Pular para o conteúdo principal

Dória, o prefeito dos nossos tempos

João Dória foi o grande fenômeno das últimas eleições municipais. Ganhou a prefeitura de São Paulo no primeiro turno, em uma cidade que nunca antes havia ficado em casa em um dia de segundo turno. Empresário com múltiplas atuações, nenhuma delas claramente explicável, Dória ganhou a eleição aproveitando o enorme antipetismo da capital paulista e também o sentimento antipolítico que ganhou força neste Brasil pós-Lava Jato.

Nos seus 45 primeiros dias enquanto prefeito da maior cidade brasileira, Dória se notabilizou pela aposta no marketing, em ações de efeito imediato, pelas parcerias com empresas privadas, se envolveu em uma polêmica com grafiteiros e se fantasiou de gari, pedreiro e de tantas outras funções desempenhadas por servidores de uma Secretaria de Serviços Urbanos.

A imagem de Dória vestido de gari, em seu primeiro dia de mandato, ao lado de todos os seus secretários municipais, pode parecer extremamente ridícula para mim e para um eleitorado mais a esquerda. No entanto, as suas fotos geraram milhares de likes nas redes sociais, geraram engajamento como se diz e aumentaram sua popularidade e a imagem de João Trabalhador construída na campanha. Passado o primeiro mês de seu mandato, é possível dizer que João Dória é o modelo de prefeito do tempo em que vivemos e não duvido que seu jeito de ser se transforme em um novo paradigma de administração, para o bem e para o mal.

A revolução tecnológica mudou completamente o mundo, nos acostumamos com a instantaneidade das coisas e esperamos rapidez, agilidade para tudo. Além disso, vivemos uma época de impaciência com a classe política. Os anos de desmando, os atrasos, a falta de avanços claros e tudo mais contribuem para este descrédito. A população quer respostas rápidas para os seus problemas cotidianos, não quer esperar por soluções.

Ao se vestir de gari, ou de pedreiro, Dória dá essa espécie de resposta imediata a população. Mostra que está lá na rua, para tapar os buracos. Cria esse mutirão de respostas rápidas que é o Cidade Linda. Investe na melhora da aparência da cidade e rende um bom marketing.

O Facebook e as outras redes sociais, sabemos, são um espaço de divulgação da nossa vida que deu certo. Um meio de mostrar nossos sucessos, o lado bom da nossa existência, os momentos de felicidade e que devem ser compartilhados com todos. Tampando buracos, varrendo ruas fantasiado, Dória mostra as ações positivas de sua gestão e recebe os seus likes, corações, alcança as pessoas e gera engajamento.

Há de se discutir se um prefeito não tem mais coisas para fazer na vida e certamente tem. Os principais problemas de uma cidade não serão resolvidos rapidamente, mas como foi dito, a população não tem paciência para isso. Existem centenas de servidores contratados para fazer os serviços de manutenção da cidade e é certamente ridículo que o prefeito tenha que varrer ruas por dez segundos, diante de uma multidão televisiva. Mas, gera likes. Suas postagens no Facebook, sempre acompanhadas da #JoãoTrabalhador alcançam mais de 100 mil reações. Um digital influencer.

O estilo mãos na obra de Dória começa a ser replicado por vários administradores. Aqui em Cuiabá o prefeito Emanuel Pinheiro posa para as lentes tampando buracos, tirando lixo da rua ao lado de uma ONG ambiental. Imagino quantos prefeitos do Brasil, governadores, gestores, não estejam fazendo isso potencializados pelo efeito Dória. Não é uma solução profunda, mas gera likes, garante paz para a administração.

Além disso, a exposição das fotos em redes sociais gera um fato novo todo dia. Algo a ser debatido pelas pessoas para o bem e para o mal, mas ainda assim uma amenidade. Desvia o foco de problemas maiores e isso pode ser excelente para a criação de uma imagem. Ao realizar os atos imediatistas potencializados pelas mídias sociais, o não-político Dória pode inaugurar um paradigma administrativo para as futuras gerações que pretendam chegar ao poder e lá se manter. Enquanto se fantasia de gari, o esgoto pode correr a céu aberto na periferia que o prefeito está no centro das atenções.

***
Outra questão interessante da gestão Dória é relacionada as parcerias para a manutenção da cidade. João Dória ficou famoso e com fama de bom empresário, graças a sua capacidade de vender negócios, incluindo o seu próprio negócio. Publica revistas que ninguém lê, promove eventos que quase ninguém sabe que existem, mas que se tornam extremamente importante para aqueles que participam. Participar de um evento do grupo Lide significa a possibilidade de conseguir grandes negócios. Participar destas reuniões é uma garantia para as possíveis perdas decorrentes de sua ausência.

Até agora empresas automotivas já forneceram veículos para atuar na fiscalização da marginal Tietê. A Suvinil forneceu tinta para pintar um monumento. A ponte estaiada foi pintada e reformada com a ajuda de um pool de empresas que bancou toda a empreitada. Outra empresa forneceu novos banheiros públicos e por aí vai.

Sempre há uma questão ideológica em toda a parceria público-privada, por menor que seja. Há quem seja absolutamente contra, quem não veja problemas e quem acredita que é preciso alguma forma de controle, para que a relação seja estritamente profissional, sem que gere qualquer tipo de benefícios indevidos para qualquer lado. Neste caso, a parceria não envolve nenhum pagamento financeiro do Estado para as empresas. Os serviços são constatados nos balanços como doações. Mas, o que paga é o marketing.

Questionado, Dória afirmou que estimula a cidadania das empresas. Que o que paga os investimentos é o sentimento de pertencer a algo, de fazer o bem, algo que ele quer resgatar na população em geral. Mas, a cada nova parceria, a cada nova entrega sem custos ao erário público, o prefeito anuncia seu feito nas redes socais. Cita a entrega, o nome da empresa responsável e destaca a eficiência do uso dos recursos públicos e como aquilo será bom para todos.

Um comercial de 30 segundos no intervalo do Jornal Nacional custa mais de R$ 300 mil. Em outras emissoras o valor também pode chegar a R$ 200 mil. Uma campanha da Mitsubishi, por exemplo, com uma semana de exibição comercial em três emissoras pode chegar facilmente a R$ 10 milhões. A doação de meia dúzia de veículos, com direito a citação da empresa pelo prefeito da maior cidade do país supera o investimento feito em publicidade. Além de tudo, a empresa ainda fica associada com uma boa causa. O investimento publicitário vai ajudando a administrar a cidade.

Lógico que poucos prefeitos teriam chance de utilizar essa espécie de extorsão comercial misturada ao investimento publicitário. Acredito que só o prefeito do Rio de Janeiro, no máximo uns cinco governadores, não creio que surtiria efeito para um presidente. Em Cuiabá, por exemplo, que empresa lucraria doando R$ 1 milhão para reformar uma ponte? Não há retorno suficiente com este investimento.
***
Com sua ampla divulgação nas redes sociais, tendência ao cosplay, e utilização insana do marketing, acredito que Dória é o prefeito dos nossos tempos, não que isso seja algo muito bom, depende da sua avaliação sobre que tempos são esses. Se o seu jeito de ser conseguir trazer alguns resultados, ou pelo menos omitir a falta deles, abafar as crises com selfies, não tenho dúvida que nas próximas eleições teremos diversos protótipos de Dória disputando eleições executivas no país. E aí, haja paciência dos membros de suas equipes para acordar de madrugada para fazer mutirões de limpeza.

Comentários

Postagens mais visitadas

Desgosto gratuito

É provável que se demore um tempo para começar a gostar de alguém. Você pode até simpatizar pela pessoa, ter uma boa impressão de uma primeira conversa, admirar alguns aspectos de sua personalidade, mas gostar, gostar mesmo é outra história. Vão se alguns meses, talvez anos, uma vida inteira para se estabelecer uma relação que permita dizer que você gosta de uma pessoa. (E aqui não falo de gostar no sentido de querer se casar ou ter relações sexuais com outro indivíduo). O ódio, por outro lado, é gratuito e instantâneo. Você pode simplesmente bater o olho em uma pessoa e não ir com a cara dela, ser místico e dizer que a energia não bateu, ou que o anjo não bateu, ou que alguma coisa abstrata não bateu. Geralmente o desgosto é recíproco e, se parar para pensar, poucas coisas podem ser mais bonitas do que isso: duas pessoas que se odeiam sem nenhum motivo claro e aparente, sem levar nenhum dinheiro por isso, sem nenhuma razão e tampouco alguma consequência. Ninguém vai se matar, brigar n...

Os 27 singles do Oasis: do pior até o melhor

Oasis é uma banda que sempre foi conhecida por lançar grandes b-sides, escondendo músicas que muitas vezes eram melhores do que outras que entraram nos discos. Tanto que uma coletânea deles, The Masterplan, é quase unanimemente considerada o 3º melhor disco deles. Faço aqui então um ranking dos 27 singles lançados pelo Oasis, desde o pior até o melhor. Uma avaliação estritamente pessoal, mas com alguns pequenos critérios: 1) São contados apenas o lançamentos britânicos, então Don't Go Away - lançado apenas no Japão, e os singles australianos não estão na lista. As músicas levadas em consideração são justamente as que estão nos lançamentos do Reino Unido. 2) Tanto a A-Side, quanto as b-sides tem o mesmo peso. Então, uma grande faixa de trabalho acompanhada por músicas irrelevantes pode aparecer atrás de um single mediano, mas com lados B muitos bons. 3) Versões demo lançadas em edições especiais, principalmente a partir de 2002, não entram em contra. A versão White Label de Columbia...

Tentando entender

Talvez a esquerda tenha que entender que o mundo mudou. A lógica da luta coletiva por melhorias, na qual os partidos de esquerda brasileiros se fundaram na reabertura democrática, não existe mais. Não há mais sindicatos fortes lutando por melhorias coletivas nas condições de trabalho. Greves são vistas como transtornos. E a sociedade, enfim, é muito mais individual. É uma característica forte dos jovens. Jovens que não fazem sexo e preferem o prazer solitário, para não ter indisposição com a vontade dos outros. Porque seria diferente na política? O mundo pautado na comunicação virtual é um mundo de experiências individuais compartilhadas, de pessoas que querem resolver seus problemas. É a lógica por trás do empreendedorismo precário, desde quem tem um pequeno comércio em um bairro periférico, passando por quem vende comida na rua, ou por quem trabalha para um aplicativo. Não são pessoas que necessariamente querem tomar uma decisão coletiva, mas que precisam que seus problemas individua...