Pular para o conteúdo principal

Cativando a base

Duas notícias envolvendo o presidente Jair Bolsonaro me chamaram a atenção nesta semana.

A primeira diz respeito à sua decisão de não renovar a concessão da Rede Globo. Decisão que do ponto de vista prático terá pouco efeito, porque a revogação teria que ser aprovada pelo Senado Federal, justo o Senado Federal que é mais resistente às ofensivas bolsonaristas, e por isso não deve prosperar.

Mas, pouco importa. O que o presidente precisa fazer, nesse momento em que terceirizou a administração pública ao Orçamento Secreto do Centrão, é tentar resgatar a sua imagem de candidato antissistema.

Certamente é incrível pensar que um homem que ocupa cargos políticos desde 1990 e que tem três filhos também ocupando cargos políticos consiga se passar como um perseguido pelo sistema, mas é isso que Bolsonaro fez. Contribui para essa ilusão coletiva o seu jeito completamente inadequado e as recriminações que sofre pelo simples fato de ele ser desagradável. "Ele está desafiando o sistema", dizem os seus seguidores para desviar do fato de que ele só está fazendo besteira mesmo.

Por isso ele é contra a vacina, é contra as urnas eletrônicas, é contra uma série de fatores que são a base da nossa convivência em sociedade. Tudo é o sistema, por isso ele é contra tudo, mesmo com o risco de ser perseguido e etc, etc, etc.

Falar que vai tirar a maior rede de televisão do Brasil do ar é mais uma ação com esse objetivo de enfrentar o tal sistema, porque afinal, se o sistema tiver uma cara, essa é a cara do William Bonner. E ele não tem o que perder. Se os senadores resolverem seguir o presidente, ele vai ser o homem que enfrentou e venceu a Globo. Se der a lógica, não importa. Ele vai ter enfrentado o sistema e pagou o preço com sua derrota nas eleições.

Não há de se duvidar que a não revogação da concessão da Globo seja mais um item para justificar o seu almejado golpe militar.

***

Outra notícia envolve a primeira-dama Michelle, que em entrevista ao primeiro-apresentador Sikera Junior, informou a todos que, em casa, Bolsonaro é imbroxável, além de incomível e imorrível - um dos bordões favoritos do ator principal dessa sitcom de péssima qualidade que estamos vivenciando.

A fala contrasta um pouco com outra entrevista da primeira-dama, na qual ela dizia já ter afirmado ao presidente que ele era um personagem e que gostaria que ele guardasse um pouco da sua energia combativa para dentro de casa.

Mas enfim, fato é que a virilidade do presidente é uma de suas principais bandeiras eleitorais. O público consumidor quer representatividade, quer imaginar que pode ser seu herói. Funciona para o homem-aranha e para os filmes pornográficos e não é diferente com o presidente. Bolsonaro é o grande super-herói dos homens de meia idade.

Dessa forma, eles gostam de imaginar que eles são como o presidente, que imbroxáveis, que dão conta de uma mulher muito mais nova. A ereção de Bolsonaro é uma parte consistente do mito em torno do seu nome para o seu público eleitor. Não tenho dúvida que os bolsonaristas ferrenhos ficariam mais decepcionados ao saber de uma disfunção erétil do presidente do que de, sei lá, ele ter matado uma criança.

Duas notícias de uma semana que estão aí para cativar sua base mais ferrenha, formada por lunáticos conspiracionistas e homens flácidos de meia-idade.

Comentários

Postagens mais visitadas

Aonde quer que eu vá

De vez em quando me pego pensando nisso. Como todos sabem, Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, sofreu um acidente de avião em 2001. Acabou ficando paraplégico e sua mulher morreu. Existe uma música dos Paralamas, chamada "Aonde quer que eu vá" que é bem significativa. Alguns trechos da letra: "Olhos fechados / para te encontrar / não estou ao seu lado / mas posso sonhar". "Longe daqui / Longe de tudo / meus sonhos vão te buscar / Volta pra mim / vem pro meu mundo / eu sempre vou te esperar". A segunda parte, principalmente na parte "vem pro meu mundo" parece ter um significado claro. E realmente teria significado óbvio, se ela fosse feita depois do acidente. A descrição do acidente e de estar perdido no mar "olhos fechados para te encontrar". E depois a saudade. O grande detalhe é que ela foi feita e lançada em 1999. Dois anos antes do acidente. Uma letra que tem grande semelhança com fatos que aconteceriam depois. Assombroso.

Imola 94

Ayrton Senna era meu herói de infância. Uma constatação um tanto banal para um brasileiro nascido no final dos anos 80, todo mundo adorava o Senna, mas eu sentia que era um pouco a mais no meu caso. Eu via todas as corridas, sabia os resultados, o nome dos pilotos e das equipes. No começo de ano comprava revistas com guias para a temporada que iria começar, tinha um macacão e um carrinho de pedal com o qual dava voltas ao redor da casa após cada corrida. Para comemorar as vitórias do Senna ou para fazer justiça com meus pedais as suas derrotas. Acidentes eram parte da diversão de qualquer corrida. No meu mundo de seis anos, eles corriam sem maiores riscos. Pilotos por vezes davam batidas espetaculares, saiam ricocheteando por aí e depois ficava tudo bem. Já fazia 12 anos que ninguém morria em uma corrida. Oito sem ninguém morrer em qualquer tipo de acidente. Os últimos com mais gravidade tinham sido o do Streiff e do Martin Donelly, mas eu nem sabia disso, para dizer a verdade. Não sab

Ziraldo e viagem sentimental por Ilha Grande

Em janeiro de 1995 pela primeira vez eu saí de férias em família. Já havia viajado outras vezes, mas acho que nunca com esse conceito de férias, de viajar de férias. Há uma diferença entre entrar em um avião para ir passar uns dias na casa dos seus tios e pegar o carro e ir para uma praia. Dormir em um hotel. Foi a primeira vez que eu, conscientemente, dormi em um hotel. Contribui para isso o fato de que, com sete anos, eu havia acabado de terminar a primeira série, o ano em que de fato eu virei um estudante. Então, é provável que pela primeira vez eu entendesse o conceito de férias. Entramos em uma Parati cinza e saímos de Cuiabá eu, meus pais, minha prima e minha avó. Ao mesmo tempo em que essas eram as minhas primeiras férias, elas eram também a última viagem da minha avó. A essa altura ela já estava com um câncer no pâncreas e sem muitas perspectivas de longo prazo. Disso eu não sabia na época. Mas ela morreu cerca de um ano depois, no começo de 1996, após muitas passagens pelo hos