O síndico do meu condomínio - nem sempre ele foi síndico - mas ele sempre despertou uma sensação estranha em mim, um desconforto com alguma coisa que eu não sabia explicar direito. O jeito como ele falava nas reuniões - mesmo quando ele não era síndico - me passava uma sensação de que ele se considerava um cidadão exemplar. Sabe aquele cara que adora contar para os outros como ele é totalmente correto e justo em suas ações.
Um dia, encontrei ele no restaurante do bairro e percebi que ele tinha uma tatuagem em cada um de seus antebraços. Percebi que eram nomes de um homem e de uma mulher. Do seu casal de filhos, de sua esposa e do seu filho, dos seus pais, não sei, não perguntei. Isso só me reforçou que ele além de um cidadão exemplar ainda é um cara que faz tudo para defender sua família.
Posso imaginá-lo irritantemente em uma reunião com amigos usando seu senso de justiça e correção para justificar todo e qualquer ato. "Você sabe que eu faço o que é certo", diz. Acusou a doméstica de roubar um ovo e fez ela chorar até descobrir que o filho mais velho deixou um ovo cair no chão? "Eu sou muito justo com as pessoas". "Eu fui atrás do contrato para fazer esse muro no condomínio, eu podia ter fechado com uma empresa que me ofereceu dinheiro, mas eu sou muito correto". Sua vida é uma eterna provação de sua correção.
Sua lealdade, hombridade, honestidade. O cidadão exemplar certamente concorreria ao prêmio de cidadão mais correto do mundo. Porque todas suas ações foram embasadas em sua fé cristã e também na defesa da sua família.
Sua família, o cidadão exemplar certamente será ainda mais justo quando a questão envolver a sua família, pela qual ele é capaz de fazer o que for preciso para garantir sua segurança. São atos banais, mas que na vida do cidadão exemplar parecem verdadeiras provações. Pela segurança da sua família ele é capaz de instalar uma câmera de segurança na porta da sua casa, instalar um alarme no seu carro, colocar uma grade na janela da frente, lutar pela implantação de um sistema de cadastro biométrico na portaria. "Pela minha família eu faço o que for preciso", como se a instalação de uma câmera se comparasse a ir no Vietnã resgatar um bebê resgatado por terrorista do Sendero Luminoso com pouco senso de navegação.
Essa, aliás, é uma característica do cidadão exemplar: superestima suas atitudes. Pagou o dinheiro combinado com uma pessoa pela prestação de um serviço, porque afinal, ele é muito justo e correto, jamais daria um calote. Pagou o amassado que seu filho provocou na porta do carro do vizinho, porque ele faz o que é certo, não importa quem seja o envolvido.
Descubro o nome completo do meu síndico e entro no seu Facebook e descubro que ele fez uma campanha extremamente forte pelo fim do Ministério da Cultura, foi um árduo defensor do impeachment, o que realmente só confirma todo o senso de Justiça que ele tem. Ele quer o que é certo, ele quer acabar com a bandidagem, ele vai protestar pelo o que é bom para a família dele. Procuro algum compartilhamento de vídeo do Bolsonaro, mas logo percebo que ele não atualiza seu Facebook a mais de um ano, ou que ele bloqueou o conteúdo para quem não é amigo dele.
Um exemplo.
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