Pular para o conteúdo principal

Os discos que The Doors lançou sem Jim Morrison

Imagine, um disco do The Doors sem o Jim Morrison. Que sacrilégio, que blasfêmia. Eis algo difícil de raciocinar, afinal, o Jim Morrison era o Doors. Tudo bem que boa parte da graça das músicas estava no teclado hipnótico do Manzarek, mas a banda era o Morrison.

Um cara bonito, com presença de palco, carismático, chamativo, que cantava bem, era polêmico, autodestrutivo e tinha uma veia poética. Sem ele The Doors não seria nada. É como um museu sem sua obra principal, ou uma dessas comparações feitas pela Adriana Calcanhoto.

Mas essa blasfêmia é real, como não. Três meses após a morte de Jim Morrison, os três membros restantes colocaram na praça Other Voices, disco que é bem verdade, começou a ser gravado ainda antes de um Morrison bêbado, gordo, barbudo e deprimido ter uma overdose de heroína na banheira do apartamento onde vivia no Marais, em Paris.


Other Voices parece um disco de demos, com algumas bases boas mas que parecem não ter sido desenvolvidas o suficiente. A própria banda diria que não sabia direito o que fazer depois da morte de Jim, o que é plenamente compreensível. Ray Manzarek e Robby Krieger assumiram os vocais, por mais que ninguém saiba direito quem canta o quê. Eles tentam emular os tons graves de Morrison e não se saem tão mal, até o momento em que precisam subir de tom, mostrando uma falta de potência desconcertante.

Variety is the Spice of Life e I'm Horny, I'm Stoned não fazem feio, mas o cenário é apático. O principal déficit é poético. Saem de cena as viagens existenciais de Morrison, por mais que claramente os letristas tentem imitar seu estilo. Só que, como já era possível perceber em The Soft Parade, Manzarek e Krieger não tinha muito o que dizer.

Dez meses depois o trio lança Full Circle, derradeiro álbum de estúdio do grupo, o fechamento do ciclo? Bem, fato é que este oitavo registro lançado com o nome dos Doors é pior que o anterior. As músicas parecem mais bem trabalhadas. The Peking Bee The New York Queen e The Mosquito tem instrumentais agradáveis, embora soem intermináveis. Good Rockin' e 4 Billions Souls se destacam, lembrando bem o som que o grupo fez no final dos anos 60. Uma boa banda cover talvez.

Mas as letras só pioram. Jim Morrison certamente ficaria constrangido ao saber que sua banda abre o disco cantando "Vamos lá pessoal, levantem e dancem". A já citada Peking Bee é um fábula bem chata, que cita metade do mundo e Manzarek tende a fazer letras teatrais.

No fim das contas, não são discos ruins. Poderiam ser agradáveis se lançadas por qualquer outra banda que surgisse na Costa Oeste naqueles tempos, por mais que dificilmente fariam sucesso por falta de brilho. Só, que o mundo não sentiria saudade das 17 músicas lançadas, caso elas não existissem. 

Porque afinal, era o The Doors sem Jim Morrison. Que sacrilégio, imaginem.

Comentários

Postagens mais visitadas

Desgosto gratuito

É provável que se demore um tempo para começar a gostar de alguém. Você pode até simpatizar pela pessoa, ter uma boa impressão de uma primeira conversa, admirar alguns aspectos de sua personalidade, mas gostar, gostar mesmo é outra história. Vão se alguns meses, talvez anos, uma vida inteira para se estabelecer uma relação que permita dizer que você gosta de uma pessoa. (E aqui não falo de gostar no sentido de querer se casar ou ter relações sexuais com outro indivíduo). O ódio, por outro lado, é gratuito e instantâneo. Você pode simplesmente bater o olho em uma pessoa e não ir com a cara dela, ser místico e dizer que a energia não bateu, ou que o anjo não bateu, ou que alguma coisa abstrata não bateu. Geralmente o desgosto é recíproco e, se parar para pensar, poucas coisas podem ser mais bonitas do que isso: duas pessoas que se odeiam sem nenhum motivo claro e aparente, sem levar nenhum dinheiro por isso, sem nenhuma razão e tampouco alguma consequência. Ninguém vai se matar, brigar n...

Os 27 singles do Oasis: do pior até o melhor

Oasis é uma banda que sempre foi conhecida por lançar grandes b-sides, escondendo músicas que muitas vezes eram melhores do que outras que entraram nos discos. Tanto que uma coletânea deles, The Masterplan, é quase unanimemente considerada o 3º melhor disco deles. Faço aqui então um ranking dos 27 singles lançados pelo Oasis, desde o pior até o melhor. Uma avaliação estritamente pessoal, mas com alguns pequenos critérios: 1) São contados apenas o lançamentos britânicos, então Don't Go Away - lançado apenas no Japão, e os singles australianos não estão na lista. As músicas levadas em consideração são justamente as que estão nos lançamentos do Reino Unido. 2) Tanto a A-Side, quanto as b-sides tem o mesmo peso. Então, uma grande faixa de trabalho acompanhada por músicas irrelevantes pode aparecer atrás de um single mediano, mas com lados B muitos bons. 3) Versões demo lançadas em edições especiais, principalmente a partir de 2002, não entram em contra. A versão White Label de Columbia...

Tentando entender

Talvez a esquerda tenha que entender que o mundo mudou. A lógica da luta coletiva por melhorias, na qual os partidos de esquerda brasileiros se fundaram na reabertura democrática, não existe mais. Não há mais sindicatos fortes lutando por melhorias coletivas nas condições de trabalho. Greves são vistas como transtornos. E a sociedade, enfim, é muito mais individual. É uma característica forte dos jovens. Jovens que não fazem sexo e preferem o prazer solitário, para não ter indisposição com a vontade dos outros. Porque seria diferente na política? O mundo pautado na comunicação virtual é um mundo de experiências individuais compartilhadas, de pessoas que querem resolver seus problemas. É a lógica por trás do empreendedorismo precário, desde quem tem um pequeno comércio em um bairro periférico, passando por quem vende comida na rua, ou por quem trabalha para um aplicativo. Não são pessoas que necessariamente querem tomar uma decisão coletiva, mas que precisam que seus problemas individua...