Saio para correr de manhã e na primeira subida, vejo que ocorreu um acidente no primeiro cruzamento. Há um Honda Civic parado bem no meio do cruzamento, a ponta do carro invadindo a pista, um senhor mexe no carro, uma mulher de calça de ginástica e tênis está em pé na calçada utilizando chapéu, uma criança de sete anos sentada na posição de buda no chão da calçada, um homem sentado no asfalto, encostado em sua moto.
No chão há uma peça que parece um vidro lateral estourado e duas peças que não consigo identificar, mas que se parecem com apêndices da motocicleta que se perderam durante o impacto.
Faço o contorno lá em cima, começo a descer e vejo novamente a cena, que permanece aparentemente imóvel, exceção feita a criança, que parece sentada virada para outro lado e a ao homem que já não está no carro, mas parado na calçada olhando tudo aquilo.
Enquanto desço, faço uma espécie de reconstituição mental do lance e penso que o carro avançou o cruzamento sem perceber a aproximação da moto, que acabou se chocando de alguma maneira pouco provável com o vidro da porta do motorista que se espatifou, tal qual o motoqueiro, que agora permanece sobre o asfalto, a camisa levantada, deixando as costas livres. Observo e não consigo perceber nenhum machucado grave.
Observo que há um carro, um Vectra, parado um pouco a frente, provavelmente dirigido pela mulher de calça legging que veio prestar socorro ao homem que se envolveu no acidente, ou talvez ao próprio homem que veio prestar socorro a mulher que não viu o motociclista. A criança parece extremamente tranquila.
Faço a curva a direita e entro em outra rua e enquanto vou me distanciando do local do crime, começo a pensar que o acidente não foi nada de grave, que o motociclista está aparentemente bem e que deveriam retirá-lo dali e levá-lo para um hospital, já que não me parece que ele tem uma fratura ou qualquer lesão que precise ser estabilizada antes do transporte, que não há razão para sobrecarregar o Samu nessa manhã de quarta-feira, que ainda bem que não há muito trânsito no local, caso o contrário o congestionamento estaria infernal.
Faço o contorno no fim da rua e começo a retornar em direção ao acidente. Quando chego perto, percebo que há um triângulo sinalizando o acidente, ainda antes do cruzamento. O triângulo me parece tão minúsculo e insignificante, incapaz de sinalizar qualquer coisa. Todos permanecem no local e eu só consigo pensar que a situação está se prolongando muito ali, já se passaram quase 20 minutos desde que eu sai de casa.
Faço a curva para retornar ao meu local de partida e percebo que há um novo carro estacionado, logo atrás do Vectra e que esse é um enorme furgão da Funerária Santa Rita e então eu tento ver se meus olhos não estão vendo menos do que deveriam ver, que será que é possível que há um morto no local e eu não fui capaz de ver? Estou de costas para o acidente agora e só me lembro do homem resignado, da mulher de chapéu tentando demonstrar tranquilidade, da criança impávida sentada no chão e do motociclista sentado no asfalto, sem nenhuma expressão de dor ou de desespero. Não há gente amontoada em volta do cadáver ou qualquer sinal da comoção que aparece em um acidente de trânsito. Todos estão tão tranquilos que chego a cogitar a hipótese de que marcaram apenas um piquenique no cruzamento.
Faço novo contorno e início mais uma volta, olhando para o carro funerário e as pessoas que permanecem no cenário do acidente esperando o inesperado. Observo que há um novo homem no local, segurando um capacete, que não sei se é o do motociclista, ou se é dele próprio, ou se é da vítima oculta deste pequeno incidente de trágicas proporções. Observo o carro funerário e vejo que ele é o do cerimonial da funerária, penso se haverá alguma cerimônia fúnebre nesse local ou se esse é procedimento padrão para casos assim.
Começo a subir novamente com esse mistério preso na minha cabeça e depois do retorno, volto a descer buscando alguma relação, trabalhando como perito involuntário do transtorno. Carros e principalmente motos passam devagar ao lado do acidentado. A mulher está de pé e conversa com o homem que segura o capacete, enquanto o outro homem segue parado na calçado, ao lado da criança que agora também está em pé observando tudo. Só o motociclista segue sentado no chão. Não há sangue espalhado, confirmo.
Volto para casa e uma hora depois saio para o trabalho. O carro não está lá, nem o outro carro, muito menos o funerário. A moto foi retirada, a criança voltou para casa, não há ninguém sentado no chão, onde restam apenas alguns estilhaços de vidro. O corpo já foi retirado.
No chão há uma peça que parece um vidro lateral estourado e duas peças que não consigo identificar, mas que se parecem com apêndices da motocicleta que se perderam durante o impacto.
Faço o contorno lá em cima, começo a descer e vejo novamente a cena, que permanece aparentemente imóvel, exceção feita a criança, que parece sentada virada para outro lado e a ao homem que já não está no carro, mas parado na calçada olhando tudo aquilo.
Enquanto desço, faço uma espécie de reconstituição mental do lance e penso que o carro avançou o cruzamento sem perceber a aproximação da moto, que acabou se chocando de alguma maneira pouco provável com o vidro da porta do motorista que se espatifou, tal qual o motoqueiro, que agora permanece sobre o asfalto, a camisa levantada, deixando as costas livres. Observo e não consigo perceber nenhum machucado grave.
Observo que há um carro, um Vectra, parado um pouco a frente, provavelmente dirigido pela mulher de calça legging que veio prestar socorro ao homem que se envolveu no acidente, ou talvez ao próprio homem que veio prestar socorro a mulher que não viu o motociclista. A criança parece extremamente tranquila.
Faço a curva a direita e entro em outra rua e enquanto vou me distanciando do local do crime, começo a pensar que o acidente não foi nada de grave, que o motociclista está aparentemente bem e que deveriam retirá-lo dali e levá-lo para um hospital, já que não me parece que ele tem uma fratura ou qualquer lesão que precise ser estabilizada antes do transporte, que não há razão para sobrecarregar o Samu nessa manhã de quarta-feira, que ainda bem que não há muito trânsito no local, caso o contrário o congestionamento estaria infernal.
Faço o contorno no fim da rua e começo a retornar em direção ao acidente. Quando chego perto, percebo que há um triângulo sinalizando o acidente, ainda antes do cruzamento. O triângulo me parece tão minúsculo e insignificante, incapaz de sinalizar qualquer coisa. Todos permanecem no local e eu só consigo pensar que a situação está se prolongando muito ali, já se passaram quase 20 minutos desde que eu sai de casa.
Faço a curva para retornar ao meu local de partida e percebo que há um novo carro estacionado, logo atrás do Vectra e que esse é um enorme furgão da Funerária Santa Rita e então eu tento ver se meus olhos não estão vendo menos do que deveriam ver, que será que é possível que há um morto no local e eu não fui capaz de ver? Estou de costas para o acidente agora e só me lembro do homem resignado, da mulher de chapéu tentando demonstrar tranquilidade, da criança impávida sentada no chão e do motociclista sentado no asfalto, sem nenhuma expressão de dor ou de desespero. Não há gente amontoada em volta do cadáver ou qualquer sinal da comoção que aparece em um acidente de trânsito. Todos estão tão tranquilos que chego a cogitar a hipótese de que marcaram apenas um piquenique no cruzamento.
Faço novo contorno e início mais uma volta, olhando para o carro funerário e as pessoas que permanecem no cenário do acidente esperando o inesperado. Observo que há um novo homem no local, segurando um capacete, que não sei se é o do motociclista, ou se é dele próprio, ou se é da vítima oculta deste pequeno incidente de trágicas proporções. Observo o carro funerário e vejo que ele é o do cerimonial da funerária, penso se haverá alguma cerimônia fúnebre nesse local ou se esse é procedimento padrão para casos assim.
Começo a subir novamente com esse mistério preso na minha cabeça e depois do retorno, volto a descer buscando alguma relação, trabalhando como perito involuntário do transtorno. Carros e principalmente motos passam devagar ao lado do acidentado. A mulher está de pé e conversa com o homem que segura o capacete, enquanto o outro homem segue parado na calçado, ao lado da criança que agora também está em pé observando tudo. Só o motociclista segue sentado no chão. Não há sangue espalhado, confirmo.
Volto para casa e uma hora depois saio para o trabalho. O carro não está lá, nem o outro carro, muito menos o funerário. A moto foi retirada, a criança voltou para casa, não há ninguém sentado no chão, onde restam apenas alguns estilhaços de vidro. O corpo já foi retirado.
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