Não dá para entender o Oasis pensando apenas na relevância das suas músicas, nos discos vendidos, nos ingressos esgotados ou nas incontáveis exibições do videoclipe de Wonderwall na MTV. Além das influências musicais, das acusações de plágio e das brigas públicas, o Oasis faz parte de um fenômeno cultural (um pouco datado, claro), mas é uma banda que captou o espírito de uma época e transformou isso em arte, promovendo uma rara identificação com seus fãs.
Os anos 1990 foram marcados por problemas econômicos no mundo inteiro. Uma juventude já desiludida não via muitas perspectivas de vida. A Guerra Fria havia acabado, uma nova revolução tecnológica começava, o Reino Unido vivia uma crise pós governo Thatcher e nesse cenário surge um grupo cantando letras incrivelmente ousadas para meros desconhecidos.
Definitely Maybe, primeiro disco do grupo, fala sobre curtir a vida de maneira meio sem propósito e sem juízo. A diversão que só vem com cigarros e álcool, o sentimento supersônico de uma gin tônica, desejos de vida eterna e aquela sensação de que os sonhos podem ser reais, por mais bobos que eles sejam.
Um hedonismo meio desesperado que falava sobre a vida de jovens da classe trabalhadora na decadente Manchester, mas que encontram eco em qualquer lugar do mundo, em qualquer época. Todo mundo sonha em ser uma estrela do rock, ou, em poder viver sua vida pegando sol.
O grupo seguiu entregando hits nos discos seguintes, mas aqueles jovens que curtiam Columbia estavam ficando mais velhos e talvez se dessem conta de que os sonhos que tiveram quando criança desapareceram e que ninguém havia se transformado em uma estrela do rock. O sucesso trouxe superexposição, os sonhos de Liam e Noel é que se transformaram em realidade, e tudo isso diminuiu esse senso de pertencimento.
Por mais que o Oasis continuasse lançando bons e razoáveis discos nos anos 2000, eles não tinham mais a relevância de outrora. Havia uma base de fãs incrivelmente fiel, mas não havia mais aquela histeria coletiva. O grupo acabou e, todo esse tempo, gerou uma demanda reprimida que foi completamente extravasada com a turnê de retorno Live '25.
O que o Oasis faz em sua apresentação é uma espécie de resgate de uma cápsula do tempo enterrada há 30 anos. O público jovem que cantava Roll With It em 1995 já está chegando nos 40 e nos 50 anos. Uma idade em que vamos amadurecendo e de certa forma nos conciliando com quem já fomos. É mais fácil se identificar agora com Supersonic do que 10 anos atrás. É aquela história de entender que quem você era é também quem você é.
O setlist da banda é baseado quase que inteiramente na produção de 1994 a 1997, com exceção de Little by Little, lançada em 2002. Durante duas horas aproximadas, Liam & Noel abrem essa cápsula e mostram um pouco do que era o mundo em 1995. Por duas horas é possível viver essas emoções novamente, ainda que sentindo um pouco mais de dor no joelho.
O início é previsível para todos que acompanharam a saga do Oasis nos últimos seis meses. Ao som de Fuckin' in the Bushes, o grupo entra no palco, Liam e Noel Gallagher de mãos dadas, acenam para o público e, sem falar nenhuma palavra, começam a cantar Hello. O Oasis nunca foi uma banda dada à imprevisibilidade. (Por mais que, ao que parece, o gesto surgiu de forma espontânea por parte de Liam no primeiro show do retorno, em Cardiff).
Os primeiros minutos são inacreditáveis, com a sequência Hello, Acquiesce e Morning Glory fazendo a pista pular do início ao fim, se movendo como um organismo vivo formando uma onda. Depois há momentos mais animados, alguns números mais confusos, e a emoção que Live Forever e Don't Look Back in Anger sempre garante.
Liam se mostra muito mais ativo do que nas últimas aparições do Oasis. De certa forma, lembra mais o garoto que existiu até a virada do século, mas dessa vez sóbrio. Desafia a plateia a gritar, diz frases que nem sempre conseguimos entender e não lembra nem um pouco a postura imóvel que preponderou a partir de 2002, principalmente.
Noel também se mostra mais disposto a tocar os solos de guitarra da banda, que nas últimas turnês ele cada vez mais terceirizava para Gem Archer.
Archer e Andy Bell, aliás, mantêm a mesma qualidade no trabalho, mesmo que desta vez se parecendo mais músicos de apoio do que membros de uma banda. A volta de Paul Bonehead, surpreendentemente, garante o peso necessário para executar as músicas dessa época, como se sua distorção interminável preenchesse os buracos das canções.
O único porém é o baterista Jay Waronker. Sua escolha me parece ser uma tentativa de reproduzir o estilo de Alan White, já que Zak Starkey e Chris Sharrock haviam imprimido ritmos diferentes para canções clássicas. Incrivelmente, ele funciona bem nas músicas mais agitadas, mas um pouco esquisito em Live Forever, Don't Look Back in Anger e Little by Little.
O setlist apenas com clássicos funciona como uma espécie de reconciliação do Oasis com seu legado. Em vez de tentarem se mostrar relevante lançando músicas novas, eles agora entendem que sua relevância e legado estão na obra já gravada. Wonderwall nunca mais vai acontecer. Mas para que fazer outra Wonderwall se você já tem uma?
Liam canta bem, como não cantava há quase 20 anos. Noel começa um pouco estranho, mas esquenta com o passar do tempo. Champagne Supernova termina com fogos de artifício, um público nas mãos da banda - sim, como Liam diria "vocês estão na minha mão hoje" (mesmo Noel cantando para não colocar a vida nas mãos de uma banda).
A cápsula do tempo foi fechada novamente, lembrando todo mundo que a vida talvez nunca tenha sido fácil e que todos precisamos de alguma forma de escapismo. Quando ela será aberta novamente? Ela vai?
***
Eu tive alguma participação na Oasisfera nos anos 2000. Fui coproprietário de um fã-site, moderador de fórum e etc. (Nada envolvendo dinheiro).
Estive presente em dois shows do Oasis. O primeiro no estacionamento do Credicard Hall debaixo de um dilúvio, em 2006, foi ótimo. O segundo, sob chuva fina no Anhembi em 2009 foi disperso e simbólico de uma banda que estava prestes a se fragmentar. Os dois shows foram realizados sem lotação máxima do local e, se em 2006 o público estava enlouquecido, em 2009 a plateia estava mais interessada em gravar vídeos de Wonderwall.
Àquela altura o Oasis era um grupo que lançava bons discos, mas não entregava hits na proporção dos que lançou na metade da década de 90. A postura carrancuda não combinava com uma era de pirotecnia nos palcos. Os críticos enxergavam a banda se transformando em um dinossauro do rock, ainda criativos, mas sem vigor.
De onde então surgiram esses fãs capazes de passar os primeiros 10 minutos do show pulando sem parar? Como eles apareceram justamente nos 16 anos em que a banda ficou inativa? Há a demanda reprimida. Há a incrível ação de marketing e promoção. Mas, para mim, a principal resposta é essa sensação de voltar no tempo proporcionada.

Comentários