Pular para o conteúdo principal

Bianchi

Quase uma semana depois ainda é difícil acreditar. Ainda não caiu a ficha que a lista de acidentes fatais da Fórmula 1, inalterada nos últimos 20 anos, ganhou mais um nome: Jules Bianchi.

Nos meus 28 anos eu só havia presenciado dois acidentes fatais, em dois dias seguidos de 1994, época em que a Fórmula 1 já completava uma década sem mortes e parecia infalível. Mas tanto Ratzenberger, quanto Senna, morreram poucas horas após o acidente.

Já li sobre e já vi vários dos acidentes fatais da Fórmula 1. Difícil não se chocar com Lorenzo Bandini se estatelando em chamas no cais do Mônaco, Gilles Villeneuve voando contra as grades, amarrado em sua cadeira, Roger Williamson queimando até a morte diante da passividade dos fiscais, ou Tom Pryce estraçalhando um fiscal e arrebentando a cabeça em seu extintor de incêndio. Em todos os casos, as mortes na competição são praticamente instantâneas. Bandini demorou dois dias, Ronnie Peterson também, até um fragmento de osso entrar em sua corrente sanguínea.

Jules Bianchi agonizou por nove meses. Talvez não ele, preso a uma cama sem sinais cerebrais relevantes, sem sabermos se pensava ou sentia alguma coisa. Sua família e seus amigos agonizaram durante essa gravidez invertida, sabendo que aquilo não tinha solução e não tinha fim. Nove meses até que seu nome fosse acrescentado a lista macabra da competição.

Talvez Ayrton Senna, ou outro piloto morto pelas lesões cerebrais, também tivesse sobrevivido por esse tempo, caso o acidente ocorresse em 2014.  Nunca saberemos. Mas a situação toda foi incrivelmente triste.

Bianchi era aquele típico piloto em quem todo mundo via um grande futuro. Todas olhavam para ele no pior carro da categoria, sempre superando seu companheiro, conseguindo dois pontos históricos, os únicos da Marussia. Quem assiste Fórmula 1 e acompanha a categoria sempre consegue ver com carinho os novatos que são bons e separá-los daqueles que são ruins. Para ficar dentro da equipe, existia uma diferença óbvia entre ele e seu companheiro Max Chilton.

Víamos Bianchi um pouco como víamos Alonso andando na Minardi, Vettel começando na BMW, como devia ser com Senna na Toleman. Um pouco também como era com Berger na ATS, Alesi na Tyrrell ou Fisichella na Jordan, para ficar naqueles que não foram campeões, mas que tiveram seus bons momentos.

Bianchi poderia ter sido muita coisa e não foi. Morreu aos 25 anos em uma curva escorregadia de Suzuka, morreu por nove meses em um hospital na França. Triste.

Comentários

Postagens mais visitadas

Oasis e a Cápsula do Tempo

Não dá para entender o Oasis pensando apenas na relevância das suas músicas, nos discos vendidos, nos ingressos esgotados ou nas incontáveis exibições do videoclipe de Wonderwall na MTV. Além das influências musicais, das acusações de plágio e das brigas públicas, o Oasis faz parte de um fenômeno cultural (um pouco datado, claro), mas é uma banda que captou o espírito de uma época e transformou isso em arte, promovendo uma rara identificação com seus fãs. Os anos 1990 foram marcados por problemas econômicos no mundo inteiro. Uma juventude já desiludida não via muitas perspectivas de vida. A Guerra Fria havia acabado, uma nova revolução tecnológica começava, o Reino Unido vivia uma crise pós governo Thatcher e nesse cenário surge um grupo cantando letras incrivelmente ousadas para meros desconhecidos.  Definitely Maybe, primeiro disco do grupo, fala sobre curtir a vida de maneira meio sem propósito e sem juízo. A diversão que só vem com cigarros e álcool, o sentimento supersônico de...

Oasis de 1 a 7

Quando surgiu em 1994, o Oasis rapidamente se transformou em um fenômeno midiático. Tanto por suas canções radiofônicas, quanto pela personalidade dos irmãos Gallagher. Eles estiveram na linha frente do Britpop, movimento que redefiniu o orgulho britânico. As letras arrogantes, o espírito descolado, tudo contribuiu para o sucesso. A discografia da banda, no entanto, não chega a ser homogênea e passa a ser analisada logo abaixo, aproveitando o retorno do grupo aos palcos brasileiros após 16 anos.  Definitely Maybe (1994) O primeiro disco do Oasis foi durante muito tempo o álbum de estreia mais vendido da história do Reino Unido. Foi precedido por três singles, sendo que dois deles são clássicos absolutos - Supersonic e Live Forever . O vocalista Liam Gallagher cantava em algum lugar entre John Lennon e Ian Brown, enquanto o som da banda bebia de quase tudo o que o Reino Unido havia produzido nos 30 anos anteriores (Beatles, T. Rex, Sex Pistols, Smiths, Stone Roses). O disco começa c...

Somos todos Leicester

O que era inacreditável, o que parecia impossível agora é verdade. O Leicester é o campeão inglês da temporada 2015-16. Incrível que o título tenha vindo de maneira até confortável, com duas rodadas de antecedência. Incrível que mesmo com a folga na tabela e a liderança estável nas últimas rodadas, era impossível acreditar que o título realmente viria. Parecia que a qualquer momento os Foxes poderiam desabar. O que mais falar sobre esse time? Formado por uma série de refugos, jovens que jamais explodiram, uma ou outra promessa. Filho de goleiro, zagueiro jamaicano e zagueiro alemão grosso, atacante japonês, atacante que até outro dia jogava no futebol amador. Não há nada parecido com o que Leicester fez nesse ano na história do futebol. Talvez na história do esporte. O título do Leicester é uma das maiores façanhas da história da humanidade. Não há o que falar, o que teorizar. Só resta olhar esse momento histórico e aceitar que às vezes o impossível acontece. Que realmente nada é i...