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Este pequeno latifúndio, meu mundo

Sua figura é marcante e inesquecível. Impossível não notar aquela senhora com uma barriga tão avantajada que parece uma corcunda invertida em seu uniforme azul. Impossível não pensar que quando ela senta, aquela barriga sólida e compacta seria capaz de segurar um prato, um copo, quem sabe uma bigorna.

Impossível não reparar nessa figura mal-humorada que carrega um cigarro numa mão e uma pá e uma vassoura na outra. Cigarro fumado com força, que fica preso apenas nos lábios nos momentos em que ela varre o chão. Nos pés, uma sandália havaiana cor de rosa, com miçangas enfeitando suas alças.

Seu trabalho é varrer a calçada da loja da Mitsubishi, retirar as folhas que teimam em cair no chão e se alojar naquela calçada. Cada movimento da vassoura é repleto de raiva. Cada interrupção é motivo para que ela pragueje, contra os carros que manobram na calçada e interrompam seu trabalho. Sua figura inspira medo, o medo de passar na calçada que ela limpa com tanto carinho e que as pessoas sujam novamente.

Vez por outra ela aparece com uma mangueira e molha displicentemente essa calçada que é o seu mundo, seu pequeno latifúndio, onde as coisas deveriam ser do jeito que ela quer, sem nenhuma interferência externa.

Mas todo dia a sujeira volta.

Ontem, pela última vez corri em sua calçada. Pensei em pedir desculpas e dizer que isso não irá mais se repetir.

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