Todas as ruas do meu bairro tinham nome de plantas, exceto uma. Coqueiros, Seringueiras, Araucárias, Buritis e Pau Brasil dividiam sua existência com uma melancólica Rua Projetada. Talvez pelo costume, em um bairro que reservava travessas para os Biribás, Figueiras e Sebiperunas, a rua sem nome era conhecida como Mangueiral.
O nome era auto-explicativo para quem passasse pelo local. Meia dúzia de mangueiras adornavam a esquina da rua não pavimentada, uma linha reta de 350 metros ligando Jardim das Palmeiras e Chácara dos Pinheiros.
Durante cinco ou seis anos da minha vida passei por ali todos os dias, retornando do meu colégio para casa. O caminho era um pouco mais longo, coisa de 200 metros a mais do que o outro que passava por dentro do bairro, mas os relatos sobre bicicletas e relógios roubados dentro do bairro me faziam preferir passar por aquela rua erma, cercada de terrenos baldios e cuja única construção era uma fábrica de orelhões de fibra de vidro.
Não demorava mais do que quatro ou cinco minutos para atravessar. Quase sempre eu estava sozinho, escutando o barulho dos carros passando por perto, sentindo o sol do meio-dia e divagando. Via uma enorme beleza nessa visão, logo que entrava na rua, principalmente nos dias de outono, quando o céu estava limpo, com uma vaga névoa, transbordava um azul profundo delineado pelas copas das árvores verdes do fim da rua. Acho que passei a prestar ainda mais atenção quando comecei a usar óculos e redescobri a nitidez desse skyline verde.
Ficava ali contemplando o infinito. Vez por outra presenciava um avião em pleno voo e meus olhos se fixava em sua passagem pelo meu campo de visão até desaparecerem no fim do céu. De alguma maneira era o absurdo da existência humana passando diante dos meus olhos, ou hoje assim eu tento explicar meus devaneios enquanto assistia essa cena banal do cotidiano.
Quando sai do colégio abandonei esse caminho, mas segui passando por sua esquina voltando do ponto de ônibus, ou depois na caminhada na volta da academia. As mangueiras sempre foram sombra, sempre foram o alívio para o sol escaldante. Eram a beleza despercebida do caminho.
Mudei de bairro e nunca mais prestei atenção nessa rota. Mas a rua foi asfaltada, os terrenos baldios ganharam construções, os arredores foram cercados por condomínios MRV. E as árvores não existem mais. Esses dias ao entrar na rua, de carro, fiquei um instante desnorteado imaginando que havia pego um caminho errado. Havia um vazio no cenário, que logo identifiquei com o desmatamento das mangueiras.
Onde antes havia mangueiras, hoje há o vazio. Onde antes havia sombra, hoje há o sol. A terra vira concreto, a vida se transforma em natureza morta. Percebo que o céu deixa de ser infinito, que a vida acaba onde acaba o campo de visão. O mundo como nós conhecemos se desfaz e as mangueiras se juntam a minha professora do jardim de infância, a farmacêutica que me dava injeções todos os dias em seu lugar de não existência, de cenas de um filme antigo, lembranças de um passado cada vez mais distante e logo mais completamente esquecido. Logo chegará o dia em que quem passar por essa esquina jamais vai desconfiar que um dia ali mangueiras sombreavam o pensamento das pessoas.
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