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Gerrard: a despedida de um de nós

Dizem que é apenas futebol, que futebol é apenas um jogo. Onze caras em campo correndo atrás de uma bola. Mas, futebol não é só isso, é muito mais do que isso. É algo que não dá para explicar. Não dá para explicar todas aquelas pessoas com seus cachecóis vermelhos cantando "You'll Neve Walk Alone" como se fosse a última vez. Porque era a última vez.

Steven Gerrard, quase 35 anos, entrava pela última vez em Anfield Road como jogador de futebol. Ele que chegou ao Liverpool aos 7 anos. Que estreou profissionalmente em 1998. Que é um dos maiores, se não o maior ídolo da história da equipe.

Volte dez anos no tempo, até 25 de Maio de 2005. Naquele dia, Milan e Liverpool se enfrentavam na final da Champions League em Istambul. O Milan era o claro favorito ao título. Era uma das maiores equipes do mundo, havia sido campeã do mesmo torneio dois anos antes. Tinha Kaká, tinha Seedorf, Tinha Shevchenko, Pirlo, Maldini. Era um timaço. O Liverpool era a zebra. Já estava há anos na seca do campeonato inglês, havia diminuído na Europa. Fez uma campanha aos trancos e barrancos, quase parou na primeira fase, superou a Juventus no sufoco, eliminou o grande favorito Chelsea, sabe-se lá como. Não parecia ser time para estar ali. Dudek; Finnan, Hyypia, Carragher e Traoré; Garcia, Alonso, Gerrard e Riise; Kewell e Baros. Não parecia mesmo ser time para estar ali.

Impressão reforçada quando Maldini abriu o placar com menos de um minuto de jogo. O Liverpool foi para o ataque e deixou o campo aberto para o contra-ataque excepcional do Milan. O primeiro tempo terminou 3x0 e a impressão é de que viria um massacre no segundo tempo. Mas havia Steven Gerrard.

O camisa oito diminuiu o placar aos 8 do segundo tempo. Dois minutos depois Smicer reduziu a diferença e Gerrard ainda sofreu o pênalti que igualou o placar com 15 minutos. Uma reação impressionante. O Milan voltou a crescer, Dudek fez um milagre no último minuto e vieram os pênaltis que consagraram o goleiro polonês e deram o milagroso título ao Liverpool. Aos 25 anos, Steven Gerrard levantou a taça depois de estar presente em todos os cantos daquele campo.

Gerrard era um de nós e esse jogo mostrava isso. Gerrard não era (ou ainda é) um jogador de habilidade impressionante, capaz de dribles desconcertantes. Não é um extraterrestre, como Messi, Ronaldo, Zidane. Gerrard é um cara normal. Finaliza muito bem, tem muita força, pode passar anos sem errar um passe, marca bem, dá carrinhos. Tudo fruto de sua dedicação. Gerrard deixava um pouco de sua vida toda vez que entrava em campo e fazia tudo isso pelo seu time de coração. Ainda ganhou uns títulos por lá, quem poderia querer mais?

Teve mais derrotas do que vitórias em competições. Ganhou duas Copas da Inglaterra (em uma delas marcando dois gols, sendo o último, o do empate, em um chute monstruoso aos 46 minutos do segundo tempo), três Copas da Liga Inglesa e uma Copa da Uefa. Todos títulos sofridos, todos com a cara do Liverpool nos últimos 25 anos.


Parecem poucos os títulos e são. Mas isso só o deixa mais parecido conosco. Todos nós também temos mais fracassos, ou momentos de ausência de glória do que com a presença dela. Mas Gerrard sempre se dedicou com a camisa do seu time. Sendo o segundo volante do começo de carreira, meia central de boa parte dela, meia mais ofensivo nos idos de 2006 e 2007, marcando lateral quando preciso, de primeiro volante no fim da carreira, de centroavante, no sufoco. Viveu por 707 vezes com a camisa vermelha. Nenhum torcedor poderia querer mais, todo torcedor queria, se possível, ser igual a ele em campo.

Deixou Anfield com uma derrota. Mas o que importa, na vida os verdadeiros fins são realmente tristes. Viveu em Anfield, como sempre quis.

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