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Bernardinho

Bernardinho era o louco que dirigia a seleção feminina de vôlei. Não era tão louco quanto o cara que dirigia a Rússia, que babava e cuspia, chegava quase a agredir fisicamente as suas jogadoras - coitadas, que tinham sempre uma cara de choro contido.

Ninguém duvidava porém das qualidades de Bernardinho naquela seleção feminina. Conquistou duas medalhas de bronze, em Olimpíadas nas quais a equipe masculina havia parado nas quartas-de-final. Fez campanhas brilhantes nas duas competições, tendo apenas um porém: a brilhante geração cubana, tricampeã olímpica, algoz brasileira nas duas semifinais. As derrotas foram em jogos épicos, disputados, derrotas muito doloridas. Não dava pra tirar o mérito, apesar de nossa cultura de destruição dos não vencedores.

Mesmo assim, houve alguma polêmica quando Bernardo Rezende foi escolhido como novo treinador da seleção masculina. Ele nunca havia trabalhado com os homens. As meninas queriam que ele continuasse com elas. Treinadores masculinos se sentiram desprestigiados. Eu sei que eu pensei na época, com 13 anos, que seria uma ótima escolha.

No ano seguinte as expectativas começaram a ser cumpridas: vitória na Liga Mundial, apenas os segundo título brasileiro até então. Lembro da semifinal épica contra a Rússia, em que o Brasil venceu os dois primeiros sets, levou o empate e a conquista veio em um tie-break épico. A final com a Itália foi tranquila, iniciando uma era de freguesia italiana contra o Brasil.

Em 2002 foi o título mundial em outra conquista épica, o primeiro do Brasil. Vitória sensacional contra a então tricampeã Itália nas quartas, contra a Iugoslávia na semifinal e um ace milagroso de Giovanni na final contra os russos. E então ninguém segurou o Brasil.

Aquele time até então apagado se transformou na maior equipe de vôlei de todos os tempos. Giba deixou de ser apenas o bonitinho da equipe e virou o jogador decisivo. André Nascimento virava todas as bolas. Murilo era o monstro dos bloqueios. O louco Ricardinho revolucionou o esporte e talvez seja o maior levantador de todos tempos.

Foram cinco títulos seguidos na liga mundial, o Ouro Olímpico em Atenas, o segundo título mundial conquistado de maneira implacável em 2006. Duas Copas do Mundo. Até que a magia acabou.

A até hoje controversa briga entre Bernardinho e Ricardinho que afastou o levantador do grupo após a conquista da Liga Mundial em 2007 tirou um pouco da magia da equipe. Marcelinho não tinha o gênio do antigo titular. O Brasil passou a pensar nas ligas mundiais - conquistou apenas mais duas e conseguiu a prata nas Olimpíadas de 2008, quando era apenas a terceira força, atrás de EUA e Rússia.

A dificuldade de renovação fez com que o Brasil deixasse de ser a potência absoluta do esporte. Mas o grande mérito de Bernardinho é que a constância do seu trabalho fez com que a seleção sempre chegasse nas fases finais. Campeã do mundo em 2010 e vice em 2014. Terceiro lugar na Copa do Mundo de 2011. Prata nos Jogos de Londres, em uma derrota tão dolorida que ofuscou a campanha de superação. Uma série de pódios nas Ligas Mundiais.

Até que vieram os jogos no Rio de Janeiro. A campanha foi sofrida, como jamais foi. O Brasil ficou perto de ser eliminado na primeira fase. O time era, claramente, inferior a adversários como os EUA e a França.

Mas como em um novo milagre, a equipe se superou. Lipe virou o fator combustível da equipe, Maurício virou a segurança na rede e Bruninho se provou o levantador que a equipe precisava. Wallace e Lucarelli levaram a equipe nos momentos difíceis e o interminável Serginho foi o ponto de equilíbrio. Na fase final o Brasil sobrou contra os adversários e chegou mais um improvável ouro olímpico.

Dezesseis anos depois, Bernardinho se aposenta do Brasil como o maior técnico da história do vôlei entre seleções. Uma lenda.

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