A vida no começo de 2005 era um pouco estranha. Eu tinha saído do colégio e passado no vestibular para jornalismo. Mas, devido ao atraso de programação provocado pelas greves, as aulas iriam começar só no final de abril. Foram quatro meses de um pequeno vácuo existencial. Talvez fosse até bom tirar um período sabático após o fim do Ensino Médio, mas seria melhor se fosse algo programado, enfim.
Nesse período, boa parte da minha vida se dedicava a acompanhar a programação da ESPN Brasil. Não que eu já não acompanhasse antes, o Linha de Passe da segunda-feira era um compromisso de agenda há algum tempo, assim como o Sportscenter no fim do dia, principalmente nos dias de rodada noturna na quarta-feira. Eram tempos que a internet ainda engatinhava e o Sportscenter era uma grande oportunidade de saber os resultados da rodada.
Aquela ESPN de José Trajano moldou o caráter de uma geração de jornalistas e fãs de esporte, como eles passaram a chamar seus telespectadores. Sempre gerava ironias de outros veículos, que falavam que a audiência dava traço, mas a ESPN era como o primeiro disco do Velvet Underground: pouca gente conheceu, mas quem conheceu foi profundamente impactado. Se os ouvintes do primeiro disco do VU foram necessariamente formar uma banda, os espectadores da ESPN foram fazer jornalismo.
O Bate Bola com Palomino, Trajano e PVC. Depois com o João Canalha. O início das transmissões da Premier League com Paulo Andrade, o campeonato italiano do Lancelotti. O Programa Limite com Flávio Gomes. O já tradicional Linha de Passe que teve sua formação de ouro com Trajano, Juca Kfouri, PVC e Mauro Cezar Pereira.
Tinha ainda o Histórias do Esporte com o José Roberto Salim. As narrações do Volpi, o Gerd Wenzel comentando futebol alemão, os Jogos Aberto do Interior, campeonatos de handebol, de basquete, as reportagens de André Kfouri, André Plihal e Vinicius Nicoletti, e enfim, tinha o Sportscenter com Paulo Soares e Antero Greco.
Sim, eu estava vendo o programa quando a China enfiou 12 no Butão. Ou quando o São Paulo ia contratar o Caraglio. Muita gente estava vendo.
Antero e Amigão é uma dupla que recebe todas as devidas homenagens, um marco da comunicação, extremamente importante na vida de quem acompanhou.
Uma época em que a ESPN mostrou que era possível fazer jornalismo com leveza, com graça, mas sem palhaçada. Sem mensagem forçada de riso, sem briga armada para render corte. Análise de futebol em seus múltiplos aspectos com profundidade e acessibilidade, sem forçar.
A morte de Antero corta mais um dos laços com aquela histórica ESPN. Hoje eu já nem reconheço o canal, não sei quais programas ele passa, a TV está sempre ligada em um monte de pessoas sentadas dando opinião sobre futebol. Opinião, opinião, o excesso de opinião, um dos males do mundo atual. Muita opinião e pouca informação.
Saudades Antero, fiquei até com saudades daqueles dias perdidos de 2005.
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