AVC. Três letras que significam, antes de qualquer coisa, o popular derrame. Eu conhecia a expressão por que meu avô havia morrido após sofrer um, no ano anterior. Meu outro avô também sofreu um ou dois derrames e não tenho certeza se essa foi a causa da sua morte, mas certamente foi um fator debilitante.
Naquele dia, ali no começo dos anos 2000 meu pai me avisou "o careca sofreu um derrame". Careca era dono de um açougue no bairro do CPA. No começo dos anos 90, meu pai tinha uma clínica veterinária na Avenida Brasil, ocupando uma porta de um imóvel, cujas outras duas portas sediavam o açougue do Careca e a farmácia do Gordo. Sim, eram os anos 90, não havia nenhuma preocupação com apelidos ou questões de politicamente correto.
O gordo se chamava Lourival, ou alguma variação, e foi o primeiro que perdemos contato quando sua farmácia saiu dali. Depois meu pai mudou a clínica para outro ponto da avenida, assim como a Casa de Carnes Jr. Tenho na memória a imagem das três portas, mas quando passo pela Avenida Brasil, não faço a menor ideia de onde ficavam.
Um dia nos mudamos da região do CPA, mas a região do CPA não mudou para nós. O cabelereiro continuava lá, a manicure, o joalheiro, o açougue. Atravessávamos a cidade para comprar carne no estabelecimento do Careca.
Não me lembro seu nome, que era um nome diferente, o apelido de Careca ofusca qualquer nome. Lembro que perdeu a ponta de alguns dedos no moedor de carne. E naquele dia soube que ele sofreu um derrame. Sabia, pela experiência do meu avô no ano anterior, que era um terror.
Em nome dos velhos tempos, meu pai foi no açougue, que como todo estabelecimento de bairro, abriga a casa dos proprietários atrás. Encontramos o careca deitado em uma cama, sem camisa, muito mais magro, incrivelmente mais magro. Movia com dificuldade um lado do corpo. Falava com dificuldade, por vezes não entendíamos o que falava, mas não era aceitável pedir para repetir. De vez em quando ele chorava.
Nunca mais vi o Careca. Minha última lembrança é dele todo torto deitado na cama, chorando a miséria da vida. Parece que depois ele voltou para Penápolis, ou Birigui, que era a sua terra natal. Soube uns anos depois que ele morreu. Depois de um tempo, deixamos de frequentar o açougue no CPA, porque não havia mais praticidade.
Toda vez que viajávamos de carro e passávamos por Penápolis, ou Birigui, meu pai falava. "A terra do Careca".
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