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Federer

Uma das primeiras impressões que eu tive de Roger Federer é que ele era um babaca. Cabelinho comprido, uma cara que nunca era de felicidade, nem de tristeza. Ele enfrentava Flávio Saretta pela primeira rodada do Australian Open em 2003 e em determinado momento mandou a bola no peito do brasileiro. Aquilo era muito babaca.

Àquela altura, Roger Federer era um desses jogadores que estava para acontecer. Talentoso, jovem, já era Top 10, mas não tinha feito nada de especial no tênis. Duas quartas de final em um Slam em 2001 em 2002 nem isso. Nesse mesmo Australian Open, após superar Saretta, ele passaria por dois tenistas desconhecidos antes de ser eliminado por David Nalbandian na quarta rodada.

Àquela altura, Roger Federer parecia léguas atrás de seus contemporâneos, Hewitt, Safin e Ferrero (sim, ele é contemporâneo desses três). Talvez pudesse ganhar alguns torneios, talvez ficasse nesse eterno meio de tabela de ranking. Poderia ser um Fernando González, um Xavier Malisse, um MIkhail Youzhny. Havia talento, mas nem sempre isso basta.

Alguns meses depois ele conquistaria seu primeiro Grand Slam em Wimbledon, de maneira dominante. E o que se viu a partir do ano seguinte foi uma das maiores eras de excelências no esporte.

Talvez, jamais tenha nascido um esportista tão talentoso quanto Roger Federer. Falo de talento puro. Nadal e Djokovic, igualmente talentosos, podiam superá-lo no aspecto mental, ou físico, ou tático. Pelé, Michael Jordan ou quem quer que seja também poderiam superá-lo nesses aspectos. Mas talento, puro e simples, é difícil. A bola e a raquete eram uma extensão de seu corpo, que ele dominava pateticamente. Chegava a irritar. Torcia contra ele, porque torcer contra ele era como torcer contra a morte, contra o inevitável. Os 11 jogos que ele perdeu entre 2004 e 2006 são 11 milagres.

Federer era irritantemente perfeito e fazia tudo com facilidade. Golpes aparentemente impossíveis se tornavam banais. Federer nunca pareceu estar se esforçando, essa é a impressão. Não havia explosão física, emocional. Era o simples caminho da vida que fazia com que os jogos se desenhassem ao seu modo. Era curioso ver que Nadal estava sempre se matando do outro lado da quadra, enquanto Federer permanecia impassível. Não se trata de falar que tem mais mérito, é apenas uma constatação.

Sua temporada 2004 foi sublime. Venceu na Austrália, em Wimbledon e nos Estados Unidos. Neste, após uma partida épica contra Andre Agassi, teve uma atuação extraterrestre contra Hewitt na final: 6x0, 7x6, 6x0. Durante dois terços do jogo, o ex-número 1 se viu perdido sem pai e sem mãe. Sua única derrota naquele ano foi para Gustavo Kuerten, na terceira rodada de Roland Garros. O último canto de Guga, que impediu que o suíço fechasse o Grand Slam naquele ano.

A partir de 2005 ele se viu perseguido pela sombra de Nadal, mas fora do saibro, todos os outros pisos continuavam sendo seus. Ganhou um Australian Open sem perder um set. E em Wimbledon, 2009, se tornou o maior ganhador de Grand Slams de todos os tempos.

Depois disso, seu corpo começou a pesar um pouco e ele não foi páreo para a era de dominação de Nadal e Djokovic. Teve um péssimo 2013, mas voltou melhor em 2014. Talvez, o tenista que existiu entre 2014 e 2016 tenha sido sua melhor versão, uma pena que o nível de Djokovic era incomparável. 

As lesões começaram a se tornar um problema sério em 2016 e, desde então, a aposentadoria se mostrou cada vez mais próximo. Houve tempo ainda para mais três títulos de Slams, um deles finalmente superado Nadal. Uma volta ao número 1, um vice em Wimbledon em uma partida na qual ele fez quase tudo certo, uma nova tentativa na grama chegando às quartas de final na marra. 

Mas o corpo dá seus recados, ele próprio diz. E o recado agora é final. O tênis está eternamente órfão de um dos seus maiores mestres.

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