Pular para o conteúdo principal

Conversa com Darwin

Meus vizinhos tem um cachorro chamado Darwin, que ao que tudo indica, faz coisas que cachorros normalmente fazem: corre alucinadamente, pula incontrolavelmente, destrói alguns objetos e por vezes provoca intervenções paisagísticas dramáticas.

Por fazer coisas que cachorros geralmente fazem, no caso de Darwin, um labrador branco, essa coisa pode ser sua simples existência, meus vizinhos parecem gostar muito de seu animal.

No entanto, essas outras coisas de cachorro, essa parte que envolve destruição e roubo de objetos, não deixam meus vizinhos tão felizes assim. Nesses dias, eles brigam com o Darwin.

Não sei como é a casa do meu vizinho e por isso não posso dizer exatamente como a cena se desenvolve, mas sei que dia desses ele mexeu no lixo. Sim, o lixo, principalmente quando contém objetos orgânicos em estado de decomposição, pode ser um tanto quanto irresistível para um cão. Por outro lado, este objeto de fascínio canino é bastante repugnante para o ser humano. Essa é uma contradição nessa relação de espécies que deu tão certo nos últimos séculos.

Também não sei se há algum contato físico nas brigas do meu vizinho com o seu cachorro - que volto a repetir, parece ser bem amado pelos donos que o chamam de Darwilindo em momentos mais carinhosos - mas nunca escutei barulhos que indicassem tapas, ou choros caninos - ou mesmo choros humanos.

O método do meu vizinho consiste em questionar Darwin. Você mexeu no lixo, ele pergunta. Foi você que fez isso? Darwin, o que você fez? Quem é que fez isso? Muitas perguntas e Darwin jamais respondeu nenhuma delas.

Aí sim, chegamos a grande ironia da história que é um ser humano tentando conversar com um animal chamado Darwin e não obter nenhuma resposta. Da mesma que não sei o que Darwin, o cão, pensa disso, também não sei o que Darwin, o Charles, pensaria disso tudo.

Ok, este diálogo não correspondido, talvez um monólogo interpretado diante de um cão, não é exclusividade do meu vizinho. Donos de animais costumam a conversar com eles, perguntar como eles estão, o que eles querem. E nunca obtém respostas. São desconhecidas situações em que cães tenham respondido cordialmente aos seus donos sobre os seus sentimentos.

(Eu mesmo quando volto a casa dos meus pais pergunto aos cachorros de lá como é que eles estão e também nunca obtive uma resposta, mas encaro o silêncio deles como um sinal de que está tudo bem).

A evolução canina ao longo dos milênios ainda não possibilitou que eles conversem com seres humanos, eles ainda não foram capazes de aprender nenhum dos idiomas dominados pelos humanos. Eles no máximo latem, fazem suas necessidades em lugares inapropriados, constroem enormes buracos e alteram a decoração da casa para uma configuração heterodoxa. Bater um papo em língua portuguesa não está entre estas habilidades.

O que Darwin acha disso tudo?

Comentários

Postagens mais visitadas

Oasis e a Cápsula do Tempo

Não dá para entender o Oasis pensando apenas na relevância das suas músicas, nos discos vendidos, nos ingressos esgotados ou nas incontáveis exibições do videoclipe de Wonderwall na MTV. Além das influências musicais, das acusações de plágio e das brigas públicas, o Oasis faz parte de um fenômeno cultural (um pouco datado, claro), mas é uma banda que captou o espírito de uma época e transformou isso em arte, promovendo uma rara identificação com seus fãs. Os anos 1990 foram marcados por problemas econômicos no mundo inteiro. Uma juventude já desiludida não via muitas perspectivas de vida. A Guerra Fria havia acabado, uma nova revolução tecnológica começava, o Reino Unido vivia uma crise pós governo Thatcher e nesse cenário surge um grupo cantando letras incrivelmente ousadas para meros desconhecidos.  Definitely Maybe, primeiro disco do grupo, fala sobre curtir a vida de maneira meio sem propósito e sem juízo. A diversão que só vem com cigarros e álcool, o sentimento supersônico de...

Oasis de 1 a 7

Quando surgiu em 1994, o Oasis rapidamente se transformou em um fenômeno midiático. Tanto por suas canções radiofônicas, quanto pela personalidade dos irmãos Gallagher. Eles estiveram na linha frente do Britpop, movimento que redefiniu o orgulho britânico. As letras arrogantes, o espírito descolado, tudo contribuiu para o sucesso. A discografia da banda, no entanto, não chega a ser homogênea e passa a ser analisada logo abaixo, aproveitando o retorno do grupo aos palcos brasileiros após 16 anos.  Definitely Maybe (1994) O primeiro disco do Oasis foi durante muito tempo o álbum de estreia mais vendido da história do Reino Unido. Foi precedido por três singles, sendo que dois deles são clássicos absolutos - Supersonic e Live Forever . O vocalista Liam Gallagher cantava em algum lugar entre John Lennon e Ian Brown, enquanto o som da banda bebia de quase tudo o que o Reino Unido havia produzido nos 30 anos anteriores (Beatles, T. Rex, Sex Pistols, Smiths, Stone Roses). O disco começa c...

Somos todos Leicester

O que era inacreditável, o que parecia impossível agora é verdade. O Leicester é o campeão inglês da temporada 2015-16. Incrível que o título tenha vindo de maneira até confortável, com duas rodadas de antecedência. Incrível que mesmo com a folga na tabela e a liderança estável nas últimas rodadas, era impossível acreditar que o título realmente viria. Parecia que a qualquer momento os Foxes poderiam desabar. O que mais falar sobre esse time? Formado por uma série de refugos, jovens que jamais explodiram, uma ou outra promessa. Filho de goleiro, zagueiro jamaicano e zagueiro alemão grosso, atacante japonês, atacante que até outro dia jogava no futebol amador. Não há nada parecido com o que Leicester fez nesse ano na história do futebol. Talvez na história do esporte. O título do Leicester é uma das maiores façanhas da história da humanidade. Não há o que falar, o que teorizar. Só resta olhar esse momento histórico e aceitar que às vezes o impossível acontece. Que realmente nada é i...