Estive pensando na figura dos professores que temos no colégio. Durante alguns anos de nossas vidas, acabamos por conviver com eles tanto quanto com nossos pais. Odiamos alguns, idealizamos outros, eles se tornam os responsáveis por avaliar se estamos aptos a conviver em uma sociedade de informação - repassando-nos, se possível de maneira didática, essas informações. E então desaparecem. Ou melhor, continuam no colégio, nós é que saímos de lá e somos substituídos por outros alunos que irão ocupar o mesmo estereótipo que um dia nós ocupamos (o bom aluno, o preguiçoso, o bagunceiro, aquele que só precisa se esforçar mais).
Tive alguns professores pelos quais guardo muito carinho e que depois nunca mais vi na minha vida. Assim como também pouco vi os professores dos quais eu não gostava e provavelmente já não lembro de tantos outros, que por uma razão ou outra não ficaram marcados na minha memória. Chego a pensar que professores não devem gostar muito de sair de casa, correr o risco de apanhar de algum aluno insatisfeito e, talvez muito pior, encontrar ex-alunos que ele não faz mais a menor ideia de quem são.
Se para nós que tivemos uns 50 professores de colégio já é difícil nos lembrar de todos, imagina para um professor que tem 50 alunos. Por dia. E que mudam todos os anos.
Lembro uma vez que eu encontrei o professor Rebelato, de química, no supermercado Modelo do Coxipó. Sim, era do tempo em que o Modelo ainda existia. Devia ser no ano seguinte ao qual eu havia saído do colégio e ele estava perto dos pães, tomando um café. Cumprimentei-o, assim como fizeram umas 12 pessoas nesse período. Uma figura o Rebelato, que certa vez relatou que já tinha fumado maconha e ensinou uma fórmula que nunca mais esqueci para saber que o correspondente do ácido sulfúrico é o sulfato, do clorídrico é o cloreto.
Bem, não exagero quando falo que outras 12 pessoas o cumprimentaram enquanto ele tomava um copinho de café de 50 ml. Minha turma tinha outros 30 alunos. Mais 30 na outra turma do 3º ano. Ele dava aula para os 1º e 2º anos, que também tinha duas turmas entre 30 e 40 alunos. Isso no meu colégio, nos três dias por semana que ele dava aula por lá. Ainda havia o cursinho e suas turmas de 50 alunos. O colégio público e mais alguns grupos de 40 estudantes. Chuto por baixo que ele tinha 400 alunos em um ano. Número que variava a cada giro do sol, com novos nomes entrando e outros tantos saindo de seu convívio diário. Não é a toa que tanto professor é candidato a vereador. É impossível que ele grave todos os nomes.
Lembro de uma vez que encontrei o professor Gonçalo de Física e tive que falar com ele de alguma forma, porque o encontrei na academia durante uns oito dias seguidos, fazendo com que fosse impossível fingir que éramos desconhecidos enquanto revezávamos uma polia. Ele fez um esforço para parecer que de alguma forma se lembrava de mim, ou da minha turma, até porque ele deu aula no meu colégio por poucos anos. Falou com saudade daquela época e que hoje em dia (esse hoje em dia era por volta de 2011) os alunos estavam muito mais difíceis e desrespeitosos. Uma vez encontrei a professora Vera, de História, que talvez tenha sido minha professora favorita. Era aniversário de outra professora/jornalista/amiga e acho que ela se lembrou vagamente de mim sim, o que deve ser um motivo de orgulho pessoal.
Encontrei a coordenadora do colégio uma vez, a diretora umas duas vezes, a professora Dayse (me passa agora pela cabeça a quantidade enorme de grafias que esse nome comporta: Dayse, Daysi, Dayze, Dayzi, Daise, Daisi, Daize, Daizi, Deyse, Deysi, Deyze, Deyzi, Deise, Deisi, Deize, Deizi) umas duas. Os outros, talvez nem habitem mais o país e eu não tenho como saber. Menos, o professor Marcus Vinícius de Biologia.
Logo depois de sair do colégio, encontrava-o com alguma frequência no Shopping 3 Américas. Nos primeiros anos pós-colégio nos cumprimentávamos, mesmo que a distância. Marcus Vinícius certamente era o professor mais apaixonado pela sua disciplina que conheci. Falava de maneira delirante sobre floemas, xilemas, reprodução das plantas, taxonomia, fungos e bactérias.
Então se passaram longos anos em que ele se manteve neste mundo paralelo dos professores - ou eu estou exagerando, não é tão simples assim encontrar pessoas aleatórias pela rua - até que eu novamente encontrei Marcus Vinícius na Riachuelo do Shopping 3 Américas. Isso foi no fim de 2017. Olhei para ele algumas vezes e ele me olhou com uma cara de não saber se eu era um ex-aluno ou alguém que podia tentar atentar contra sua integridade física. Fiquei depois pensando que deveria ter dado um oi e perguntado se as coisas estavam boas, se ainda dava aulas, falado que eram bons tempos, que ele era um ótimo professor.
Eis que, dia desses, me aparece no Instagram um anúncio do colégio em que eu estudei. O Instagram deve pensar que eu já tenho filhos em idade escolar. Em uma das fotos do anúncio pude reconhecer o professor Marcus Vinícius diante de um quadro branco - os quadro negros (todos eles verdes) já foram abolidos. Fui tomado por aquela reconfortante sensação de que algumas coisas jamais mudam.
Pois bem, já estamos então no sábado passado e eu estou conhecendo o novo Shopping Estação Cuiabá. Depois de comer um bife à parmegiana no almoço, me encaminho para as escadas rolantes e quem é que estava vindo da direção contrária, bem na minha frente? Sim, o professor Marcus Vinícius, acompanhado de sua esposa. Novamente não falo nada e volto a pensar que poderia ter dito alguma coisa.
No dia seguinte então, estou eu fazendo compras no mercado, escolhendo um pé de alface lisa, quando do meu lado, chega ele, sim, ele o professor Marcus Vinícius para escolher um pé de alface crespa. Só pude reconhecer isso como uma espécie de sinal divino, essa série de aparições de professor Marcus Vinícius ao meu lado, como se ele fosse uma espécie de Fátima e eu fosse um pastorinho de Portugal.
Aí enfim, me dirijo a ele, me apresento e percebo em seu rosto àquela impressão de “só me resta acreditar que o que você está dizendo é verdade e que você realmente foi meu aluno 15 anos atrás” e nem posso culpá-lo, afinal, mais de cinco mil alunos já estiveram sentados nas cadeiras das salas por onde Marcus Vinícius explicou a Reficofage, mais de cinco mil alunos que podem ter sido bagunceiros, promissores, projetos de anticristo já aprenderam e esqueceram quem é que sobe e quem é que desce, se é o xilema ou o floema e para muito deles a paródia do clássico Bom Xibom de As Meninas não faz o menor sentido, afinal, alguns dos alunos que copiam em seus cadernos, ou em seus tablets, a função das mitocôndrias, dos ribossomos, do retículo endoplasmático e todas as outras estruturas celulares já nasceram depois de eu ter saído do colégio. Digo que ele era um ótimo professor, ele agradece e pergunta o que estou fazendo, respondo, ele diz que ainda está no mesmo colégio e fala para qualquer dia eu fazer uma visita. Fala que tudo bem e assim termina a história.
Ou não, talvez ela nunca termine porque há ainda muitos espaços públicos nessa cidade.
Tive alguns professores pelos quais guardo muito carinho e que depois nunca mais vi na minha vida. Assim como também pouco vi os professores dos quais eu não gostava e provavelmente já não lembro de tantos outros, que por uma razão ou outra não ficaram marcados na minha memória. Chego a pensar que professores não devem gostar muito de sair de casa, correr o risco de apanhar de algum aluno insatisfeito e, talvez muito pior, encontrar ex-alunos que ele não faz mais a menor ideia de quem são.
Se para nós que tivemos uns 50 professores de colégio já é difícil nos lembrar de todos, imagina para um professor que tem 50 alunos. Por dia. E que mudam todos os anos.
Lembro uma vez que eu encontrei o professor Rebelato, de química, no supermercado Modelo do Coxipó. Sim, era do tempo em que o Modelo ainda existia. Devia ser no ano seguinte ao qual eu havia saído do colégio e ele estava perto dos pães, tomando um café. Cumprimentei-o, assim como fizeram umas 12 pessoas nesse período. Uma figura o Rebelato, que certa vez relatou que já tinha fumado maconha e ensinou uma fórmula que nunca mais esqueci para saber que o correspondente do ácido sulfúrico é o sulfato, do clorídrico é o cloreto.
Bem, não exagero quando falo que outras 12 pessoas o cumprimentaram enquanto ele tomava um copinho de café de 50 ml. Minha turma tinha outros 30 alunos. Mais 30 na outra turma do 3º ano. Ele dava aula para os 1º e 2º anos, que também tinha duas turmas entre 30 e 40 alunos. Isso no meu colégio, nos três dias por semana que ele dava aula por lá. Ainda havia o cursinho e suas turmas de 50 alunos. O colégio público e mais alguns grupos de 40 estudantes. Chuto por baixo que ele tinha 400 alunos em um ano. Número que variava a cada giro do sol, com novos nomes entrando e outros tantos saindo de seu convívio diário. Não é a toa que tanto professor é candidato a vereador. É impossível que ele grave todos os nomes.
Lembro de uma vez que encontrei o professor Gonçalo de Física e tive que falar com ele de alguma forma, porque o encontrei na academia durante uns oito dias seguidos, fazendo com que fosse impossível fingir que éramos desconhecidos enquanto revezávamos uma polia. Ele fez um esforço para parecer que de alguma forma se lembrava de mim, ou da minha turma, até porque ele deu aula no meu colégio por poucos anos. Falou com saudade daquela época e que hoje em dia (esse hoje em dia era por volta de 2011) os alunos estavam muito mais difíceis e desrespeitosos. Uma vez encontrei a professora Vera, de História, que talvez tenha sido minha professora favorita. Era aniversário de outra professora/jornalista/amiga e acho que ela se lembrou vagamente de mim sim, o que deve ser um motivo de orgulho pessoal.
Encontrei a coordenadora do colégio uma vez, a diretora umas duas vezes, a professora Dayse (me passa agora pela cabeça a quantidade enorme de grafias que esse nome comporta: Dayse, Daysi, Dayze, Dayzi, Daise, Daisi, Daize, Daizi, Deyse, Deysi, Deyze, Deyzi, Deise, Deisi, Deize, Deizi) umas duas. Os outros, talvez nem habitem mais o país e eu não tenho como saber. Menos, o professor Marcus Vinícius de Biologia.
Logo depois de sair do colégio, encontrava-o com alguma frequência no Shopping 3 Américas. Nos primeiros anos pós-colégio nos cumprimentávamos, mesmo que a distância. Marcus Vinícius certamente era o professor mais apaixonado pela sua disciplina que conheci. Falava de maneira delirante sobre floemas, xilemas, reprodução das plantas, taxonomia, fungos e bactérias.
Então se passaram longos anos em que ele se manteve neste mundo paralelo dos professores - ou eu estou exagerando, não é tão simples assim encontrar pessoas aleatórias pela rua - até que eu novamente encontrei Marcus Vinícius na Riachuelo do Shopping 3 Américas. Isso foi no fim de 2017. Olhei para ele algumas vezes e ele me olhou com uma cara de não saber se eu era um ex-aluno ou alguém que podia tentar atentar contra sua integridade física. Fiquei depois pensando que deveria ter dado um oi e perguntado se as coisas estavam boas, se ainda dava aulas, falado que eram bons tempos, que ele era um ótimo professor.
Eis que, dia desses, me aparece no Instagram um anúncio do colégio em que eu estudei. O Instagram deve pensar que eu já tenho filhos em idade escolar. Em uma das fotos do anúncio pude reconhecer o professor Marcus Vinícius diante de um quadro branco - os quadro negros (todos eles verdes) já foram abolidos. Fui tomado por aquela reconfortante sensação de que algumas coisas jamais mudam.
Pois bem, já estamos então no sábado passado e eu estou conhecendo o novo Shopping Estação Cuiabá. Depois de comer um bife à parmegiana no almoço, me encaminho para as escadas rolantes e quem é que estava vindo da direção contrária, bem na minha frente? Sim, o professor Marcus Vinícius, acompanhado de sua esposa. Novamente não falo nada e volto a pensar que poderia ter dito alguma coisa.
No dia seguinte então, estou eu fazendo compras no mercado, escolhendo um pé de alface lisa, quando do meu lado, chega ele, sim, ele o professor Marcus Vinícius para escolher um pé de alface crespa. Só pude reconhecer isso como uma espécie de sinal divino, essa série de aparições de professor Marcus Vinícius ao meu lado, como se ele fosse uma espécie de Fátima e eu fosse um pastorinho de Portugal.
Aí enfim, me dirijo a ele, me apresento e percebo em seu rosto àquela impressão de “só me resta acreditar que o que você está dizendo é verdade e que você realmente foi meu aluno 15 anos atrás” e nem posso culpá-lo, afinal, mais de cinco mil alunos já estiveram sentados nas cadeiras das salas por onde Marcus Vinícius explicou a Reficofage, mais de cinco mil alunos que podem ter sido bagunceiros, promissores, projetos de anticristo já aprenderam e esqueceram quem é que sobe e quem é que desce, se é o xilema ou o floema e para muito deles a paródia do clássico Bom Xibom de As Meninas não faz o menor sentido, afinal, alguns dos alunos que copiam em seus cadernos, ou em seus tablets, a função das mitocôndrias, dos ribossomos, do retículo endoplasmático e todas as outras estruturas celulares já nasceram depois de eu ter saído do colégio. Digo que ele era um ótimo professor, ele agradece e pergunta o que estou fazendo, respondo, ele diz que ainda está no mesmo colégio e fala para qualquer dia eu fazer uma visita. Fala que tudo bem e assim termina a história.
Ou não, talvez ela nunca termine porque há ainda muitos espaços públicos nessa cidade.
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