Pular para o conteúdo principal

O Jogo do Século

Já diria Mauro Cézar Pereira, que o futebol é a melhor invenção do homem. Argentina e França construíram ontem um épico humano, que nenhuma mente teria condições de imaginar ou pensar. Um drama baseado apenas na aleatoriedade que o futebol possibilita. Um jogo controlado pela Argentina até os 20 minutos do segundo tempo, que em pouco tempo se transformou em uma jornada extraordinária. O Jogo do Século.

O Jogo do Século, do Século 20, foi disputado entre Alemanha Ocidental e Itália em 1970 e está eternizado em uma placa no Estádio Azteca, na capital do México. Era uma semifinal de Copa do Mundo, vencida pela Itália por 4x3 na prorrogação. Um jogo para história, que qualquer comparação com ele parece um sacrilégio.

Quem já teve a oportunidade de assistir essa partida, poderá compreender várias semelhanças com o jogo de ontem. Sob o sol sempre forte do México e a altitude da Cidade do México, a Itália abriu o Placar logo no começo, com Boninsegna. A partida seguiu em um ritmo normal, por vezes arrastado e se encaminhava para ser uma vitória burocrática italiana. Beckenbauer deslocou a clavícula e jogava desde os 25 do segundo tempo com o braço imobilizado.

Pouco antes do cronometro atingir os 90 minutos, um bate e rebate na área resultou no gol de empate de Schnellinger;

As portas do céu se abriram junto com a prorrogação, dando início aos 20 minutos mais frenéticos da história do futebol. Com quatro minutos, uma falha da defesa permitiu que Gerd Müller virasse o jogo. Foram mais quatro minutos para o empate, com Burgnich e um golaço de Riva marcou o 3x2. O rápido intervalo manteve os times acessos e Muller empatou novamente, faltando 10 minutos para o fim da partida. Mas aquele pareceu o último gás alemão e no retorno da partida Rivera decretou o placar final. A Itália conseguiu controlar os 9 minutos finais e garantiu a vaga na decisão. 

No domingo, o domínio inicial foi argentino, que com um pênalti duvidoso abriu o placar. Di María marcou um golaço que confirmava a superioridade argentina e consagrava sua atuação desconcertante. O jogo seguiu com o 3x0 mais próximo do que uma reação da apática França, que não conseguia chutar no gol.

Mas em dois minutos tudo mudou. O ardiloso time da França, essa equipe que ganha jogos acelerando por apenas 10 minutos, encontrou um pênalti na primeira oportunidade em que os atacantes da França conseguiram superioridade sobre a linha defensiva argentina. Mal houve tempo para acomodações e uma bola roubada por Coman encontrou Mbappé livre para finalizar com estilo e empatar a partida. A virada parecia inevitável, mas a prorrogação foi garantida por grande defesa de Lloris em chute de Messi.

Bem, a impressão é de que a França passaria por cima na prorrogação, sobrando física e animicamente, sobre uma Argentina que parecia sem perna e sem cabeça. Mas a França retornou ao seu velho estilo e os argentinos voltaram a ter o comando da partida. Lautaro confirmava sua copa decepcionante, quando uma jogada rápida resultou no terceiro gol Argentino, o gol do título de Messi.

Bem, era o que parecia, porque nem Papa Francisco é capaz de interromper Mbappé. Novo pênalti, novo empate e pela terceira vez a copa seria decidida nos pênaltis. Mas dessa vez, ao contrário de 1994 e 2006 - dois jogos apáticos - depois de um épico. 

Ah, os melhors momentos sempre parecem se esquecer do que acontece em uma partida após o último gol. Os últimos minutos da partida foram de loucura total, com Kolo Muani não alcançando uma bola de cabeça por centímetros. Depois a defesa Argentina falhou e Kolo saiu na frente do gol, mas Dibu Martínez operou um milagre - um verdadeiro milagre? - e Lautaro ainda perdeu uma cabeçada. Foi um jogo para se morrer do coração.

Nos penais, Martínez confirmou sua vocação para o brilho, engolindo os adversários psicologicamente. Messi, Dybala e Paredes cobraram pênaltis reticentes, mas a bola entrou. Coube a Montiel, com uma tranquilidade psicopata decretar o fim da longa espera Argentina, a coroação definitiva de Lionel Messi em uma tarde inesquecível do futebol.

Sabe-se lá o que será do Estádio Lusail ao final da Copa. Mas ele poderia ganhar uma placa. Ou talvez um museu, acho que um museu daria conta de explicar esse jogo.

Comentários

Postagens mais visitadas

Assim que vamos

A maior parte de nós se vai dessa vida sem saber o quão importante foi para a vida de alguém. Uma reflexão dolorida que surge nesses momentos, em que pensamos que gestos simples de respeito tendem a se perder, enquanto o rancor - este sim é quase eterno.

Top 8 - Discos favoritos que ninguém liga

Uma lista de 8 discos que estão entre os meus favoritos de todos os tempos, mas que geralmente são completamente ignorados pela crítica especializada - e pelo público também, mas isso já seria esperado.  1) Snow Patrol - Final Straw (2003) Sendo justo, o terceiro disco do Snow Patrol recebeu críticas positivas quando foi lançado, ou, à medida em que foi sendo notado ao longo de 2003 e 2004. Mas, hoje ninguém se atreveria a citar esta pequena obra prima em uma lista de melhores discos dos anos 2000 e a culpa disso é mais do que o Snow Patrol se tornou depois, do que da qualidade do Final Straw . Antes deste lançamento o Snow Patrol era uma desconhecida banda escocesa de raízes norte-irlandesas, tentando domar suas influências de Dinosaur Jr. na tradicional capacidade melódica no norte da Grã Bretanha. Em Final Straw eles conseguiram juntar algum barulho suave do shoegaze com guitarras influenciadas pelo lo-fi e uma sonoridade épica, típica do pós-britpop radioheadiano. O resultado ...

Lembranças de shows

(Não que eu tenha ido em muitos shows na minha vida. Até por isso é mais fácil tentar lembrar de todos para este post/arquivo) Os Headliners (ou, aqueles que eu paguei para ver) Oasis em São Paulo, estacionamento do Credicard Hall (2006) O Oasis estava retornando ao Brasil após cinco anos, mas era como se fosse a primeira vez para muita gente. As apresentações de 1998 encerraram um ciclo produtivo ininterrupto de seis anos e a banda estava em frangalhos. Depois vieram dois discos ruins, que transformaram a banda em um dinossauro. No meio disso, uma apresentação no Rock in Rio no dia do Guns N Roses. Ou seja, a banda não apareceu por aqui nas desastrosas turnês de 2000 e 2002 (Na primeira, Noel chegou a abandonar a banda após Liam duvidar da paternidade de sua primeira filha. A turnê do Heathen Chemistry foi um desastre, com Liam cantando mal - vários shows tiveram longas sessões solo de Noel - os pulsos de Andy White não dando conta da bateria e diversas datas canceladas, seja por far...