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O tempo em que nós vivemos

Na sala de espera de fisioterapia, aguardo pela sessão de choques em um pé que torci brutalmente durante minhas férias. Não sei se todos se sentem assim, mas nós estamos no dia seguinte ao em que Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos.

No começo parecia uma piada, depois foi virando uma ameaça, mas de certa forma parecia que nunca ia se concretizar. Esse cara é louco, é misógino, é xenófobo. As pessoas vão se mobilizar para não deixar que ele chegue até a casa branca com toda sua dose de insanidade. Isso não aconteceu. Os votos ainda não terminaram de ser apurados, mas, ao que tudo indica, Trump terá menos votos do que Hillary Clinton e será eleito, tal qual George W. Bush, pelo sistema de colégios eleitorais norte-americanos.

Mas o que me chama mais a atenção é que dificilmente Trump conseguirá alcançar os 62 milhões de votos que Mitt Romney, o republicano derrotado de 2012 conseguiu. Talvez o magnata-presidente consiga chegar aos 60 milhões, iguale o que John McCain conseguiu em 2008 quando perdeu em muito para Obama. Dá para dizer que, mais do que um fenômeno, Trump se aproveitou das pessoas que não se mobilizaram para votar em Hillary e toda a sua falta de carisma.

Aliás, entre as muitas coisas que eu li antes das eleições norte-americanas, muitas coisas que, digamos, preparavam o espírito de todas para a possível vitória do Trump, estava o texto em que o cineasta Michael Moore lamentava as cinco razões pelas quais Trump seria eleito. Hillary era um dos principais problemas, ele dizia. Em um país no qual o voto não é obrigatório e a votação é realizada em um dia de trabalho normal, quem se mobilizaria para votar em Hillary? Convenceria as pessoas a votar nela? Hillary não desperta paixão e em um país como os Estados Unidos é preciso despertar um mínimo de paixão para ganhar as urnas.

Trump, por outro lado, desperta paixão. Ou ódio. Ele conseguia mobilizar as pessoas. Parece que por muito tempo, a expectativa democrata é que o ódio a Trump motivasse as pessoas, para que Hillary fosse eleita como uma espécie de antídoto ao republicano desvairado.

A sala de fisioterapia se mantinha em seu melancólico silêncio de sempre, quebrado apenas pela TV sintonizada na Globo e por uma senhora esperando o atendimento e conversando com outra sobre as eleições nos Estados Unidos, sem entender direito o que acontecia. Com alguma pessoa próxima a ela, talvez uma filha, residente nos States, ela relatava uma mensagem recebida explicando o porquê Trump vencera. “A população cansou dos anos Obama e quer mais geração de emprego”, era a síntese da mensagem. “Se os Estados Unidos forem bem, o mundo inteiro vai bem”, concluía a mensagem. “Tomara a Deus”, concluiu a senhora.

Sempre é perturbador pensar na Alemanha entre guerras e a ascensão de Hitler. Pensar se ninguém em nenhum momento pensou que alguma coisa de errado estava acontecendo, que era preciso interromper aquilo. Um líder extremista e carismático, propondo soluções absurdas e reforçando o discurso nacionalista. Machen Deutschland wieder groß, poderia dizer um slogan da época. Me sentia um pouco assim, como um observador passivo dos dias pré-apocalipse.

Donald Trump pode ser bem um representante desses tempos atuais. Tempos de ódio e ele encampa o discurso de ódio como ninguém. Tempo de aversão aos políticos tradicionais e, isso ninguém nega, ele não é um político de carreira, enquanto que Hillary representa todo o establishment político. O mesmo fenômeno que ocorreu no Brasil, em varias capitais em que candidatos vencedores foram aqueles que conseguiram se vender como o homem de fora da política, aquele que não precisa dela para sobreviver. Trump também é uma espécie de meme ambulante e talvez isso explique a sua capacidade de viralizar.

Entre as tantas análises sobre a possibilidade de sua eleição, uma delas dizia sobre um conceito que eu nunca escutei antes: “os novos pobres”. Basicamente, eles seriam a antiga classe operária, que com o fechamento das indústrias perderam espaço no mercado de trabalho. São pessoas sem estudo, geralmente brancas, e que agora têm oportunidades de emprego muito ruim, ou que exigem uma qualificação superior a que elas têm. Perdem poder financeiro e, ao mesmo tempo, são vistas como uma parcela leprosa da sociedade, por sua cultura machista, homofóbica, racista, são constantemente apontados por seus privilégios como homens brancos. Diante dessa situação, eles se voltam contra aqueles que apontam os dedos para eles. Se revoltam com o seu declínio e com o ridículo de seus valores, enquanto as minorias garantem mais direitos. Não que eles tenham razão, mas eles simplesmente se sentem assim. Trump fala diretamente com essas pessoas. “depois de aturar oito anos de um negro nos dizendo o que fazer, temos de ficar quietos e aguentar oito anos ouvindo ordens de uma mulher? Depois disso serão oito anos dos gays na Casa Branca! E aí os transgêneros! Você já entendeu onde isso vai parar. Os animais vão ter direitos humanos e uma porra de um hamster vai governar o país”, provocou retoricamente Michael Moore.

Trump também representa o mundo atual. Um mundo em que as liberdades individuais e os avanços tecnológicos chegaram a um ponto - ainda mais na América - em que as pessoas vivem cada vez mais isoladas e alienadas em relação ao resto da sociedade. Cada um escolhe sobre o que quer se informar e esse isolamento diminuí a sensação de pertencer a alguma coisa, diminui a empatia e a nossa capacidade de pensar nos outros. Aumenta o egoísmo. E isso possibilita que um louco como Trump una as pessoas, mesmo que pelo ódio.

O silêncio melancólico da sala de espera da fisioterapia é quebrada por um senhor, que aguardava uma sessão. O dia estava movimentado, como eu nunca vi antes, muita gente acordou nesta quarta-feira sentindo dores que precisavam ser curadas com choques, gelo, exercícios ou qualquer tratamento. Revoltado com a espera, ele exigia ser atendido na frente por ser idoso. Dizia que a clínica precisava cumprir a lei. Olhei ao meu redor e constatei que 70% das pessoas que esperavam eram idosas. Outras tantas estavam em muletas, cadeiras de rodas, em situações que certamente mereceriam ser prioritárias. A atendente tentava argumentar isso, mas o senhor apenas gritava com ela pela garantia dos seus direitos.

O eu, o egoísmo, o egocentrismo, a falta de capacidade de pensar sobre as outras pessoas. Tudo isso veio à minha cabeça nessa manhã, dia em que todos nós sabemos que Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos.

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