Dava para ver em sua expressão corporal que ele estava fazendo uma obra de arte. Os carros passavam devagar na sequência de três quebra-molas em frente a uma escola na Morada do Ouro, mas nada desconcentrava o pintor que desenvolvia seu processo criativo em um muro de Igreja.
O desenho, como não poderia deixar de ser, tinha motivação bíblica. Em um campo, Jesus - o nosso pastor - era seguido por um grupo de ovelhas, mas, mais do que isso, carregava uma ovelha em suas costas, como se estivesse participando de um crosfit da antiguidade. Cada par de patas do ovídeo se debruçava sobre cada ombro do filho de Deus, com o torso macio e coberto de lã do animal envolvendo seu pescoço santo.
Dentro dessa composição, nada tomou mais tempo do artista do que o céu. O espaço pintado todo de azul foi ganhando pinceladas precisas de tinta branca, mostrando que o tempo estava parcialmente nublado naquele dia, naquele pasto. O pintor recuava dois ou três passos, analisa sua obra, a composição, a quantidade de nuvens, as proporções e então voltava para uma nova pincelada.
Até que um dia a pintura ficou pronta. Isso foi há quatro anos. O muro outrora bege, passou a ser adornado por essa figura sagrada e atlética e coloria minha paisagem cotidiana, nas vezes em que eu pegava esse trajeto para ir ao trabalho.
No entanto, nem todo o esforço artístico do pintor foi o suficiente para que a obra resistisse ao tempo. A má-qualidade do material utilizado foi aos poucos se apagando e Jesus foi ficando cada vez mais desbotado, adquirindo uma aparência fantasmagórica naquele muro de igreja. O céu nublado que tanto esforço e dedicação mereceu foi aos poucos ficando completamente branco.
Até o momento em que a paróquia, ao invés de fazer um novo chamado artístico para retocar àquela obra, resolveu pintar o muro novamente de bege. Assim sendo, todo àquele esforço do pintor foi em vão. Quem tivesse por um lapso temporal demorado quatro anos para passar pelo menos lugar teria encontrado antes e agora o mesmo muro bege, sem ter ideia de que um jesus carregando ovelhas nas costas, fruto de um imensurável esforço artístico, morou naquele pedaço da construção no meio disso tudo.
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