Comédias para se Ler na Escola foi o primeiro livro adulto que eu li completamente na minha vida. Fazia parte de uma série da editora objetiva, reeditando a carreira de Luis Fernando Veríssimo. Ganhei ele do meu padrinho e o li em mais ou menos duas tardes, deitado de uma rede em um hotel do pantanal. Desisti de acompanhar outras pessoas em um passeio de cavalo, porque pretendia terminar a leitura.
Era, com certeza, a coisa mais engraçada que eu já havia lido na minha impressionante vida de 14 anos. Uma vida que foi em boa parte dedicada à leitura de gibis e revistas, mas que não havia prosperado naqueles livros infanto-juvenis da escola, tampouco no outro presente do meu padrinho, o primeiro da série Harry Potter - nunca gostei de fantasia e bruxinhos voando em vassouras era o cúmulo do ridículo para mim.
A escrita do Veríssimo, por outro lado, era extremamente realista. Precisa, concisa, descrevia fatos com objetividade aguda, resumia grandes pensamentos em poucos palavras. Observava o absurdo da vida com naturalidade, desenvolvia explicações simples para problemas complexos e dava complexidade para fatos simples. O humor não deveria ser nada além disso.
O livrinho de capa laranja foi a minha porta de entrada para a literatura. Pouco depois li o, sim, infanto-juvenil Diário de um Adolescente Hipocondríaco e tempo depois descobri nas estantes da casa da minha tia um edição antiga de O Analista de Bagé. Ao contrário de outras coletâneas, essa não se centrava no fantástico personagem gaúcho, mas trazia sua produção por aqueles anos.
Tive algumas crises de riso durante a leitura. Havia um texto que falava sobre como máquinas param de funcionar com o tempo que era genial. Outro, o Manual Sexual falava do sexo de uma maneira tão distante e complexa, que acabou se transformando o meu favorito. Era tão bom que eu tinha certeza que o mundo inteiro precisava conhecê-lo. Procurei na internet e não encontrei. O que me levou a tomar a única atitude sensata diante do fato: digitar o texto no Word e disponibilizá-lo em fóruns, listas e outras maneiras de comunicação da era pré-redes sociais. Me tornei uma espécie de Testemunha de Veríssimo, agindo com proselitismo para espalhar sua palavra. Sim, é desse texto que vem a brilhante passagem:
"Você é o seu sexo. Todo o seu corpo é um órgão sexual, com exceção talvez da clavículas".
Outras obras estavam disponíveis nas estantes da família e li todas. Quase todas mais de uma vês. Algumas três. A Mãe do Freud foi outros dos meus favoritos. Diante da ausência de mais opções, peguei logo O Incidente em Antares, do pai dele, o Érico, que estava há alguns anos empoeirado na minha casa, herança da minha avó. Passei o mês de junho de 2002, entre um e outro jogo da Copa do Mundo, lendo sobre os mortos não enterrados do interior gaúcho.
A opção pelo livro do pai foi também uma constatação de que não havia nada como as crônicas do Veríssimo. Tentei Fernando Sabino e Millor Fernandes, mas não ligava para os jogos de palavras desse último e o primeiro, apesar de ser muito bom, era mais verborrágico e tratava de temas mais profundos.
Ícone das provas de interpretação de texto, Veríssimo foi o escritor mais importante da minha vida. Aquele que eu, que escrevo uma bobagem aqui ou ali desde quando o conheci, sempre tentei me inspirar. E não há nenhuma conclusão mirabolante para esse texto, apenas essa homenagem.
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