Pular para o conteúdo principal

O pulo no muro

Passo por uma rua do Boa Esperança e vejo um cidadão em frente a um portão, com o pé apoiado no portão num típico gesto de alguém que busca tomar impulso para pular alguma coisa, no caso o portão. O cidadão nota a minha presença e desiste. Passo por ele e olho pelo retrovisor ele pulando o portão.

Como tudo na vida, existem muitas hipóteses para esta situação. Ele poderia ser um morador da casa, que por algum motivo está trancado do lado de fora. Esqueceu a chave, o portão fechou sem querer e ele está ali, tentando voltar para dentro. Ou então, ele poderia ser um assaltante, calculando o momento para subtrair objetos de valor da residência.

E sua reticência em pular diante da minha presença? Bem, sendo um assaltante, ele não quis ser flagrado em pleno ato. Ou, sendo um morador esquecido, ele não quis que eu pensasse que ele era um assaltante e, constrangido, esperou minha passagem para pular o portão.

E eu? Eu poderia ligar para polícia. Se ele fosse um assaltante disfarçado, poderia salvar o dia de alguma família, que não teria o desprazer de chegar em casa e perceber que a televisão foi roubada, ou do morador que é surpreendido por um marginal em sua sala de jantar. Se ele fosse apenas um morador distraído e constrangido, eu aumentaria ainda mais o seu constrangimento, tendo que explicar que ele não estava tentando assaltar sua própria casa.

Mas eu não liguei. Posso ter contribuído para estragar a vida de um morador. Ou deixei apenas um morador em paz. Qual é a verdade, qual é a versão real dos fatos? Nunca saberei. Só resta esperar e escolher a opção que traga menos desgaste, ao menos para mim.

Comentários

Postagens mais visitadas

Aonde quer que eu vá

De vez em quando me pego pensando nisso. Como todos sabem, Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, sofreu um acidente de avião em 2001. Acabou ficando paraplégico e sua mulher morreu. Existe uma música dos Paralamas, chamada "Aonde quer que eu vá" que é bem significativa. Alguns trechos da letra: "Olhos fechados / para te encontrar / não estou ao seu lado / mas posso sonhar". "Longe daqui / Longe de tudo / meus sonhos vão te buscar / Volta pra mim / vem pro meu mundo / eu sempre vou te esperar". A segunda parte, principalmente na parte "vem pro meu mundo" parece ter um significado claro. E realmente teria significado óbvio, se ela fosse feita depois do acidente. A descrição do acidente e de estar perdido no mar "olhos fechados para te encontrar". E depois a saudade. O grande detalhe é que ela foi feita e lançada em 1999. Dois anos antes do acidente. Uma letra que tem grande semelhança com fatos que aconteceriam depois. Assombroso.

Imola 94

Ayrton Senna era meu herói de infância. Uma constatação um tanto banal para um brasileiro nascido no final dos anos 80, todo mundo adorava o Senna, mas eu sentia que era um pouco a mais no meu caso. Eu via todas as corridas, sabia os resultados, o nome dos pilotos e das equipes. No começo de ano comprava revistas com guias para a temporada que iria começar, tinha um macacão e um carrinho de pedal com o qual dava voltas ao redor da casa após cada corrida. Para comemorar as vitórias do Senna ou para fazer justiça com meus pedais as suas derrotas. Acidentes eram parte da diversão de qualquer corrida. No meu mundo de seis anos, eles corriam sem maiores riscos. Pilotos por vezes davam batidas espetaculares, saiam ricocheteando por aí e depois ficava tudo bem. Já fazia 12 anos que ninguém morria em uma corrida. Oito sem ninguém morrer em qualquer tipo de acidente. Os últimos com mais gravidade tinham sido o do Streiff e do Martin Donelly, mas eu nem sabia disso, para dizer a verdade. Não sab

Fã de Esporte

A vida no começo de 2005 era um pouco estranha. Eu tinha saído do colégio e passado no vestibular para jornalismo. Mas, devido ao atraso de programação provocado pelas greves, as aulas iriam começar só no final de abril. Foram quatro meses de um pequeno vácuo existencial. Talvez fosse até bom tirar um período sabático após o fim do Ensino Médio, mas seria melhor se fosse algo programado, enfim. Nesse período, boa parte da minha vida se dedicava a acompanhar a programação da ESPN Brasil. Não que eu já não acompanhasse antes, o Linha de Passe da segunda-feira era um compromisso de agenda há algum tempo, assim como o Sportscenter no fim do dia, principalmente nos dias de rodada noturna na quarta-feira. Eram tempos que a internet ainda engatinhava e o Sportscenter era uma grande oportunidade de saber os resultados da rodada. Aquela ESPN de José Trajano moldou o caráter de uma geração de jornalistas e fãs de esporte, como eles passaram a chamar seus telespectadores. Sempre gerava ironias de