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Wilco de 1 a 13

No próximo domingo o Wilco retorna ao Brasil para a sua terceira passagem em solo nacional (a primeira vez que irei assistir). Uma oportunidade para resgatar a discografia deste grupo que conheci em 2004 e pouco depois se tornou uma obsessão pessoal.

1. AM (1995)

O Wilco nasce das cinzas do Uncle Tupelo, aclamado grupo da cena country alternativa norte-americana. O nascimento foi meio traumático, já que o Uncle Tupelo acabou no momento em que Jay Farrar avisou que odiava Jeff Tweedy. Bem, os outros membros do Uncle Tupelo ficaram com Tweedy para formar o Wilco, então o problema devia ser Jay Farrar. O primeiro disco do Wilco segue caminhando exatamente no mesmo caminho onde estava o grupo anterior, um Country Rock moderno com um pouco de PowerPop setentista, bebendo na fonte do Flying Burrito Brothers. Há algumas boas músicas como I Must Be High, Box Full of Letters e Passenger Side, mas o resultado não impressionou nem público, nem crítica. Tivesse o Wilco se desintegrado após este lançamento, hoje o grupo mau seria lembrado.
Nota: 7

2. Being There (1996)

Aqui o verdadeiro Wilco começa a nascer. Houve mudanças na formação, com Bob Egan substituindo Brian Henneman nas guitarras e, principalmente, a entrada de Jay Bennett. O futuro mostraria que este seria mais um Jay a causar estresse nas relações de Jeff Tweedy, mas sua entrada foi fundamental para moldar o som do grupo, misturando o country rock original com mais elementos de folk, um pouco de noise e experimentações. Misunderstood abre o disco mostrando ao que o Wilco veio com suas guitarras industriais, microfonia e melancolia country. Sunken Treasure segue a mesma linha. Outtasite e I Got You (At the End of the Century) fazem o country rock deles se aproximar do Rolling Stones. Red-eyed and blue e Say You Miss Me são duas belas baladas, enquanto Kingpin é uma espécie de apocalipse sonoro country, com versões ao vivo fantásticas. Claro, há muitas baladinhas country dispensáveis no meio deste álbum duplo, mas o resultado é bom.
Nota: 8,5

3. Summerteeth (1999)

A influência do Big Star sempre esteve presente no Wilco, mas aqui ela fica mais visível em canções como I'm Always in Love e Candyfloss. Jay Bennett se transforma no coautor de quase todas as músicas, trazendo uma sonoridade rica e canções inesquecíveis como Via Chicago e A Shot in the Arm. Tudo muito bem, tudo muito ótimo, mas a gravadora Reprise chegou para o grupo e perguntou: quando vocês vão começar a vender discos? A banda foi obrigada a parir um single, Can't Stand It - ótima música, mas as vendas ficaram no mesmo patamar, ou até abaixo dos trabalhos anteriores. Fracasso comercial a parte, Summerteeth é um grande disco, que mostra o Wilco próximo do seu auge, que viria no disco seguinte.
Nota: 9,5

4. Yankee Hotel Foxtrot (2002)

A história é conhecida, pelo menos no circuito indie. Enquanto Jeff Tweedy e Jay Bennett se matavam no processo de gravação (brigas documentadas no documentário I Am Trying to Break Your Heart, o Let It Be alternativo dos anos 2000), a gravadora Reprise se mostrava chocada com o resultado do disco. Considerando que nada do que eles fizeram tinha salvação, o Wilco foi despedido. Chegaram a abrir negociação sobre os direitos do disco, mas a Reprise simplesmente doou o material, de tanto que eles desacreditaram o resultado. Resumo: o burburinho chamou atenção de público e imprensa, Yankee Hotel Foxtrot é um disco sensacional (para mim, o melhor disco de todos os tempos) e salvou a carreira da banda. Recheado de ruídos que, dizem, queriam simular as constantes enxaquecas de Tweedy, o disco é perfeito do início ao fim. Jesus, etc é das mais belas canções já feitas, Ashes of American Flags filosofa sobre o consumismo por cima de uma base barulhenta. I'm the Man Who Loves You empolga, enquanto Reservations congela o coração de qualquer um. Um disco perfeito.
Nota: 10

5. A Ghost is Born (2004)

Bem, depois de todo o estresse do disco anterior, Jay Bennett foi mandado embora. A formação agora tinha Mikael Jorgensen nos teclados e Glenn Kotche na bateria. A Ghost is Born é um disco que avança em direção a microfonia, alternando momentos de silêncio e barulho. O resumo é a faixa inicial, At Least That's What You Said, que começa em um lamentoso murmúrio e termina em um esporro descomunal, que faria orgulhoso o Neil Young. Hummingbird e Company in My Back são outras das boas músicas do disco, que pensando bem, talvez fosse um sucessor direto do Being There. Apesar dos bons momentos, A Ghost Is Born tem seus exageros que tornam o disco um pouco cansativo. Exemplo maior é Less Than You Think, com 12 minutos de microfonia e zumbidos que nenhum ser humano escutou mais do que três vezes.
Nota: 8

6. Sky Blue Sky (2007)

Talvez o sol vá brilha de novo, as nuvens irão embora. Jeff Tweedy abre o disco com esses versos na bela Either Way. Sky Blue Sky é um pouco isso, um disco de dia ensolarado, mas não de verão. Um dia ensolarado no inverno, em que calor e frio se confundem em diversos momentos. Aqui o Wilco se volta mais para o folk, alternando momentos acústicos e elétricos e em diversos momentos indo ao encontro de Neil Young. Parece que é uma tendência de qualquer banda que navegue por esses terrenos um dia encontrar Neil Young musicalmente. Com Nels Cline estreando nas guitarras e Kotche na bateria, o Wilco passa a explorar mais o virtuosismo com solos em Impossible Germany e Shake it Off. Walken mostra a veia romântica de Jeff Tweedy, em uma música que lembra Paul McCartney. Um grande disco, mas que, de certa forma, marca o fim da explosão criativa do Wilco que passaria então a navegar em águas mais previsíveis.
Nota: 9

7. Wilco (The Album) (2009

O seu disco quase autointitulado mostra um Wilco mais próximo do rock alternativo americano dos anos 90, com bases mais distorcidas e sonoridade que o colocaria ali próximo da fase mais pop do Pavement e Built to Spill. Claro, há o PowerPop em Sonny Feeling, enquanto Country Disappeared parece saída das sessões do disco anterior. The Album tem algumas boas canções, mas chama a atenção por não ter um número que soe absolutamente brilhante, como era o costume da banda. Detalhe para You Never Know, quase um tributo a My Sweet Lord do George Harrison.
Nota: 7,5

8. The Whole Love (2011)

The Whole Love começa de maneira irrepreensível com Art of Almost, suas batidas eletrônicas e termina em um solo de guitarra acelerado. É como se Yankee Hotel Foxtrot e Sky Blue Sky se chocassem. A sequência continua boa com o single I Might, a george-harrisoniana Sunloathe e o powerpop de Dawned on Me. Na segunda metade o disco perde um pouco de fôlego até terminar nos 12 minutos de One Sunday Morning, cuja progressão de acordes lembra muito... Anunciação do Alceu Valença. No fim das contas, Whole Love é um disco melhor do que o anterior, que serviu para mostrar que a chama do Wilco continuava acesa.
Nota: 8,5

9. Star Wars (2015)

Dez anos depois, Star Wars é um disco razoável. More, Randon Name Generator e King of You são boas canções, assim como Magnetized - que poderia ser uma canção solo de John Lennon. Mas, há o inesquecível gosto da decepção. Star Wars é, de fato, o primeiro disco decepcionante do Wilco, com algumas canções francamente medianas, números esquecíveis e nada capaz de entrar no panteão do grupo. Há muitas coisas que não esquecemos, e a primeira decepção é uma delas.
Nota: 6,5

10. Schmilco (2016)

Se Star Wars era decepcionante, Schmilco é apenas ruim mesmo. Há de se reconhecer que Someone to Lose e If I Ever Was Child são melhores do que qualquer coisa do disco anterior, mas o conjunto é bem fraco. Soa como um álbum sem inspiração, parido a partir de um bloqueio criativo. Muitas músicas se desenvolvem em torno de um riff ou batida central e permanecem nisso durante mais ou menos três minutos. O nome é uma piada com um disco de Harry Nilsson e a capa foi assinada por Joan Cornellà. Fora isso, esquecível.
Nota: 5

11. Ode To Joy (2019)

Ode to Joy
é melhor que o Schmilco? Sim, mas convenhamos que isso não era muito difícil. É um disco mais agradável na primeira audição, mas que não evolui muito além disso. Segue preso no minimalismo burocrático do disco anterior e também não tem canções inesquecíveis. Encerra, desta forma, uma trilogia do esquecimento da segunda metade dos anos 2010.
Nota: 6

12. Cruel Country (2022)

Essa foi a primeira vez que eu fiquei com medo de um disco do Wilco. Após três lançamentos esquecíveis eles já aparecem anunciando um disco duplo. Mas, eis aqui a boa surpresa. Em Cruel Country o grupo retornou às suas raízes no country e, deitados em berço esplêndido, Jeff Tweedy e companhia alcançaram um resultado agradável. Cruel Country saí da trilha iniciada no The Album e faz um cruzamento da suavidade acústica do Sky Blue Sky com o alt-country do Being There. Aqui eles soam mais do que nunca como Gram Parsons e nos presenteiam com algumas boas canções como Hints, Hearts Hard to Find e Tired of Taking in Out on You.
Nota: 7,5

13. Cousin (2023)


Cousin é um disco que definitivamente soa como Wilco, ou como tudo o que o Wilco fez ao longo de sua carreira. Há temas mais acústicos, outros mais barulhentos, músicas sussurradas e outras que parecem querer te abduzir. Há uma grande canção: Evicted, com sua letra que não poderia ser mais Jeff Tweedy. O resultado final é bom, apesar de não ser brilhante, mostrando que o grupo parece ter entrado em uma acolhedora zona de conforto após a já supracitada trilogia maldita.
Nota: 7

Meu ranking pessoal do Wilco, do pior até o melhor disco:
13 Schmilco
12 Ode to Joy
11 Star Wars
10 A.M.
9 Cousin
8 Wilco (the album)
7 Cruel Country
6 A Ghost is Born
5 Being There
4 The Whole Love
3 Sky Blue Sky
2 Summerteeth
1 Yankee Hotel Foxtrot

Outros lançamentos:
Um dos principais trabalhos do Wilco é a trilogia Mermaid Avenue, lançada junto com Billy Bragg. Foi um projeto de musicar letras deixadas pela lenda folk Woody Guthrie. O primeiro Mermaid Avenue de 1998 é sensacional, o segundo de 2000 é bom, mas mostra um trabalho menos colaborativo. O terceiro de 2012 vale por apresentar Listening to that Wind that Blows.

Wilco lançou vários EPs ao longo da sua carreira, mas em sua maioria eles são formados por sobras estranhas de discos já suficientemente estranhos. A exceção é Hot Sun Cool Shroud de 2024, um trabalho com força própria. A maioria das canções lançadas em EPs, Singles e Trilhas Sonoras está na coletânea Alpha Mike Foxtrot de 2014.

Há um disco ao vivo, o correto Kicking Television de 2005. Em 2009 eles lançaram uma versão em vídeo de outro show, chamado Ashes of American Flags, famoso pelo fato de Neils Cline ter sublimado e alcançado o sobrenatural no solo final da canção-título.

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