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Fragmentos

Quem já voou em um desses aviõezinhos, em um voo não comercial, sabe o medo. Conhece a sensação terrível que é passar pelas inúmeras turbulências que o caminho proporciona. Se um Boeing treme aqui e ali por conta de nuvens mais pesadas, o aviãozinho treme com qualquer rajada de vento, com as diferenças de temperatura no ar. É preciso ter estomago forte.

Existem alguns outros detalhes também. A aterrissagem nesses aviões é feita de maneira visual. O piloto preciso encontrar a pista lá embaixo, na base do olho. E enquanto o avião desce e balança, o desafio é não vomitar. Os aviões menores podem ser comparados a folhas de papel no ar, balançando de um lado pro outro, ao ritmo do vento. Quando o avião finalmente chega no solo, o alívio é imenso.

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Todo acidente de avião é motivo para comoção nacional. De certa forma, mortes coletivas nos comovem. Acredito que é algo baseado na nossa crença sobre o destino, que tudo já esta escrito e é difícil entender porque 200 pessoas morrem juntas no meio de uma floresta, ou queimadas em uma boate. Acidentes de avião são muito mais raros do que acidentes de carro. Menos pessoas morrem em acidentes de avião do que nas rodovias de Mato Grosso, assim como menos pessoas morrem de ebola do que de sarampo. Mas qual comove mais?

O avião, de certa forma, representa a vitória do homem sobre a natureza. Sempre dominamos a terra e os carros apenas ampliaram nossa capacidade. Conseguíamos nadar e os barcas estenderam nosso domínio sobre as águas. Mas nós nunca pudemos voar, até que o avião surgisse e nos fizesse superar esse desafio. A queda doa avião representa a vitória da natureza sobre o homem, sobre a tecnologia. Nos coloca de volta em nossa posição de insignificância diante do mundo.

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A morte, de fato, costuma a ser redentora. A morte constrange os inimigos, aproxima os amigos. Como criticar alguém que não pode mais se defender? A morte nos lembra os grandes feitos e apaga os defeitos. Nunca fui fã de Robin Williams, mas como posso dizer isso depois de sua morte, triste, tão triste? Até o ACM virou um político bom depois de morrer.

Uma morte trágica amplia esses efeitos. A tragédia martiriza a vítima. Não há glória em morrer velho, dormindo, após alguma doença terrível, noticiada durante anos. Morrer em um acidente, jovem, no auge, é diferente. Ayrton Senna talvez não fosse um mito tão grande se não tivesse morrido em uma manhã de domingo, ao vivo diante de milhares de pessoas.

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Eduardo Campos sempre figurou na casa dos 10%, dentro da margem de erro de três pontos percentuais das pesquisas. Governador de Pernambuco, reeleito com uma votação absurda, neto de um símbolo da esquerda nacional, político habilidoso, bom articulador, mas desconhecido para o Brasil imenso. Sua eleição parecia um sonho, sua participação na campanha parecia muito mais uma aposta de quem não tem nada a perder, qualquer que fosse o resultado, sairia ganhando. No Planalto, ou na boca do povo.

A sua trágica morte, no acidente do aviãozinho em que estava, despertou um sentimento eleitoral na população. Muitas pessoas declararam seu voto póstumo nele. Seus defeitos foram afastados, seus feitos glorificados. Eduardo Campos conseguiu, depois de morrer, captar o sentimento de mudança que explodiu nas ruas brasileiras em junho de 2013. Mudança que ele provavelmente não seria, mas que a tragédia impediu que o tempo confirmasse ou negasse.

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No meio da tragédia havia um jornalista, um fotógrafo, um cinegrafista, um assessor e dois pilotos. Coadjuvantes de uma tragédia nacional, nomes desconhecidos que também deixaram famílias e amigos desconsolados.

Meu sentimento com o jornalista. Nessa nossa vida louca, vivendo uma experiência profissional grandiosa, ele com certeza conhecia o medo na turbulência e sentia o alívio na hora em que o avião pousava.

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