O futebol sempre foi um embate entre arte e força. Esquadrões artísticos, como a Hungria de 54 ou o Brasil de quase desde sempre se debatiam contra os panzers alemães, ou os carrascos uruguaios. Mas além das disputas coletivas, há a questão individual. No futebol, há quem seja o touro e quem seja o toureiro.
Garrincha, Maradona, Messi, Tostão, Bergkamp, Zidane, Rivaldo e outros encarnam a figura do toureiro. São a arte. Jogadores que transformam o espaço de um guardanapo em um latifúndio. Dribles milimétricos ou elásticos, transformam o adversário em parte do espetáculo, em coadjuvantes da magia. Parte da graça está justamente na forma como deixam o adversário para trás na forma de uma ilusão de ótica, aplicam passes improváveis e espaços aparentemente inexistentes. O combate individual faz parte do espetáculo.
Do outro lado, Mbappé, Cristiano Ronaldo, Ronaldo, Kaká e outros são os touros. Arrancam em velocidade e deixam os adversários anônimos para trás, caídos no chão, desolados diante da força da natureza. Não há combate. Há atropelamento.
Não que não haja força na magia, ou que ela seja dispensável aos artistas. E nem que os atletas físicos não precisem de habilidade e técnica. Mas há uma distinção clara entre o que Cristiano Ronaldo e Messi fazem. Um tem o corpo como sua plataforma de exibição, eleva ao máximo as suas capacidades físicas para se tornar invencível. Explora todas as possibilidades, enquanto o outro explora as impossibilidades da bola.
Ver Rivaldo dando um passe em curva por trás da defesa da Holanda e encontrando Ronaldo livre era o desafio da lógica. Ronaldo arrancando para o gol sem possibilidade de ser detido era o controle máximo das expectativas.
Mas, vez por outra a arte e a força se encontram, são os momentos mais inesquecíveis do futebol. Quando Ronaldo assassina um lançamento de 40 metros no peito do pé e encobre o goleiro. Ou quando Maradona deixa cinco ingleses para trás. Ou aquele Messi veloz e imparável de 2011. Ronaldinho Gaúcho em 2005/2006. O Zico em alguns momentos. O Pelé, sempre.
O Rei do Futebol poderia ser o touro e o toureiro. O ilusionista e o homem forte. Não há nada mais mágico do que seu drible de corpo em Mazurkiewicz (Olha aí os coadjuvantes inesquecíveis). Não há demonstração maior de força do que sua arrancada contra um bando de mexicanos anônimos na Copa de 62. As vítimas de seus dribles são imortalizados. Aqueles que foram deixados para trás se perdem no caminho.
O jogador que aplica duas canetas em sequência no mesmo jogador, para em seguida arrancar em direção ao gol como um míssil teleguiado. O homem que atropela seus adversários no ar para fazer o gol de cabeça, mas que é capaz de dar a assistência no ponto que ninguém vê. Tudo isso no mesmo jogo. Isso explica o reinado.
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