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A irrelevância da seleção

A primeira lembrança que eu tenho da seleção brasileira de futebol é a US Cup de 1993. Não que eu me lembre dos jogos, mas eu lembro da propaganda da TV anunciando aquele grande torneio no qual o Brasil enfrentaria a Alemanha. Logo depois veio a Copa América e aí eu me lembro bem do Boiadeiro perdendo um pênalti e recebendo minha eterna antipatia. Sempre que via ele jogando em um time, automaticamente passava a torcer contra ele. Vieram as eliminatórias, a derrota para a Bolívia, as vaias no Morumbi, o time entrando de mãos dadas, os gols do Romário contra o Uruguai, a preparação para a Copa, o Branco chutando uma falta na cara de um fotógrafo que se machucou pra cacete, a Copa, o tetra e aí a vida de uma criança acompanhando jogos da seleção era muito boa e fácil.

Por mais que eu me lembre da imagem do homem ensanguentado, elas não existem na internet

Amistosos contra a Lituânia em Teresina, o surgimento de Ronaldo Fenômeno, Copa Ouro. Jogos da seleção eram um evento, até que um dia isso acabou. Ninguém mais dá a mínima para um jogo de eliminatórias. De eliminatórias, vejam vocês. Foi-se o tempo em que se discutia qual seria a escalação para enfrentar o Paraguai em Porto Alegre. Tanto faz. Ninguém quer discutir uma vitória sobre a Colômbia com gol do Roque Júnior no último minuto.

O processo de enfraquecimento da seleção brasileira é longo, mas tem alguns pontos de desgaste bem forte.

Primeiro, é preciso analisar um grande contexto: o fortalecimento do futebol europeu, na esteira da Lei Bosman e da criação da União Europeia. Além, é claro, da popularização da TV por assinatura e recentemente dos serviços de streaming.

Até meados dos anos 90, as equipes europeias poderiam ter três estrangeiros em suas equipes. Por estrangeiro, leia-se qualquer um que não tivesse nascido no país do clube. O Milan tinha os três holandeses, depois tinha o Papin, o Desailly e o Savicevic. Precisava completar a equipe com suas crias. E por mais que Maldini, Baresi, Donadoni e Albertini fossem ótimos, sempre haveria um Lentini ou um Eranio que não chamaria a atenção. O Barcelona tinha o Koeman, o Stoichkov e o Laudrup. Quando o Laudrup foi embora eles trouxeram o Romário. E por mais que houvesse um Guardiola e um Bakero, tinha ali um Sacristán que não enchia os olhos de ninguém. Os clubes se formavam com jogadores dos seus países e aí, por melhor que fossem e por mais dinheiro que tivessem, era difícil competir com as equipes sul-americanas. Não havia tanto talento como aqui e o São Paulo e o Palmeiras dos anos 90 tinham equipes melhores do que a maioria dos grandes europeus. 

Equipes fora dos grandes centros conseguiam eventualmente montar equipes fortes como o Ajax, Estrela Vermelha, o Dínamo de Kiev e o Steaua Bucareste. Imaginem quão forte seria o Dinamo de Zagreb com os jogadores que ele formou nos últimos anos. (Livakovic; Vrsaljko, Lovren, Corluka e Jedvaj; Brozovic, Kovacic, Badelj e Modric; Mandzukic e Kramaric. A Croácia vice-campeã de 2018).

Pobre torcedor do Dinamo viu Modric fazer apenas 128 jogos com a camisa da equipe


Com a Lei Bosman que facilitou a circulação de jogadores e a possibilidade de contar com jogadores da Europa toda, as equipes se transformaram em seleções multinacionais e, hoje em dia, é possível falar com tranquilidade que qualquer uma das melhores equipes do mundo é melhor do que qualquer seleção.

Perdeu-se dessa forma, aquele encantamento de observar a junção dos melhores jogadores. Lembro quando o Brasil, em 1999, fez dois amistosos contra a Holanda na Fonte Nova e no Serra Dourada. Que oportunidade de ver Seedorf, Davids, Cocu, os irmãos de Boer, Kluivert, Zenden, Bergkamp e toda aquela grande geração holandesa. Hoje, a sensação é de que eles são melhores acompanhados em seus clubes. Imagina que loucura ver Neymar, Messi e Suárez na mesma equipe.

O fortalecimento desses clubes levou a super exposição dos campeonatos europeus, ajudados pela popularização da TV paga. Nada mais de um jogo de campeonato italiano no domingo na Bandeirantes. Hoje é possível acompanhar todos os jogos do Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique, os grandes e médios ingleses, campeonato italiano, francês. Os melhores do mundo jogando duas vezes por semana na sua TV. Não há aquela novidade de se acompanhar uma seleção.

O fortalecimento desses clubes, levou também ao enfraquecimento dos mercados periféricos, incluindo o Brasil e a América do Sul. Hoje em dia é impossível que um time da República Tcheca ou da Bulgária consiga fazer grande campanha na Champions League, da mesma forma que é muito difícil para uma equipe sul-americana fazer frente a um grande europeu no Mundial de Clubes. Os grandes europeus têm os melhores jogadores. Incluindo os brasileiros.

Em tempos recentes, o Brasil contou no seu time com Éderson, Daniel Alves, Dante, David Luiz, Marquinhos, Maxwell, Luiz Gustavo, Douglas Luiz, Fred, Fabinho, Diego Carlos, Hulk, Roberto Firmino, Matheus Cunha, entre tantos outros, que foram para a Europa extremamente cedo, sem terem passagens marcantes por nenhum grande clube brasileiro. Logo, não há grande identificação clubística entre os jogadores da seleção e os torcedores.

Antes de não conseguir dar alegria para o seu povo, David Luiz não deu alegria para nenhum torcedor de time brasileiro


Lá pelos idos dos anos 90 e 2000, quando começou o êxodo de jogadores, os jogos da seleção eram também uma oportunidade de o torcedor matar a saudade dos seus ídolos. O palmeirense podia ver o Rivaldo e o Djalminha, o são-paulino poderia ver Juninho e Denílson, e por aí vai. Hoje em dia não há saudade a ser matada, porque não houve relação criada, e porque os jogadores são televisionados cinco vezes por mês. 

Fora esse processo longo e contínuo, uma mudança nos eixos mundiais do futebol, outras situações pontuais contribuíram para a irrelevância da seleção brasileira.

A Copa de 2006 foi um grande ponto de inflexão. A seleção brasileira chegou ao torneio com um dos melhores elencos de sua história. O ataque tinha Adriano, Ronaldo e Robinho. Havia Kaká e Ronaldinho no meio, além de Zé Roberto e Juninho Pernambucano. Emerson e Gilberto Silva como volantes, os históricos Cafu e Roberto Carlos, a zaga com Lúcio e Juan e o reserva de luxo Luisão. Dida, Rogério Ceni e Júlio César no gol. Muita fartura e promessa grande futebol, embalado por algumas boas exibições em eliminatórias e Copa das Confederações.

No entanto deu tudo errado. Ronaldo e Adriano chegaram fora de forma e longe do auge. Ronaldinho esqueceu o futebol em algum lugar no gramado do San Siro e só o encontraria novamente e esporadicamente sete anos depois no Independência. Cafu e Roberto Carlos já não tinham o vigor de antes, mas seus reservas Cicinho e Gilberto estavam muito bem. E para piorar, Carlos Alberto Parreira, o coveiro do futebol tomou uma série de decisões equivocadas.

O 4-4-2 escolhido era provavelmente a formação que menos funcionou entre todas as disponíveis. Duas torres estáticas na frente, com Kaká preso na meia direita e Ronaldinho na esquerda, Zé Roberto se matando para juntar defesa e ataque. Gilberto Silva estava melhor do que Emerson, assim com os já citados laterais reservas. A formação que teve as melhores atuações contava com um centroavante, Ronaldinho pela esquerda, Robinho pela direita e Kaká pelo centro, mas ela foi utilizada apenas contra o Japão, único jogo digno de nota do Brasil naquela competição.

Apesar da badação, o quadrado mágico, tal qual proposto, só havia feito dois jogos juntos antes, com duas vitórias contra as potentes Venezuela e Nova Zelândia


A frustração com o prazer não consumado foi um grande fardo para a relação da seleção brasileira com seu público.

Para piorar, logo depois veio a Era Dunga. Um período de resultados competitivos, mas que exalava ódio contra tudo e contra todos, que só poderia terminar com uma derrota que não emocionou ninguém. Não dava gosto de torcer por aquela seleção que misturava fanatismo religioso e complexo de perseguição, uma seleção que era praticamente uma prévia do atual governo federal.

Existiu também um 7x1, aquela humilhação que impossibilita o amor.

E para piorar, desde 2013 vem ocorrendo o sistemático sequestro da camisa brasileira por grupos que promovem o ódio, não representam o país e querem impedir que qualquer outra pessoa se sinta representada.

No fim disso tudo, é praticamente impossível se interessar pela seleção brasileira.

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