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A bola que veio de algum lugar

Eis que então acontece: apareceu uma bola no quintal.

Primeiro fui tomado pelo susto. Não tenho mais nenhuma bola. As que eu tinha foram devoradas pelos cachorros ou pelo tempo. Ressecadas pela chuva e pelo sol, se desfizeram. Envelheceram, tais quais as coisas envelhecem e chegam ao seu fim.

Não demorou muito para perceber que esta bola veio de algum outro lugar. Da casa de trás, talvez, mas o muro é alto. Mais provável que tenham sido as crianças da casa da frente, os novos vizinhos que chegaram. Deve ser. Tais crianças jogam bola de dia, de tarde e de noite, no gol do portão.

Fico na dúvida. Mas porque não vieram pedir a bola? Ela acabaria sendo devolvida, sem maldade. Penso se deveria tomar a atitude de devolver, não sei. Não tenho certeza se a bola é de lá.

A bola acaba ficando e logo é meio devorada pelos cachorros. Lá está uma bola, ainda uma bola, mas parcialmente destruída com sua câmara exposta. Imagino que mesmo se os vizinhos pedissem a bola, não teria coragem de devolver aquele pedaço de infância semi-destruído.

Lembro-me bem, cada bola minha que furava, me machucava. Outras bolas poderiam vir, mas ela não viria com a mesma história. Dos mil gols marcados no portão, das defesas praticadas. Na minha infância, pelo menos, uma bola sempre foi uma garantia de diversão. Bastava haver uma bola, para que o tédio morresse.

E assim vejo a bola, que já era meio velha. E penso na história que a bola carrega. Bem, bobagem. Deve ser só um sentimentalismo meu.

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