chegaram ao estacionamento do Caesars Palace na seguinte situação:
1) Carlos Reutemann (Williams) 49 pontos
1) Carlos Reutemann (Williams) 49 pontos
2) Nelson Piquet (Brabham) 48 pontos
3) Jacques Laffite (Ligier) 43 pontos
Bem, Piquet precisava marcar um ponto a mais do que Reutemann, enquanto o surpreendente Laffite precisava vencer, ver Reutemann no máximo em quarto e Piquet no máximo em terceiro.
Nos treinos a pole foi de Reutemann, com Piquet em quarto e Laffite apenas em 12º. Mas, o argentino - que vinha derretendo no campeonato, mesmo tendo o melhor carro, caiu para quinto na segunda volta. Na quinta volta, por incrível que pareça, Laffite era o único na zona de pontos.
Na volta 22, Piquet entrou na zona de pontos e passou a ser o virtual campeão - ficou assim até o fim da corrida. Laffite chegou a andar em segundo antes de trocar os pneus, mas a reta final mostrava Piquet em quinto, Reutemann em sétimo e Laffite em oitavo. O francês ainda chegou em sexto e Reutemann terminou uma volta atrás do líder. Piquet conquistou o título por um ponto de vantagem e Alan Jones foi o grande vencedor.
Adendo: Las Vegas 1982
Matematicamente haveria três pilotos podendo ser campeões naquela corrida: Keke Rosberg, Didier Pironi e John Watson. Mas, Pironi estava fora do campeonato, com as pernas quebradas. O que restringiu a disputa final entre Watson e Rosberg, com o norte-irlandês precisando vencer e ver Rosberg fora dos pontos. O que não aconteceu.
África do Sul 1983 Prost x Piquet x Arnoux
A última corrida do ano via o seguinte cenário:
1) Alain Prost (Renault) 57 pontos
2) Nelson Piquet (Brabham) 55 pontos
3) René Arnoux (Ferrari) 49 pontos
Piquet precisava vencer, ou chegar em segundo com Prost em quarto, ser o quarto com Prost em sexto, ou terceiro com Prost fora. Para Arnoux era bem difícil: vencer com Prost no máximo em sexto e Piquet em quarto.
A pole foi de Patrick Tambay, com Piquet em segundo, Arnoux em quarto e Prost em quinto. O cenário se mostrou favorável ao brasileiro quando ele assumiu a liderança na primeira volta, com seu companheiro Patrese em segundo. Prost vinha em quarto e Arnoux em sétimo. O motor Ferrari do francês foi embora na nona volta, deixando a disputa entre Piquet e Prost no mano a mano. O brasileiro estava com um carro mais leve, para abrir vantagem e fazer Prost forçar o equipamento.
A situação se decidiu de vez na volta 56, quando o turbo Renault quebrou. Piquet tirou o pé no fim para não correr riscos e cruzou a linha em terceiro lugar, garantindo o bicampeonato.
Austrália 1986 Mansell x Prost x Piquet
Uma das decisões mais marcantes da história. Os pilotos chegavam em Adelaide na seguinte forma:
1) Nigel Mansell (Williams) 70 pontos
2) Alain Prost (McLaren) 64 pontos
3) Nelson Piquet (Williams) 63 pontos
A Williams tinha o melhor carro do ano, mas as brigas internas abriram espaço para a constância de Prost. Prost precisava vencer e que Mansell não subisse no pódio. Piquet também precisava vencer, mas pelos critérios de desempate, isso significava que Mansell precisaria ser terceiro.
O inglês fez a pole, com Piquet em segundo e Prost em quarto. Sinal de briga entre os pilotos da Williams? Bem, o fato é que Senna largou bem e se intrometeu na disputa. Melhor ainda veio Keke Rosberg - do sétimo lugar para a liderança em sete voltas. O finlandês foi mantendo a liderança, que garantia o título de Mansell até a volta 63, quando abandonou com um pneu furado. Isso momentaneamente daria o título para o novo líder, Piquet - mas, na volta seguinte foi a vez do pneu de Mansell estourar.
A Williams se viu obrigada a chamar o brasileiro para trocar seus pneus e quem se deu bem? Prost, que havia parado mais cedo e assumiu a liderança. Piquet começou a dar voltas voadoras no fim da corrida, mas não chegou no francês, que cruzou a linha para conquistar o bicampeonato.
Brasil 2007 Hamilton x Alonso x Raikkonen
Hamilton quase foi campeão em seu ano de estreia, ainda no GP da China. Mas após atolar na entrada dos boxes o campeonato chegou da seguinte forma em Interlagos:
1) Lewis Hamilton (McLaren) 107 pontos
1) Lewis Hamilton (McLaren) 107 pontos
2) Fernando Alonso (McLaren) 103 pontos
3) Kimi Raikkonen (Ferrari) 100 pontos
Tendo a vantagem nos critérios de desempate, Raikkonen precisava vencer e torcer para Alonso chegar no máximo em terceiro e Hamilton no máximo em sexto. Ainda poderia conseguir com um segundo lugar, caso Hamilton chegasse em oitavo e Alonso em quarto.
Já o espanhol precisava vencer e torcer para Hamilton ficar fora do pódio. Ou então ser segundo com Hamilton em sexto. (Ainda haveria vários resultados possíveis a partir de uma terceira colocação, mas ficaríamos o resto do dia listando). Ou seja, Hamilton precisava de um terceiro lugar para garantir o título sem nenhum cálculo matemático complexo.
Felipe Massa fez a pole no sábado, com Hamilton largando de segundo, Raikkonen em terceiro e Alonso em quarto. Mark Webber, em 5º, vinha quase um segundo atrás. Ou seja, só um tragédia tiraria o título de Hamilton.
E ela veio. Largou mal, esparramou e caiu para oitavo. Rapidamente chegou em sexto (a Ferrari disparava na frente, o que lhe garantiria o título com um quinto lugar), quando esbarrou em um botão, colocou o carro em ponto morto e desabou para o fim do grid. Depois disso o britânico entrou no modo desespero, tentou uma remontada mas terminou em sétimo lugar.
Felipe Massa dominou a corrida, mas na segunda parada fez o jogo de equipe para Raikkonen vencer e conquistar o mais improvável dos títulos.
Abu Dhabi 2010 Alonso x Webber x Vettel x Hamilton
Pela primeira vez na história, quatro pilotos chegavam na última corrida com chance de títulos. Segue a tabela:
1) Fernando Alonso (Ferrari) 246 pontos
2) Mark Webber (Red Bull) 238 pontos
1) Fernando Alonso (Ferrari) 246 pontos
2) Mark Webber (Red Bull) 238 pontos
3) Sebastian Vettel (Red Bull) 231 pontos
4) Lewis Hamilton (McLaren) 222 pontos
As chances de Hamilton eram meramente matemáticas. Ele precisava vencer, ver Alonso chegar no máximo em 10º, Webber em sexto e Vettel em terceiro.
Já Vettel vinha em situação ainda difícil, precisando vencer e ver Alonso chegar no máximo em quinto.
Para Webber a conta era vitória e Alonso sem ir além do terceiro lugar.
Seria mais fácil para a Red Bull tentar o título com Webber, buscando uma dobradinha com o australiano em primeiro. Mas os treinos viram Vettel fazer a pole, com Hamilton em segundo e Alonso em terceiro. Webber largava apenas em quinto, atrás de Button.
Uma assustadora batida entre Michael Schumacher e Vitantonio Liuzzi acionou o Safety Car logo na primeira volta. Alguns carros aproveitaram para fazer a troca obrigatória de pneus, na expectativa de ir até o fim da corrida.
Na volta 11, a Red Bull chamou Webber para os boxes, na tentativa de buscar algo diferente para o australiano empacado na 5ª posição. Quatro voltas depois foi a vez da Ferrari parar Alonso, para garantir que ele voltasse a frente do australiano - sua maior ameaça no título.
O problema é que eles voltaram atrás do Petrov. E também do Nico Rosberg, que tinham bons carros e já haviam parado no safety car. O que se viu então, em uma era pré-DRS, foi Alonso empacado atrás de Petrov por inacreditáveis 39 voltas, sem conseguir superar a velocidade de reta da Renault. Webber veio logo atrás.
Enquanto isso, Vettel, Hamilton e Button seguiam na pista, abrindo vantagem suficiente para voltar na frente. A pá de cal veio quando Kubica conseguiu fazer o mesmo, ou seja, Alonso teria que passar, além do Petrov, o Rosberg e o Kubica com pneus novos para ser campeão.
Não deu e o alemão se tornou o mais jovem campeão da história de forma impensável.
(Hoje em dia eu penso que, diante da situação do início de corrida, a Red Bull resolveu usar Webber como isca para levar Alonso para trás do grid e garantir o título de Vettel).
Abu Dhabi 2025 Norris x Verstappen x Piastri
Norris chega com vantagem considerável, precisando de um terceiro lugar para ser campeão sem calculadora.
Mas, a história mostra. Em nove vez em que o título chegou a última corrida com mais de um piloto na briga pelo título em seis delas (66%) o campeão não foi quem chegou lá liderando.
O número é muito superior a quantidade de vezes em que um piloto virou uma disputa de título na última corrida com apenas dois pilotos na disputa. Foram apenas quatro (Farina em 50, Hunt em 76, Villeneuve em 97, Hakkinen em 99) em 20 ocasiões.
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