Em janeiro de 1995 pela primeira vez eu saí de férias em família. Já havia viajado outras vezes, mas acho que nunca com esse conceito de férias, de viajar de férias. Há uma diferença entre entrar em um avião para ir passar uns dias na casa dos seus tios e pegar o carro e ir para uma praia. Dormir em um hotel. Foi a primeira vez que eu, conscientemente, dormi em um hotel.
Contribui para isso o fato de que, com sete anos, eu havia acabado de terminar a primeira série, o ano em que de fato eu virei um estudante. Então, é provável que pela primeira vez eu entendesse o conceito de férias.
Entramos em uma Parati cinza e saímos de Cuiabá eu, meus pais, minha prima e minha avó. Ao mesmo tempo em que essas eram as minhas primeiras férias, elas eram também a última viagem da minha avó. A essa altura ela já estava com um câncer no pâncreas e sem muitas perspectivas de longo prazo. Disso eu não sabia na época. Mas ela morreu cerca de um ano depois, no começo de 1996, após muitas passagens pelo hospital.
Essa viagem então foi de certa forma uma road trip sentimental para minha avó também. Dormimos uma noite em Ituiutaba (hotel bom, jantar maravilhoso), outra noite em Taubaté (hotel horrível) e chegamos em Penedo, distrito de Itatiaia, com o objetivo de visitar o Parque Nacional.
A passagem por Penedo foi marcante, com seu maravilhoso sorvete finlandês, o sanduíche Don Rodrigo, a Pousada Penedo e seu simpático casal de idosos proprietários. Nos próximos anos Penedo se tornou uma visita obrigatória em todas as viagens da família e certamente é um dos lugares mais nostálgicos da minha infância.
Chegamos em Petrópolis, que além de ser a cidade onde eu nasci, é também o lugar onde minha avó nasceu. Então ela se despediu da sua cidade e da sua irmã que lá vivia. Mas, foi a primeira vez em que eu conscientemente estive na minha cidade natal e com minha família, outra avó, que lá morava.
Fomos então para Ilha Grande. Uma descida de serra que parecia um pouco interminável para uma criança de sete anos. O rádio, sem a modernidade do CD Player ou mesmo do toca-fitas, sintonizava rádios locais e o grande hit daquele verão me parecia ser "Como uma Onda" de Lulu Santos, que na época estrelava um comercial da Rider.
Como uma Onda é um hit sentimental para mim. Toda vez que eu a escuto, volto a ter sete anos e a estar sentado no meio do banco de trás de uma Parati cinza descendo a Serra do Mar.
Os dias em Ilha Grande foram fantásticos, andando para lá e para cá sem ver carros, contando siris andando de lado, vivendo pela primeira vez na minha vida a experiência da praia - eu havia conhecido o mar no ano anterior com meus tios, na praia do Gonzaga, mas não havia sido uma experiência litorânea em seus completo, com o sol, os petiscos de praias, o hotel de praia e enfim.
No meio disso tudo entra o Ziraldo. Não sei se eu conhecia a imagem do Ziraldo ou se eu fui apresentado a ela naqueles tempos. Fato é que Ziraldo estava por lá naquele janeiro de 1995. Acho que não apenas naquele janeiro de 1995, mas em muitos anos porque parece que ele tinha uma casa por lá e inclusive chegou a conduzir a tocha olímpica na Ilha antes dos Jogos de 2016.
O Menino Maluquinho faz parte da infância de qualquer brasileiro nascido nos anos 80, como eu. Não que eu idolatrasse como idolatrava a Turma da Mônica, mas tinha alguns gibis, um livro, as histórias do Bichinho da Maçã. Ziraldo era figura famosa do país, um dos nossos grandes artistas, mas enfim. O Ziraldo estava por lá e todo dia, ou quase todo o dia nós o víamos andando por ali. Não sei se era alto, mas estava extremamente bronzeado com seus fartos cabelos brancos.
Meus pais faziam questão de me apontar toda vez que ele passava aos nossos olhos - olha ali o Ziraldo, o criador do Menino Maluquinho, e eu olhava aquele ser quase preto de sol com cabelos brancos, camisa aberta, por vezes sem camisa e sunga. O Ziraldo.
Foi a primeira vez na vida em que eu encontrei uma pessoa famosa, uma pessoa da qual todas deveriam saber da sua existência. Era um pouco surreal para os meus sete anos. Internamente, a cada vez eu pensava: meu deus, o Ziraldo.
Voltamos para casa depois de Ilha Grande. Dormimos uma noite no Rio de Janeiro onde eu tive uma intoxicação alimentar depois de comer um salgado na beira da estrada. Dormimos acho que em São José dos Campos e depois em Jataí. Em uma das paradas na estrada ganhei um burrinho de madeira, desses articulados que se movem à medida que você aperta o botão embaixo dele. O batizei de Gumercindo. Em Goiás minha mãe comprou um pedaço de tora enorme, que diziam ser palmito. Encarou um dia de viagem com ele espremendo suas pernas e depois em casa ele se transformou em uma quantidade ridícula de palmito, que mal dava para decorar uma salada.
O filme do Menino Maluquinho foi lançado em 1995 e se transformou em um clássico - o menino que cresceu e virou um cara legal. As pessoas entenderam que ele não era maluquinho. Era apenas um menino feliz. E o Ziraldo, enquanto grande figura pública, seguia fazendo suas aparições em jornais, programas de entrevista, ou qualquer tipo de conteúdo de entretenimento da TV.
E toda vez que o Ziraldo aparecia, eu lembrava que o havia visto em Ilha Grande naquele verão de 1995. Era uma intimidade minha com ele, que ele, é claro, jamais saberia. Mas dentro de mim, éramos íntimos.
Contei para colegas de turma que havia visto o Ziraldo na praia. Claro que contei. Se até hoje seria capaz de contar da vez que eu vi o Mano Menezes, então técnico da seleção no aeroporto de Congonhas, porque não contaria que vi o autor do Menino Maluquinho na praia. Meus colegas duvidavam e diziam que eu estava mentindo, porque obviamente seria impossível ver o Ziraldo.
Tudo muda o tempo todo no mundo.
Comentários