Pular para o conteúdo principal

500 dias depois: Santa Cruz do Xingu

Para chegar em Santa Cruz do Xingu, você precisa passar por uma longa estrada de terra que a cada quilômetro fica pior. Bem, na verdade você tem a impressão de que se distância da civilização. No caminho, você cruza com mais tatus do que com outros carros.

Almoçamos em um posto de gasolina no meio do nada, com aquela estranha sensação que temos quando encontramos pessoas no meio do nada. Nunca tenho coragem de comer carne nesses lugares. Acho que pode ser uma das vacas que eu vi pelo caminho. Quero ter uma relação profissional com minha comida, mas acho que fiquei impactado com a cena de um bezerro atropelado e uma vaca olhando o cadáver com uma dor materna.

Pegamos um caminho errado e andamos por estradas secundárias, com a impressão de que a qualquer momento uma onça ou um índio invadiriam a pista.

Santa Cruz tem menos de 2 mil habitantes. Uma rua principal asfaltada, cercada de muitas ruas de um barro úmido, impregnados pela escuridão. 

Existem apenas dois hotéis na cidade. Estou no melhor dos dois Kaiapi "Eco Hotel", com uma dona corcunda e quartos com portas no estilo oncinha. As paredes um dia foram brancas e caminham lentamente para se tornarem marrons.

Há um ventilador que deixei ligado desde a hora que cheguei, para espantar o mau cheiro. Funcionou. Ou o meu nariz se acostumou. O teto é decorado por teias de aranha centenárias e há um fiapo de poeira balançando com o vento, que parece cada vez mais se aproximar de mim. Se não tivesse visto a menina limpando o chão, acreditaria que ele jamais tivesse sido varrido.

Estou postergando minha ida ao banheiro, para evitar o cheio. Duas simpáticas aranhas habitam o seu teto e imagino que seja melhor tomar banho amanhã. A privada não tem tampa e é preciso fazer força para fechar a porta. Felizmente estou sozinho no quarto.

O outro hotel, o pior, é o Dormitório Silva. Não passei por ele, mas quem foi descreve a experiência como se tivesse visto a faixa de gaza.

Se eu olhar o travesseiro sem fronha mais uma vez, acho que não durmo mais.

Comentários

Postagens mais visitadas

Oasis e a Cápsula do Tempo

Não dá para entender o Oasis pensando apenas na relevância das suas músicas, nos discos vendidos, nos ingressos esgotados ou nas incontáveis exibições do videoclipe de Wonderwall na MTV. Além das influências musicais, das acusações de plágio e das brigas públicas, o Oasis faz parte de um fenômeno cultural (um pouco datado, claro), mas é uma banda que captou o espírito de uma época e transformou isso em arte, promovendo uma rara identificação com seus fãs. Os anos 1990 foram marcados por problemas econômicos no mundo inteiro. Uma juventude já desiludida não via muitas perspectivas de vida. A Guerra Fria havia acabado, uma nova revolução tecnológica começava, o Reino Unido vivia uma crise pós governo Thatcher e nesse cenário surge um grupo cantando letras incrivelmente ousadas para meros desconhecidos.  Definitely Maybe, primeiro disco do grupo, fala sobre curtir a vida de maneira meio sem propósito e sem juízo. A diversão que só vem com cigarros e álcool, o sentimento supersônico de...

Oasis de 1 a 7

Quando surgiu em 1994, o Oasis rapidamente se transformou em um fenômeno midiático. Tanto por suas canções radiofônicas, quanto pela personalidade dos irmãos Gallagher. Eles estiveram na linha frente do Britpop, movimento que redefiniu o orgulho britânico. As letras arrogantes, o espírito descolado, tudo contribuiu para o sucesso. A discografia da banda, no entanto, não chega a ser homogênea e passa a ser analisada logo abaixo, aproveitando o retorno do grupo aos palcos brasileiros após 16 anos.  Definitely Maybe (1994) O primeiro disco do Oasis foi durante muito tempo o álbum de estreia mais vendido da história do Reino Unido. Foi precedido por três singles, sendo que dois deles são clássicos absolutos - Supersonic e Live Forever . O vocalista Liam Gallagher cantava em algum lugar entre John Lennon e Ian Brown, enquanto o som da banda bebia de quase tudo o que o Reino Unido havia produzido nos 30 anos anteriores (Beatles, T. Rex, Sex Pistols, Smiths, Stone Roses). O disco começa c...

Somos todos Leicester

O que era inacreditável, o que parecia impossível agora é verdade. O Leicester é o campeão inglês da temporada 2015-16. Incrível que o título tenha vindo de maneira até confortável, com duas rodadas de antecedência. Incrível que mesmo com a folga na tabela e a liderança estável nas últimas rodadas, era impossível acreditar que o título realmente viria. Parecia que a qualquer momento os Foxes poderiam desabar. O que mais falar sobre esse time? Formado por uma série de refugos, jovens que jamais explodiram, uma ou outra promessa. Filho de goleiro, zagueiro jamaicano e zagueiro alemão grosso, atacante japonês, atacante que até outro dia jogava no futebol amador. Não há nada parecido com o que Leicester fez nesse ano na história do futebol. Talvez na história do esporte. O título do Leicester é uma das maiores façanhas da história da humanidade. Não há o que falar, o que teorizar. Só resta olhar esse momento histórico e aceitar que às vezes o impossível acontece. Que realmente nada é i...