Pular para o conteúdo principal

Dramatização do cotidiano

A espera pela mala na esteira do aeroporto é sempre tensa para os passageiros. Há uma expectativa terrível de que a sua bagagem não irá chegar ali, de que ela misteriosamente e malditamente foi extraviada e está agora em Bangkok.

Existem muitos momentos em que a bagagem pode se perder pelo caminho. Uma etiqueta errada no embarque, uma falha humana nas várias etapas do processo de transferência, do balcão para o depósito, do depósito para o avião, do avião para o carrinho, do carrinho para a esteira. Se a sua mala não chegar, ela pode estar perdida em qualquer aeroporto, ou dentro de um voo com direção a qualquer lugar do planeta. Uma única e mísera falha humana pode perder sua mala para todo o sempre.

Nos grandes aeroportos, o processo de entrega das malas para as esteiras é cada vez mais mecânico. A mala surge por trás de biombos, do subterrâneo, despenca na esteira e gira, gira a espera de seu dono.

Em Cuiabá não é assim. No nosso velho aeroporto Marechal Rondon podemos ver os homens responsáveis por transportar nossa bagagem até o seu destino final. Podemos conferir que, ao contrário do que parece, este não é um processo simples. Não se trata apenas de colocar malas de maneira aleatória na esteira. Há todo um método.

Observei quase hipnotizado o trabalho do homem das malas, enquanto a minha não chegava - fui o antepenúltimo a receber minha bagagem. As malas eram colocadas livremente até o momento em que ela ficava cheia. O funcionário poderia simplesmente continuar colocando as bagagens na esteira e esperar que elas se ajustassem naturalmente, por meio de alguma lei da física ou de alguma lei de Deus. Mas não era assim.

Observei pelas janelas que o funcionário mantinha o olho na esteira e esperava o momento correto de jogar ela na esteira menor que leva a mala até a esteira maior. Tudo para evitar uma terrível colisão entre as bagagens, que talvez pudesse trazer consequências drásticas para o material. Ele não errava nenhuma e fiquei impressionado com a capacidade que seu cérebro tinha para fazer cálculos tão complexos de velocidade e espaço.

Em determinado momento, alguma coisa deu errado. Uma mala grande se enganchou numa quina, o que poderia gerar uma pequena catástrofe malística. Eis que outro funcionário passou a ajudá-lo. Do lado de dentro da sala da esteira, ele passou a direcionar as malas. Segurava-as quando necessário e as soltava no momento exato. Com seus braços ele impedia os choque de bagagem e em vários momentos essa batida era impedida por um triz. Seu trabalho foi de certa forma impressionante e trouxe um drama enorme para um trabalho aparentemente banal. Respeitarei sempre os colocadores de malas em esteiras, seu trabalho envolve muito conhecimento de causa.

Comentários

Postagens mais visitadas

Desgosto gratuito

É provável que se demore um tempo para começar a gostar de alguém. Você pode até simpatizar pela pessoa, ter uma boa impressão de uma primeira conversa, admirar alguns aspectos de sua personalidade, mas gostar, gostar mesmo é outra história. Vão se alguns meses, talvez anos, uma vida inteira para se estabelecer uma relação que permita dizer que você gosta de uma pessoa. (E aqui não falo de gostar no sentido de querer se casar ou ter relações sexuais com outro indivíduo). O ódio, por outro lado, é gratuito e instantâneo. Você pode simplesmente bater o olho em uma pessoa e não ir com a cara dela, ser místico e dizer que a energia não bateu, ou que o anjo não bateu, ou que alguma coisa abstrata não bateu. Geralmente o desgosto é recíproco e, se parar para pensar, poucas coisas podem ser mais bonitas do que isso: duas pessoas que se odeiam sem nenhum motivo claro e aparente, sem levar nenhum dinheiro por isso, sem nenhuma razão e tampouco alguma consequência. Ninguém vai se matar, brigar n...

Os 27 singles do Oasis: do pior até o melhor

Oasis é uma banda que sempre foi conhecida por lançar grandes b-sides, escondendo músicas que muitas vezes eram melhores do que outras que entraram nos discos. Tanto que uma coletânea deles, The Masterplan, é quase unanimemente considerada o 3º melhor disco deles. Faço aqui então um ranking dos 27 singles lançados pelo Oasis, desde o pior até o melhor. Uma avaliação estritamente pessoal, mas com alguns pequenos critérios: 1) São contados apenas o lançamentos britânicos, então Don't Go Away - lançado apenas no Japão, e os singles australianos não estão na lista. As músicas levadas em consideração são justamente as que estão nos lançamentos do Reino Unido. 2) Tanto a A-Side, quanto as b-sides tem o mesmo peso. Então, uma grande faixa de trabalho acompanhada por músicas irrelevantes pode aparecer atrás de um single mediano, mas com lados B muitos bons. 3) Versões demo lançadas em edições especiais, principalmente a partir de 2002, não entram em contra. A versão White Label de Columbia...

Tentando entender

Talvez a esquerda tenha que entender que o mundo mudou. A lógica da luta coletiva por melhorias, na qual os partidos de esquerda brasileiros se fundaram na reabertura democrática, não existe mais. Não há mais sindicatos fortes lutando por melhorias coletivas nas condições de trabalho. Greves são vistas como transtornos. E a sociedade, enfim, é muito mais individual. É uma característica forte dos jovens. Jovens que não fazem sexo e preferem o prazer solitário, para não ter indisposição com a vontade dos outros. Porque seria diferente na política? O mundo pautado na comunicação virtual é um mundo de experiências individuais compartilhadas, de pessoas que querem resolver seus problemas. É a lógica por trás do empreendedorismo precário, desde quem tem um pequeno comércio em um bairro periférico, passando por quem vende comida na rua, ou por quem trabalha para um aplicativo. Não são pessoas que necessariamente querem tomar uma decisão coletiva, mas que precisam que seus problemas individua...