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George Harrison de 1 a 10

A carreira solo de George Harrison talvez seja a mais consistente entre todos os ex-integrantes dos Beatles. Entre sua estreia avassaladora até o seu último disco póstumo, George entregou uma série de álbuns razoáveis, sem tantos momentos erráticos quanto seus ex-companheiros. Vamos a uma breve análise da sua discografia.

Estreias experimentais
Antes de tudo havia o barulho. A estreia solo oficial de George Harrison é com o álbum Wonderwall Music de 1968, trilha sonora para o filme experimental Wonderwall (alô Noel Gallagher). É uma trilha incidental de base indiana, mas você pode até gostar de Ski-Ing. Em 1969 George lançou Electronic Sound, que avança no território da música eletrônica de vanguarda. (John Lennon havia feito a mesma coisa em parceria com Yoko Ono nessa época). Deixo qualquer opinião para os especialistas.

All Things Must Pass (1970)

Estreia de fato de George, All Things Must Pass é um disco triplo, sendo que o terceiro LP é uma grande jam experimental. O álbum foi oportunidade para Harrison dar vazão a toda a criatividade represada durante seu período nos Beatles, canções contidas pelo domínio da dupla Lennon/McCartney. Por mais que Plastic Ono Band choque pela crueza e McCartney seja um protótipo de música lo-fi, é difícil argumentar contra a vitória de Harrison no primeiro round de uma batalha imaginária envolvendo as carreiras solo dos Fab Four. O álbum foi embalado pelo hit My Sweet Lord, mas por trás desta porta fechada há uma série de canções espetaculares. Desde a nervosa Wah-Wah, passando pelas parcerias com Bob Dylan - If Not For You e I’d Have you Anytime, a belíssima All Things Must Pass e a épica Isn’t it a Pity. A guitarra de George chora gentilmente, cheio de confiança de um música que de certa forma podia explorar livremente sua criatividade artística. George nunca mais conseguiu igualar a qualidade de sua estréia, mas, convenhamos, seria difícil para qualquer um.

Living in the Material World (1973)

O segundo álbum de Harrison foi um mergulho em direção a sua espiritualidade. Letras filosóficas que refletem seu estilo de vida, guitarras perfeitas e vocais seguros. Mas, tem hora que passa um pouco do ponto. Dependendo do dia, Living in the Material World pode ser tanto um belíssimo disco quanto uma coleção de canções chatas. Give me Love foi mais um grande sucesso, Be Here Now faz qualquer um ter fé, mas, tudo cansa um pouco.

Dark Horse (1974)

Aqui George deixa a espiritualidade um pouco de lado (um pouco) para entrar em um assunto mais mundano: o divórcio. É um disco sobre traição, já que George foi traído por Pattie Boyd, mas também a traiu. Mas, o problema desse disco é que a voz de Harrison está horrível, a qualidade da gravação não é boa e as músicas não são muito inspiradas. Sim, tudo está ruim para um George deprimido e alcoólatra. So Sad é uma faixa razoável, mas o resultado foi tão decepcionante que a crítica massacrou o ex-Beatle e sua carreira solo deixou de ser interessante para a maioria das pessoas.

Extra Texture (Read All About It) (1975)

Cada vez mais no fundo do poço, George trata esse disco com uma espécie de resposta ao massacre promovido pela crítica especializada ao Dark Horse. O resultado é tão inconsistente quanto a vida de Harrison nessa época, mas pelo menos os fãs são presenteados por uma bela canção: The Answer’s at the End. Um disco razoável, mas que não empolga.

Thirty Three & 1/3 (1976)

A vida de Harrison começa a se reerguer aos poucos. Apaixonado por Olivia Harrison, ele começa a acalmar a mente e se livrar dos vícios. Além disso, após o fim do contrato com a EMI, George passa a controlar melhor sua produção artística, o que resgata um pouco o senso de liberdade de sua estreia. Thirty Three & ⅓ é um disco mais ensolarado que os anteriores, com algumas canções assobiáveis como Beautiful Girl, This Song e Crackerbox Palace. Curiosidade, o 3 de 1/3 foi estilado como o símbolo do Om (ॐ). 

George Harrison (1979)

O disco de um homem que encontra a felicidade. Após anos na estrada, George resolveu aproveitar a vida para viajar com sua esposa e assistir corridas de Fórmula 1. Esse disco é resultado de uma viagem para o Hawaii e os amigos que fez na Fórmula 1. Logo no início ele avisa “às vezes leva tempo, mas o amor vem para todo mundo”. Como discordar de um homem com esse espírito? Faster foi uma homenagem para Niki Lauda e Ronnie Peterson, com um clipe cult para os fãs de corrida. Ele finalmente conseguiu concluir Not Guilty, música que foi gravada mais de 100 vezes e enlouqueceu os Beatles na época do White Album. Trabalho ensolarado de alguém que viu que o amor chegou.

Somewhere in England (1981)

Uma primeira versão deste trabalho foi rejeitada pela gravadora Warner em setembro de 1980. Para os executivos da empresa, o disco era muito descontraído e não poderia ser levado a sério. Resultado talvez da leveza que Harrison via na vida neste momento. Porém, durante o processo de regravação veio a tragédia: John Lennon foi assassinado na porta do seu prédio em Nova York. A tristeza serviu como inspiração e All Those Years Ago, tributo ao amigo, se transformou em seu maior sucesso em quase uma década. Mesmo assim, Somewhere in England é um disco relaxado que começa a flertar com uma produção oitentista e não entrega muitos momentos inesquecíveis.

Gone Tropo (1982)

Provavelmente nem George Harrison levou esse disco muito a sério. Cansado da indústria musical e das demandas de uma personalidade pública, George não se esforçou muito no trabalho e na promoção. Também, pouca coisa se salva, talvez Mystical One. O primeiro single, Wake Up My Love tem um sintetizador safado que faz com que a música pareça algum projeto satírico de Santo Cilauro (veja Supersonic, Electronic). Baby Don’t Run Away e Circles fecham o disco de forma aborrecida. Circles, aliás, é mais uma canção perdida do White Album, que chegou a ser trabalhada para o disco de 1979 mas só veio ao mundo de forma oficial aqui.

Cloud Nine (1987)

Após um breve hiato da música, Harrison renovou as energias em outras atividades, como a produção de filmes dos seus amigos do Monty Python. Ao lado de Jeff Lynne ele voltou aos estúdios após cinco anos. O fundador da ELO ajudou a dar aquele clima meio decadente de artista velho tentando parecer jovem, típico da sua produção. Mas, o disco tem qualidades como That’s What it Takes, Just for Today e Sompleace Else. O cover de Got My Mind Set on You se transformou no seu maior sucesso após My Sweet Lord e não há como explicar isso direito. A crítica adorou e disse que Cloud Nine era o melhor disco do ex-Beatle desde sua estreia. (Isso foi dito sobre quase todos os seus discos pós-Dark Horse, o que mostra como seus trabalhos não eram geniais para serem aclamados, mas tampouco ruins o suficiente para serem achincalhados). Satisfeito e rejuvenescido, George saiu em turnê pela primeira vez em mais de uma década. No fim, este seria seu último trabalho lançado ainda em vida.

Brainwashed (2002)

O ano era 1988. Um ano após o lançamento de Cloud Nine, George Harrison começou a trabalhar em músicas para o seu novo disco que só veria a luz do dia 14 anos depois. Nesse período, o tempo foi passando e o trabalho precisou ser interrompido diversas vezes, ora por conta de trabalhos com os Traveling Wilburys, ora pela dedicação ao projeto Anthology. Nesse meio período Harrison ainda precisou se tratar de um câncer na garganta e em 1999 foi esfaqueado por um homem em surto, na sua famosa casa de Friar Park. Em 2001 o câncer voltou e se espalhou para o seu cérebro. Ciente de que a situação era irreversível, George começou a trabalhar loucamente para finalizar suas últimas canções, lógico que respeitando o corpo debilitado. Não deu tempo, mas ele deixou um manual para o seu filho Dhani e para seu amigo Jeff Lynne de como finalizá-lo. George morreu em novembro de 2001 e alguns meses após o luto, os dois começaram a finalizar o disco. É um belo conjunto de canções, gravadas ao longo de 13 anos. Uma síntese do estilo George, com sua guitarra gentil embalando suas ponderações filosóficas e espirituais. Suas gloriosas últimas palavras para o mundo. Se você não sabe para onde está indo, qualquer estrada vai te levar lá.

Para terminar, a minha lista do pior até o melhor disco do George Harrison.

10 Gone Tropo (1982)
9 Dark Horse (1974)
8 Somewhere in England (1981)
7 Extra Texture (Read All About It) (1975)
6 Cloud Nine (1987)
5 George Harrison (1979)
4 Thirty Three & 1/3 (1976)
3 Brainwashed (2002)
2 Living in the Material World (1973)
1 All Things Must Pass (1970)

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