Pular para o conteúdo principal

Resgatando Rascunhos: O Cerco da Violência

Alguns textos você não tem ideia do que é que se passou pela sua cabeça quando você escreveu. Em outros, você sabe exatamente. Esse aqui deveria ser uma coluna para o Centro Burnier de alguma coisa. Escrevi depois que, após algumas mudanças no bairro, a sensação de insegurança aumentou consideravelmente e um assalto passou a parecer uma questão de tempo. É até um bom texto, acho que não soube encerrá-lo. Mas, provavelmente, ele só ficou adormecido até hoje, desde o dia 16 de maio de 2013, porque eu me esqueci completamente de sua existência.

Foi em algum dia do ano de 2001 que a vida do meu bairro mudou. O vizinho da casa de trás foi assaltado, rendido enquanto entrava em casa, trancado no banheiro e os assaltantes fugiram levando tudo o que coube no carro. A partir daí, acelerou-se os processos de precaução que já estavam sendo tomados. Se antes o portão só era trancado na hora de dormir, passou-se a trancá-lo o tempo todo, o carro sempre dentro de casa.

Alguns meses depois, o vizinho da casa da frente foi assaltado. Invadiram sua casa durante a noite, trancaram-no no banheiro e levaram tudo o que cabia dentro do carro. Novos métodos, portão fechado, um guarda no bairro. A violência passava a fazer parte da rotina de todos, uma preocupação diária. Nos meses seguintes vieram mais alguns assaltos em outros pontos do bairro. Algo que antes parecia restrito aos bairros mais periféricos.

Ao mesmo tempo, as histórias de violência na cidade iam aumentando. Sua colega de sala que também foi rendida quando chegava em casa, ameaçada de morte, ameaçada de estupro e a família trancada no banheiro. Uma conhecida que teve sua casa assaltada no mesmo procedimento. O amigo da sua tia assaltado duas vezes em menos de seis meses. O amigo do seu pai que foi rendido dentro do carro, enquanto esperava sua mulher no cabeleireiro, amarrado no porta malas e abandonado descalço em um terreno baldio de um lugar distante.

O guarda agora era fixo na rua, todos ficavam trancados em casa, foi criado um esquema de segurança para o momento de chegar em casa. Enquanto isso, outro amigo foi surpreendido por assaltantes que pularam o muro da sua casa e levaram tudo o que era possível. O primo de uma amiga foi assaltado enquanto estava numa festa, passou horas  rendido enquanto os ladrões vasculhavam a casa.

De repente as cercas elétricas se incorporaram ao cenário urbano e todos nos sentimos obrigados a colocar uma em casa. Portão elétrico virou outra obrigação. Alguns pensam em sistemas de monitoramento por câmeras, outros em contratar seguranças particulares. Vamos todos nos armando dentro de fortes em nossas casas e ao mesmo tempo continuamos escutando relatos de colegas de profissão sequestrados na porta de casa, carros furtados.

Lembro de quando passei uma semana em Campinas, durante férias em 2000. Naquela época, chamava a atenção a neurosa em que todos viviam.

A violência urbana exerce uma pressão em todos, é sufocante. Acabamos tomados pela sensação de que a qualquer hora vai acontecer conosco. Mais cedo ou mais tarde. Vivemos apenas em uma fuga, criando alternativas, mas não há como escapar. Em breve será você que será rendido, ameaçado, trancado, roubado.

Enquanto isso essa falta de segurança vai alimentando toda uma indústria que te vende segurança como uma mercadoria. Vai alimentando toda uma cultura de vida em apartamentos fechados e condomínios reservados, de privação da liberdade em nome da sensação de estar seguro. Mas, da mesma forma, quanto mais segurança todos buscam, parece que a reação da insegurança se torna ainda mais violenta.

Comentários

Postagens mais visitadas

Oasis e a Cápsula do Tempo

Não dá para entender o Oasis pensando apenas na relevância das suas músicas, nos discos vendidos, nos ingressos esgotados ou nas incontáveis exibições do videoclipe de Wonderwall na MTV. Além das influências musicais, das acusações de plágio e das brigas públicas, o Oasis faz parte de um fenômeno cultural (um pouco datado, claro), mas é uma banda que captou o espírito de uma época e transformou isso em arte, promovendo uma rara identificação com seus fãs. Os anos 1990 foram marcados por problemas econômicos no mundo inteiro. Uma juventude já desiludida não via muitas perspectivas de vida. A Guerra Fria havia acabado, uma nova revolução tecnológica começava, o Reino Unido vivia uma crise pós governo Thatcher e nesse cenário surge um grupo cantando letras incrivelmente ousadas para meros desconhecidos.  Definitely Maybe, primeiro disco do grupo, fala sobre curtir a vida de maneira meio sem propósito e sem juízo. A diversão que só vem com cigarros e álcool, o sentimento supersônico de...

Oasis de 1 a 7

Quando surgiu em 1994, o Oasis rapidamente se transformou em um fenômeno midiático. Tanto por suas canções radiofônicas, quanto pela personalidade dos irmãos Gallagher. Eles estiveram na linha frente do Britpop, movimento que redefiniu o orgulho britânico. As letras arrogantes, o espírito descolado, tudo contribuiu para o sucesso. A discografia da banda, no entanto, não chega a ser homogênea e passa a ser analisada logo abaixo, aproveitando o retorno do grupo aos palcos brasileiros após 16 anos.  Definitely Maybe (1994) O primeiro disco do Oasis foi durante muito tempo o álbum de estreia mais vendido da história do Reino Unido. Foi precedido por três singles, sendo que dois deles são clássicos absolutos - Supersonic e Live Forever . O vocalista Liam Gallagher cantava em algum lugar entre John Lennon e Ian Brown, enquanto o som da banda bebia de quase tudo o que o Reino Unido havia produzido nos 30 anos anteriores (Beatles, T. Rex, Sex Pistols, Smiths, Stone Roses). O disco começa c...

Somos todos Leicester

O que era inacreditável, o que parecia impossível agora é verdade. O Leicester é o campeão inglês da temporada 2015-16. Incrível que o título tenha vindo de maneira até confortável, com duas rodadas de antecedência. Incrível que mesmo com a folga na tabela e a liderança estável nas últimas rodadas, era impossível acreditar que o título realmente viria. Parecia que a qualquer momento os Foxes poderiam desabar. O que mais falar sobre esse time? Formado por uma série de refugos, jovens que jamais explodiram, uma ou outra promessa. Filho de goleiro, zagueiro jamaicano e zagueiro alemão grosso, atacante japonês, atacante que até outro dia jogava no futebol amador. Não há nada parecido com o que Leicester fez nesse ano na história do futebol. Talvez na história do esporte. O título do Leicester é uma das maiores façanhas da história da humanidade. Não há o que falar, o que teorizar. Só resta olhar esse momento histórico e aceitar que às vezes o impossível acontece. Que realmente nada é i...