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Superliga Europeia

Não tem jeito: apenas os torcedores de balancetes podem apoiar a aberração que é a SuperLiga Europeia, nova criação de 12 clubes que se denominaram grandes demais para dividir a atenção com os outros. (aliás, é engraçado que eles ainda esperem o surgimento de outros três times nesta mesma posição para fechar um clubinho de 15).

A ganância é a óbvia explicação para este movimento, mas eu vejo particularidades em cada caso. Vale lembrar que 10 dos 12 clubes beligerantes tem donos. O Liverpool, Arsenal e Manchester United pertencem a norte-americanos, o Tottenham está na mão de investidores ingleses, o Manchester City tem seus negócios dirigidos nos Emirados Árabes, enquanto o Chelsea é acariciado por dinheiro russo. O Milan também é um negócio de norte-americanos, enquanto a Internazionale é de Chineses e a Juventus pertence à famiglia Agnelli. Há por último o Atlético de Madrid, controlado por investidores espanhóis. Real Madrid e Barcelona são os únicos dois clubes em um modelo mais associativo, parecido com o brasileiro, sem donos, um privilégio a eles concedido pela Federação Espanhola.

A ausência de clubes com donos ajuda a explicar porque a Alemanha não quis embarcar essa aventura, mas esse é um motivo.

No caso dos clubes ingleses, vejo o movimento como uma espécie de reserva de mercado. O futebol inglês sempre foi àquele com maior alternância de poder entre as grandes ligas europeias. Clubes como Leeds United, Derby County, Aston Villa, Nottingham Forest, Everton e Burnley já viveram dias de glória. Desde o surgimento da Premier League, no entanto, Manchester United e Arsenal conseguiram se destacar, sendo seguidos pelo sempre tradicional Liverpool e depois acompanhados pelo dinheiro abundante de Manchester City e Chelsea. O Tottenham entrou um pouco de intruso.

No entanto, com uma divisão mais equânime de dinheiro de televisão, times fora desse grupo conseguem incomodar. Como é o caso do Leicester, campeão inglês em 2016 e brigando por vaga na Champions League nos últimos dois anos, e até mesmo o West Ham, que incomoda na atual temporada. Criando uma superliga, esses seis clubes estabelecem uma barreira que impossibilita a ascenção de outros e mantém seus status atuais por toda a eternidade.

Além disso, há outra questão: o campeonato inglês garante quatro vagas por temporada na Champions League, o que é garantia de que pelo menos dois times estarão absolutamente frustrados ao fim da temporada. Essa tem sido a sina do Arsenal nos últimos anos, o Manchester United já passou por essa situação, o Tottenham também, assim como Chelsea e o Liverpool corre chance de ficar de fora da próxima edição. Assim fica difícil valorizar o produto, pensam seus donos.

No caso do futebol italiano, há essa tentativa de criar um reserva de mercado por parte de Milan e Inter. Gigantes europeus, principalmente o Milan, que enfrentam tempos bem difíceis. A Internazionale ficou seis anos longe da Champions League e retornou com duas eliminações na fase de grupos. O mesmo ocorre com o Milan, distante da principal competição europeia desde 2014. Equipes que vem sendo constantemente superadas por Napoli, Roma, Atalanta, Lazio e mesmo Fiorentina na tabela do campeonato italiano. Para quê continuar com essa palhaçada de mérito esportivo?

A motivação da Juventus me parece mais a de ter adversários mais fortes. O campeonato italiano enfrentou forte decadência neste século e o time de Turim é campeão todo ano. Investe fortuna em craques para ganhar de Sassuolos e Veronas da vida, enquanto que na Europa acaba eliminado em um jogo besta por Porto, Lyon e Ajax. Eles querem coisa melhor para o Cristiano Ronaldo.

Motivação parecida devem viver Barcelona e Real Madrid. Chega de enfrentar Aláves, Huesca e similares. O Atlético de Madrid, por outro lado, me parece se juntar a esse movimento para não ficar sozinho.

Antes de ser tornar um multicampeão nos últimos anos, o Manchester United viveu 24 anos de jejum, chegando a ser rebaixado. Para o Arsenal foram 18 anos de jejum, período em que chegou entre os 3 primeiros apenas duas vezes, a mesma quantidade de vezes em que ficou fora do top-10. Antes do dinheiro russo o Chelsea ficou anos amargando a parte de baixo da tabela, o Manchester City chegou a estar na terceira divisão. Todos esses clubes só conseguiram o status atual por conta das voltas que o futebol permite. 

O atual movimento de ruptura elitista é um golpe e qualquer pessoa que goste do esporte tem o direito de condená-lo.

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