Pular para o conteúdo principal

Nelson Rodrigues nos tempos atuais

Jogos do Brasil raramente são bons. Um amistoso bom da seleção brasileira é um evento ainda mais raro. Portanto, causa surpresa ver que isso aconteceu. E que aconteceu por dois jogos seguidos. A seleção brasileira atuou bem, teve grandes momentos nos jogos contra a Dinamarca e contra os Estados Unidos. Serão jogos que ficarão para a história? Não. Mas foram bons jogos.

Penso se não foi sempre assim. Se os jogos de seleção sempre foram farsas mesmo, mas nós apenas não sabíamos. Porque os jogos eram acompanhados apenas pelas rádios, ou nos estádios. E os jogos, nessa situação, são sempre melhores. É como um filme no cinema. No caso do rádio, qualquer pelada de churrasco ganha ares épicos, de jogo que nunca para.

Lembro então de Nelson Rodrigues e suas crônicas futebolísticas sobre os amistosos da seleção brasileira no exterior. Cada jogo ganhava ares de batalha medieval e as vitórias brasileiras eram revertidas em afirmação do caráter de um povo. Tento imaginar se alguns desses jogos históricos não foram peladas homéricas, transformadas em épicos pelo rádio e pela imaginação dos cronistas da época. Se aquele 1x0 suado não foi um jogo parado, de times cansados.

Imagino nos tempos atuais, em que teríamos escutado apenas pelo rádio os confrontos contra os dinamarqueses e os norte-americanos. Penso em Nelson Rodrigues começando seu texto com "Amigos, foi uma lavada". Falaria dos seus pares que admiravam o futebol dinamarquês e bradavam bovinamente que o Brasil não teria chance. E ele então diria que acreditava muito mais em um craque nato da estirpe de Hulk, que vem conquistando a Europa, ao invés do ignóbil Bendtner - que nem sequer tocou na bola.

E que o jogo foi um massacre. Que o Brasil tratou de liquidar os dinamarqueses como se fossem um time juvenil. Que fez 3x0 apenas no primeiro tempo e que poderia ter feito mais. Que no segundo tempo, o Brasil tratou apenas de administrar a partida e colocar os dinamarqueses na roda. O estádio ria. A Dinamarca ainda empatou em um lance isolado, num claro impedimento, que o juiz fez questão de não ver. Mesmo garfado, o Brasil deu show e que mais do que uma vitória, foi o triunfo do povo brasileiro.

A mesma história se repetiria contra os Estados Unidos. Poderiam dizer que os americanos evoluíram, mas que isso era bobagem. O Brasil tratou de enfiar logo quatro gols para acabar com a conversa. Que lá atrás, Rafael se transformará em uma muralha intransponível.

E assim, teríamos um registro épico de dois bons jogos. E amaldiçoaríamos a próxima geração, que cresceria acreditando que jamais viu o futebol de verdade. Porque, realmente, o videotape é burro.

Comentários

Postagens mais visitadas

Aonde quer que eu vá

De vez em quando me pego pensando nisso. Como todos sabem, Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, sofreu um acidente de avião em 2001. Acabou ficando paraplégico e sua mulher morreu. Existe uma música dos Paralamas, chamada "Aonde quer que eu vá" que é bem significativa. Alguns trechos da letra: "Olhos fechados / para te encontrar / não estou ao seu lado / mas posso sonhar". "Longe daqui / Longe de tudo / meus sonhos vão te buscar / Volta pra mim / vem pro meu mundo / eu sempre vou te esperar". A segunda parte, principalmente na parte "vem pro meu mundo" parece ter um significado claro. E realmente teria significado óbvio, se ela fosse feita depois do acidente. A descrição do acidente e de estar perdido no mar "olhos fechados para te encontrar". E depois a saudade. O grande detalhe é que ela foi feita e lançada em 1999. Dois anos antes do acidente. Uma letra que tem grande semelhança com fatos que aconteceriam depois. Assombroso.

Ziraldo e viagem sentimental por Ilha Grande

Em janeiro de 1995 pela primeira vez eu saí de férias em família. Já havia viajado outras vezes, mas acho que nunca com esse conceito de férias, de viajar de férias. Há uma diferença entre entrar em um avião para ir passar uns dias na casa dos seus tios e pegar o carro e ir para uma praia. Dormir em um hotel. Foi a primeira vez que eu, conscientemente, dormi em um hotel. Contribui para isso o fato de que, com sete anos, eu havia acabado de terminar a primeira série, o ano em que de fato eu virei um estudante. Então, é provável que pela primeira vez eu entendesse o conceito de férias. Entramos em uma Parati cinza e saímos de Cuiabá eu, meus pais, minha prima e minha avó. Ao mesmo tempo em que essas eram as minhas primeiras férias, elas eram também a última viagem da minha avó. A essa altura ela já estava com um câncer no pâncreas e sem muitas perspectivas de longo prazo. Disso eu não sabia na época. Mas ela morreu cerca de um ano depois, no começo de 1996, após muitas passagens pelo hos

Pattie Boyd

Pattie Boyd O romance envolvendo George Harrison, Pattie Boyd e Eric Clapton é um dos mais conhecidos triângulos amorosos da história. Sempre achei o caso interessante. A princípio, a visão que nós temos é bem simplista. Pattie trocou o sensível George Harrison, aquele que lhe cantou a sentimental Something na cozinha, pelo intempestivo Eric, aquele que a mostrou a passional Layla na sala. E se há uma mulher irresistível neste mundo, esta mulher é Pattie Boyd. Só que o trio Boyd-Harrison-Clapton é apenas a parte mais famosa de uma série de relações amorosas e traições, que envolveram metade do rock britânico da época. E o que eu acho incrível, é que todos continuaram convivendo ao longo dos anos. George Harrison Pattie Boyd era uma modelo que fazia figuração em um vagão de trem durante a gravação de uma cena de A Hard Day’s Night, o primeiro filme dos Beatles. George era justamente um Beatle. Eric Clapton era o deus da guitarra e converteu vários fãs em suas inúmeras bandas