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A Conta das Pesquisas não fecha

Claro que há várias ponderações. Temos as abstenções, o voto útil, as dificuldades proporcionadas pela ausência de dados mais consolidados sobre a população uma vez que o Censo não é realizado há 12 anos. Mas, mesmo com tudo isso, não dá para negar que os dois principais institutos de pesquisa erraram suas projeções para a disputa pela Presidência da República. Sobre isso, tenho duas hipóteses meramente especulativas.

A observação dos dados de pesquisas até as eleições de 2006 mostram curvas muito claras de crescimento e que dos candidatos, que inclusive batia com o que se percebia nas ruas. O movimento para votar em Alckmin e impedir uma vitória de Lula no primeiro turno em 2006. A queda de Ciro Gomes em 2002 e indo além, o crescimento de FHC em 1994.

A pesquisa de 2010 é a primeira a mostrar um padrão diferente de crescimento de última hora, que nesse caso não veio de nenhum dos dois primeiros colocados. Nesta eleição, Dilma Rousseff liderou todas as pesquisas, mostrando sempre boas chances de vencer no primeiro turno, com José Serra aparecendo pelo menos 15 pontos percentuais atrás. Na terceira colocação, Marina Silva beirava sempre os 10%.

Na reta final Marina cresceu, o que foi captado pelas pesquisas, mas não na proporção que as urnas mostraram, chegando a quase 20% dos votos. José Serra se manteve onde sempre esteve e o crescimento de Marina, no fim das contas, foi o responsável por encaminhar àquela disputa ao segundo turno.

A eleição de 2010 provavelmente foi a primeira em que as redes sociais passaram a ocupar um espaço maior na vida da população, ainda que em menor escala. O Twitter não existia em 2006, o Facebook era um passatempo de meia dúzia de malucos, a grande paixão nacional era o descentralizado e confuso Orkut. Ainda em 2010 o WhatsApp começava a engatinhar, mas todos já acessavam sites na internet para se informar.

A partir de 2014 a internet se transformou em um campo de batalha paralelo às tradicionais disputas nas ruas, nos comícios e na televisão. E justo nessa eleição, uma tragédia provocou grandes variações nas pesquisas. A morte de Eduardo Campos em um acidente aéreo ascendeu sua então candidata à vice, a mesma Marina Silva, à disputa presidencial. No embalo da comoção nacional e mais conhecida que seu vice, a candidata logo rompeu a barreira dos dois dígitos, superou Aécio Neves e no melhor dos momentos empatou com Dilma Rousseff, vencendo com alguma folga às projeções do segundo turno.

Aos poucos esse impulso arrefeceu, Marina despencou lentamente, se distanciou nas simulações de segundo turno e na última semana a virada de Aécio se materializou, consolidada na pesquisa da véspera, por mais que as urnas tenham mostrado uma vantagem muito maior de Aécio sobre o Marina do que estava sendo previsto.

Por trás disso tudo há outra história: em 2014, seguindo os movimentos iniciados em 2013, o antipetismo se transformou em um força motriz da eleição. Para grande parte dos eleitores o que interessava era tirar o PT do poder. O crescimento de Marina fez com que esse eleitorado migrasse seus votos de Aécio para ela. Com a perda de terreno (embalada por uma campanha eleitoral bem pesada do PT e a narrativa da indecisão que caiu sobre a ex-ministra), Aécio voltou a ser o nome mais competitivo em um segundo turno e, com isso, o eleitor voltou ao tucano em peso.

Uma grande movimentação dessa dificilmente é espontânea, mas tampouco é absolutamente coordenada. Mas é claro que parece que, enquanto as pesquisas entrevistam pessoas nas ruas, fora do seu alcance as pessoas se conversam e tomam suas decisões de maneira muito mais interativa e coletiva do que antes. 

Já na eleição para as prefeituras de 2016 nós pudemos ver candidatos dispararem na reta final e aumentarem muito seus votos em relação à véspera. João Dória estava no meio do bolo, assumiu a liderança no fim e venceu no primeiro turno em São Paulo. Em 2018 tivemos Wilson Witzel, Zema, Comandante Moisés e outros avançando na reta final em movimentos lentamente percebidos pelas pesquisas da véspera, mas em proporção muito maior nas urnas. 

O mesmo ocorreu na confusa eleição presidencial (o primeiro líder estava preso e foi substituído há um mês da eleição. O segundo líder levou uma facada faltando menos de um mês. Ocorreu uma campanha sem a presença do líder enquanto outros quatro candidatos tateavam na poeira do apocalipse os votos). Com todas essas ressalvas, Bolsonaro teve um crescimento enorme do sábado para o domingo eleitoral.

E aqui, surge uma curiosidade, mas que não deve ser coincidência. Witzel, Moisés, Zema, Coronel Marcos Rocha, Denarium, os senadores Major Olímpio, Arolde de Oliveira, Heinze, entre tantos outros que avançaram de um dia para o outro, todos vieram na cola do bolsonarismo.

Aqui, surge mais uma hipótese: além do movimento coordenado de véspera que as pesquisas não conseguem captar, há um defeito na identificação dos eleitores bolsonaristas.

Vou agora para a eleição municipal de 2020. E vou para o segundo turno daquelas eleições.

Em três capitais, o segundo turno apontou uma disputa entre candidatos da extrema-direita e da esquerda: Vitória, Fortaleza e Belém. Em todas as três, os resultados se mostram muito diferentes do que era previsto, em todos os casos, com os votos da extrema-direita extremamente subnotificados.

Em Vitória, a disputa se deu entre o ex-prefeito petista João Coser e o delegado Pazolini (que liderou o primeiro turno, mesmo contra as projeções). Pois, na véspera do segundo turno, a pesquisa Ibope apontava um empate em 50%. Quando a apuração foi concluída, o delegado venceu por 58,5 x 41,5. Dezessete pontos de diferença. Mais ou menos 30 mil votos. Uma diferença absurda de não ser captada.

Poderia ser um caso isolado, mas em Belém a disputa colocou frente a frente Edmilson Rodrigues, do PSOL, contra o Delegado Eguchi (cuja presença no segundo turno não era apontada na pesquisa da véspera, mas ele chegou lá com 10% a mais do que o previsto). Na véspera do segundo turno, o Ibope deu vitória de Edmilson por 58x42 Na urna, esses 16 pontos (poderiam ser 12 na margem de erro) se converteram em 3,5. Um erro de 12,5%.

Edmilson venceu por 26 mil votos, sendo que a pesquisa previa 120 mil.

Por fim, em Fortaleza, o encontro final foi entre Sarto do PDT e o Capitão Wagner. O Ibope deu vitória para o candidato da esquerda por 61x39, o que equivale a 22 pontos e no limite da margem de erro poderiam ser 16. Sarto venceu por 3,5. Uma diferença prevista para ficar na casa de 284 mil votos, ficou na casa de 40 mil. 

Já então os bolsonaristas ficaram irritados, apontando que os erros gritantes das pesquisas influenciaram o resultado das eleições, no que eles podem ter razão. Como em Belém e Fortaleza os vencedores não mudaram e em Vitória não havia um vencedor claro, ninguém se atentou tanto. Estavam todos mais preocupados com São Paulo e Rio de Janeiro, onde os vencedores foram acertados, mas onde vale dizer, Marcelo Crivella teve mais votos do que era previsto.

Dois anos depois, não me parece coincidência que todos os erros de pesquisa envolvam a subpercepção de votos da extrema-direita. Mourão, Lorenzoni, Astronauta, Tarcisio, Cláudio Castro, todos tiveram muito mais votos do que o previsto. Há ainda Rogério Marinho no Rio Grande do Norte, Flávio Dino e Camilo Santana, embora com folga, eleitos com diferença bem menor do que a prevista, crescimento de Zequinha Marinho no Pará, de Marcos Ritela no Mato Grosso. O voto bolsonarista não é percebido pelos institutos de pesquisa, isso me parece um fato.

Há a possibilidade de que os bolsonaristas mais radicais se neguem a falar com os institutos. Ou mesmo de que mintam, com o objetivo de desmoralizar as instituições. Não importa, o fato é que as pesquisas precisam se aperfeiçoar.

A explicação sobre a antecipação de votos de Ciro e Tebet em Bolsonaro pode fazer sentido quando olhamos os resultados nacionais, mas não encontram respaldo nos recortes estaduais. As pesquisas apontavam 10 pontos de vantagem de Lula sobre Bolsonaro em São Paulo, mas as urnas mostraram uma desvantagem de 7 pontos. Não havia 17 pontos de Ciro, Tebet, Indecisos para serem descarregados no atual presidente por lá.

Menos gritante, mas ainda perceptível, o crescimento de Bolsonaro no Rio e em Minas foi muito além de todos os votos que Ciro, Tebet e quem mais se possa imaginar pudessem ter.

A recente revolução na comunicação da sociedade representa um enorme desafio para todas as áreas das ciências humanas e as pesquisas eleitorais - que misturam humanas e exatas - não ficariam de fora. As estruturas sociais foram brutalmente alteradas pelo WhatsApp e outras ferramentas e as pesquisas precisam se adaptar a este novo mundo para não cair em um descrédito absoluto.

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