Não haveria escolha melhor para abrir um show do Oasis do que Richard Ashcroft. O ex-vocalista do The Verve sempre esteve associado aos irmãos Gallagher e durante muito tempo, conhecer o grupo de Wigan era o passo seguinte para os fãs do Oasis. Afinal, o Verve também tinha baladas grandiosas, refrões épicos e aquele senso de grandiosidade Britpop que marcaram o grupo dos irmãos.
Bem, pelo menos quando falamos do Urban Hymns, grande sucesso do Verve. Quem se atrevia a ir além geralmente quebrava a cara, batendo nas paredes de guitarras reverberando, letras depressivas e experimentações psicodélicas que marcaram os primeiros discos do grupo liderado por Ashcroft, que também contava com Nick McCabe nas guitarras, Simon Jones no baixo e Peter Salisbury nas baterias.
Ashcroft era um tipo diferente dentro do universo Britpop. Ele era o que se pode chamar de gênio atordoado, esse arquétipo tão comum no meio da música. Enquanto Liam e Noel Gallagher eram hooligans com algum senso comunitário, Damon Albarn era um intelectual estudante de artes e Jarvis Cocker era um dândi esquisitão, cronista urbano, Ashcroft flertava com a loucura, o desespero e aquela sensação de estar sendo esmagado.
(Thom Yorke é um gênio perturbado, mas o Radiohead sempre tentou fugir do Britpop. E há Richey Edwards do Manic Street Preachers. Mas este era muito mais um exemplo de comportamento autodestrutivo, niilista. Quase um Sid Vicious dos tempos modernos).
A Northern Soul é o melhor disco que o Verve lançou - uma verdade que poucas pessoas vão aceitar. Guitarras ecoando ao infinito, vocais cativantes e letras arrasadoras (não há dúvidas de que Ashcroft é o melhor letrista de sua geração), que mostram uma pessoa prestes a desmoronar e tentando se segurar onde der. O álbum pode ser resumido em: você chega nesse mundo sozinho e vai embora dele sozinho, frase repetida em mais de uma música.
O clima no Verve não era dos mais amigáveis e eles acabaram três vezes. Ashcroft partiu em uma carreira solo errática, tentando por muitas vezes emular o sucesso de baladas com cordas, mas, por mais que Keys to the World seja um disco agradável, A Song for the Lovers é uma música insuportável.
No fim das contas, Ashcroft é um típico caso de compositor que foi soprado pela magia do sucesso em 1997, mas este vento foi embora e ele nunca mais conseguiu encontrá-lo. Mas, a música é eterna e os sucessos não são apagados. E é com esse espírito que ele abriu quase toda a turnê de reencontro dos Gallaghers.
(A relação entre Richard, Liam e Noel é antiga, com algumas turnês em conjunto e noites de farra. Certa vez na Suécia eles acabaram com o estoque de bebidas do bar do hotel, quebraram o estabelecimento e, após serem expulsos, acabaram invadindo uma igreja para roubar o vinho da eucaristia. Ashcroft dedicou a canção A Northern Soul para Noel, que retribuiu dedicando Cast no Shadow ao amigo)
O show começa com uma versão bem mais pesada de Weeping Willow, uma das boas músicas secundárias de Urban Hymns. Logo de cara, chama a atenção como a voz de Ashcroft está rouca e mais grave. O som do baixo estava forte e o guitarrista exagerava um pouco nos wah-wahs. Na sequência vieram a já citada A Song for the Lovers (está revezando com Space and Time nos sets) e Break The Night With Colour - que aqui no Brasil tocou em novela e no show também teve um peso extra, que funcionou muito bem.
No final veio o desbunde: nada mais nada menos do que The Drugs Don't Work, Lucky Man, Sonnet e Bitter Sweet Symphony. Os quatro singles que catapultaram o Verve para o estrelato em 1997 e 1998 e que fizeram a fama do conjunto.
Drugs Don't Work foi tocada só em voz e violão na sua metade inicial, preservando sua melodia cativante e paralisando o estádio com sua beleza. Lucky Man levantou o público com seus versos otimistas e Sonnet foi um pouco mais discreta.
E Bitter Sweet Symphony foi Bitter Sweet Symphony. Um clássico absoluto que combina um arranjo de cordas fabuloso e inesquecível, uma melodia que gruda na cabeça e uma letra sensacional. O estádio inteiro cantou versos como "Você tenta ganhar algum dinheiro e então você morre" e "Eu sou um milhão de pessoas diferentes de um dia para o outro" e, se pudessem, todos se ajoelhariam junto com Richard quando ele canta que nunca rezou, mas que naquela noite estava em seus joelhos.
O set de mais ou menos 40 minutos manteve o público atento, enfileirando alguns dos seus principais clássicos, sem nenhuma reclamação. Eu adoraria que rolasse uma History ou On Your Own? Com certeza, mas entendo que a noite era de celebração, não de reflexão sobre a miséria, solidão e vazio existencial da vida.
Uma noite para se reencontrar com os anos 90 e com uma de suas principais vozes.

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