Pular para o conteúdo principal

As ruas pelas quais ando

Quando eu estava na quinta-série, adquiri o hábito de voltar a pé para casa do colégio. Andava a longa rua de terra inabitada. Era um hábito solitário, que durava entre 15 e 20 minutos. Foram sete anos com o mesmo trajeto de 1,5km. Durante a maior parte do trajeto, eu escutava apenas os meus passos. Acompanhei a construção de algumas casas, a reforma de outras. A fila do INSS, o movimento no bar. Gostava de admirar a beleza do azul, um profundo azul, no céu durante o outono. A ausência das nuvens e o contraste do topo das mangueiras, verdes, bem verdes. De ver os aviões que passavam e desapareciam no fim do céu.

Sempre demorava um tempo razoável, um tempo que servia para refletir sobre o dia, a vida e tudo mais. Quantas vezes não me senti nostálgico? Era uma caminhada inspiradora.

Quando entrei na faculdade, o trajeto mudou um pouco. Demorava um pouco menos, mas também era cotidiano. Descia do ônibus, atravessava a avenida e começava. O movimento dos correios, o campo vazio onde os meninos jogam bola quando as vacas não pastam.

Tive muitas idéias por lá. Comecei vários textos por lá. As principais decisões da minha vida foram tomadas enquanto eu andava por essas ruas.

Se fossem tiradas fotos diárias da rua nos últimos 12 anos, eu me veria em diferentes versões. Me veria aos 11 anos curtindo a independência de andar sozinho. Me veria apressado para chegar logo para o almoço no terceiro ano. Me veria no dia em que me inscrevi no vestibular. Me veria nostálgico no meu último dia de aula. Sujo no primeiro dia da faculdade. Alegre e indeciso com o fim da faculdade. Voltando do concurso público. Me veria uniformizado, com mochila nas costas. Com cabelo curto, sem óculos. Me veria agora. Com o mesmo céu, o mesmo asfalto e as mesmas paredes. Os mesmos postes, as mesmas árvores. As mesmas palavras que sempre me vieram.

Freqüentar a academia me serviu para voltar a andar por essas ruas. É um trecho mais longo. Mas eu só penso quando estou nas velhas ruas de sempre. Ainda tenho que me guiar pelo parque, pela avenida movimentada. O mundo que eu conheço de olhos fechados, começa junto com a Avenida Pau Brasil.

Comentários

Postagens mais visitadas

Aonde quer que eu vá

De vez em quando me pego pensando nisso. Como todos sabem, Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, sofreu um acidente de avião em 2001. Acabou ficando paraplégico e sua mulher morreu. Existe uma música dos Paralamas, chamada "Aonde quer que eu vá" que é bem significativa. Alguns trechos da letra: "Olhos fechados / para te encontrar / não estou ao seu lado / mas posso sonhar". "Longe daqui / Longe de tudo / meus sonhos vão te buscar / Volta pra mim / vem pro meu mundo / eu sempre vou te esperar". A segunda parte, principalmente na parte "vem pro meu mundo" parece ter um significado claro. E realmente teria significado óbvio, se ela fosse feita depois do acidente. A descrição do acidente e de estar perdido no mar "olhos fechados para te encontrar". E depois a saudade. O grande detalhe é que ela foi feita e lançada em 1999. Dois anos antes do acidente. Uma letra que tem grande semelhança com fatos que aconteceriam depois. Assombroso.

Imola 94

Ayrton Senna era meu herói de infância. Uma constatação um tanto banal para um brasileiro nascido no final dos anos 80, todo mundo adorava o Senna, mas eu sentia que era um pouco a mais no meu caso. Eu via todas as corridas, sabia os resultados, o nome dos pilotos e das equipes. No começo de ano comprava revistas com guias para a temporada que iria começar, tinha um macacão e um carrinho de pedal com o qual dava voltas ao redor da casa após cada corrida. Para comemorar as vitórias do Senna ou para fazer justiça com meus pedais as suas derrotas. Acidentes eram parte da diversão de qualquer corrida. No meu mundo de seis anos, eles corriam sem maiores riscos. Pilotos por vezes davam batidas espetaculares, saiam ricocheteando por aí e depois ficava tudo bem. Já fazia 12 anos que ninguém morria em uma corrida. Oito sem ninguém morrer em qualquer tipo de acidente. Os últimos com mais gravidade tinham sido o do Streiff e do Martin Donelly, mas eu nem sabia disso, para dizer a verdade. Não sab

Fã de Esporte

A vida no começo de 2005 era um pouco estranha. Eu tinha saído do colégio e passado no vestibular para jornalismo. Mas, devido ao atraso de programação provocado pelas greves, as aulas iriam começar só no final de abril. Foram quatro meses de um pequeno vácuo existencial. Talvez fosse até bom tirar um período sabático após o fim do Ensino Médio, mas seria melhor se fosse algo programado, enfim. Nesse período, boa parte da minha vida se dedicava a acompanhar a programação da ESPN Brasil. Não que eu já não acompanhasse antes, o Linha de Passe da segunda-feira era um compromisso de agenda há algum tempo, assim como o Sportscenter no fim do dia, principalmente nos dias de rodada noturna na quarta-feira. Eram tempos que a internet ainda engatinhava e o Sportscenter era uma grande oportunidade de saber os resultados da rodada. Aquela ESPN de José Trajano moldou o caráter de uma geração de jornalistas e fãs de esporte, como eles passaram a chamar seus telespectadores. Sempre gerava ironias de